Chavismo opera para evitar reeleição de Guaidó no parlamento, acusa oposição
Luis Parra se proclama presidente da Assembleia Nacional, enquanto Guaidó denunciava, do lado de fora do prédio, que impediam o acesso aos dirigentes de oposição para evitar sua vitória
O caos na Venezuela parece não ter fim. O dia em que se previa que ocorresse a reeleição de Juan Guaidó como presidente da Assembleia Nacional da Venezuela acabou na posse como chefe do parlamento de um deputado oposicionista dissidente. Luis Parra, acusado de corrupção, se proclamou presidente da Assembleia Nacional com o apoio do chavismo e de maneira rocambolesca, sem a validação de quórum suficiente e enquanto Guaidó e deputados de oposição estavam fora do hemiciclo. O dirigente venezuelano denunciou que a polícia chavista tentou impedir que ele e seus aliados entrassem no Parlamento.
“Golpe no Parlamento. Sem votos e quórum deputados do PSUV tentam dar posse à falsa diretoria”, denunciou a equipe de Guaidó, que tentou entrar entre golpes e empurrões com a polícia no edifício da Assembleia. Em meio a uma confusão dentro do hemiciclo, um grupo de deputados dissidentes da oposição tomou posse como nova junta diretora. Sem que a sessão verificasse o quórum e a confirmação de votos, Luis Parra tomou posse diante do deputado mais velho, Héctor Agüero, do PSUV, falando com um megafone por falha no áudio do salão, que também havia registrado problemas com o acesso à Internet durante toda a manhã. Pouco depois, a equipe de Guaidó afirmou pelo Twitter: “A sessão real da Assembleia da Venezuela será realizada e Juan Guaidó será confirmado como presidente. O regulamento e a Constituição estabelecem claramente que Juan Guaidó é o presidente da Assembleia Nacional até que a sessão formal ocorra”.
Parra pertencia ao Primeiro Justiça e foi separado com outro grupo de deputados em novembro quando uma investigação jornalística do portal Armando.info revelou que estariam fazendo lobby internacional para favorecer empresários ligados a Nicolás Maduro, como Carlos Liscano, sócio de Alex Saab, fornecedor dos alimentos para o programa subsidiado de alimentos, conhecido como CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção), condenado pelos Estados Unidos e investigado em vários países.
Domingo foi outro dia tenso na política venezuelana. Desde o começo, Guaidó denunciou os impedimentos e bloqueios por parte do chavismo, que tentou impedir seu acesso e o de dirigentes oposicionistas ao Parlamento. O sindicato de jornalistas também denunciou que aproximadamente trinta veículos de comunicação não puderam ter acesso ao hemiciclo. O chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, criticou a suposta manobra chavista para evitar a reeleição de Juan Guaidó na Venezuela pelo Twitter e disse que o Brasil não reconheceria o resultado da eleição. “Brasil não reconhecerá qualquer resultado dessa violência e afronta à democracia”, declarou.
Guaidó não chegou a entrar no prédio do Parlamento. Após a posse de Parra tentou entrar pulando as grades, enquanto a polícia o impedia. Antes, não entrou, segundo sua equipe, porque queria garantir que todos os dirigentes oposicionistas passassem com ele e evitar que, com a entrada somente de alguns dirigentes, a bancada chavista e os dissentes tivessem quórum suficientes para iniciar a sessão e impedir sua reeleição. “Se não entrarem todos não entra ninguém”, disse Juan Guaidó na entrada do Parlamento, em que as forças de segurança submetem à rigorosa verificação as credenciais dos parlamentares.
A fração do chavismo e os deputados oposicionistas ligados ao escândalo de corrupção dos CLAP puderam entrar sem maiores problemas. Alguns destes dirigentes de oposição haviam proposto, com o beneplácito do chavismo, que votaria por eles, uma nova mesa diretora do Parlamento com Parra como presidente. Seria acompanhado por Franklin Duarte (Copei), José Gregorio Noriega (Vontade Popular), Negal Morales (Ação Democrática) e Alexis Vivenes (Vontade Popular). Todos os partidos afirmaram que esses deputados agiram por vontade própria e não representam os partidos, que optam por reeleger Guaidó.
Guaidó disputava sua reeleição no domingo para continuar com seu caminho de transição, para o que já havia conquistado em setembro um acordo com os partidos minoritários aos que por rotação correspondia assumir a direção para o último ano legislativo da Assembleia. Em 2015, na que foi sua maior vitória política em duas décadas, a oposição levou a maioria qualificada com 112 deputados e deixou o chavismo encurralado em 54 cadeiras.
A perseguição judicial de Maduro dividiu desde o primeiro ano três deputados deixando sem representação o Estado indígena do Amazonas, o que também lhe tirou a maioria qualificada. Depois, através de bloqueios de suas funções e declarando-a em desacato, causou um conflito institucional que complicou ainda mais a crise venezuelana e que serviu de argumento aos chavistas para se retirar durante dois anos das sessões e criar um parlamento paralelo com a Assembleia Constituinte, eleita de maneira fraudulenta em 2017. Neste ano, a bancada chavista retornou à Assembleia Nacional.
A perseguição direta de deputados também foi enfraquecendo a oposição. Nesse momento crucial, há 49 deputados com processos judiciais. Juan Requesens está preso e Gilber Caro desaparecido, 29 tiveram a imunidade parlamentar revogada e outros 27, entre principais e suplentes, estão no exílio. Em setembro, a criação de um pacto entre uma fração da oposição e o regime de Maduro voltou a enfraquecer o projeto de reeleição de Guaidó. Essa guinada propiciou a reincorporação do chavismo ao Parlamento, com somente 38 dos 54 deputados que tinha inicialmente, cuja participação tornou possível a confusa sessão de hoje. O escândalo de corrupção revelado em novembro com parlamentares do Primeiro Justiça e Vontade Popular gerou novas fraturas na maioria de Guaidó. Nas últimas semanas denúncias de compras de deputados, com ofertas de pagamentos em moeda estrangeira, foram a última manobra do chavismo para afundar a oposição.
Com toda a ofensiva chavista para frustrar sua reeleição, Guaidó chegou a 5 de janeiro com 93 votos confirmados. Para eleger a junta diretora era preciso maioria simples com quórum de 84 deputados, o que não ficou claro se ocorreu nesse domingo para a posse de Parra.
A intimidação contra os dirigentes oposicionistas começou na véspera da sessão de domingo. Durante a madrugada, funcionários de inteligência (Sebin) tomaram o hotel em que se hospedavam 40 parlamentares das províncias que pretendiam participar da sessão. Após a primeira hora da madrugada começaram a bater nas portas dos quartos e ordenaram a evacuação por uma suposta ameaça de bomba. Os policiais inspecionaram alguns quartos e se retiraram duas horas depois.