Richard Sennett: “O liberalismo enfraqueceu nossa rede de salvação”
Professor da London School of Economics e do MIT, o sociólogo norte-americano Richard Sennett reflete sobre o impacto do novo coronavírus no futuro e para a luta climática
O coronavírus atrapalhou os planos deste incansável defensor do Estado de bem-estar social. Neste ano, o confinamento e as restrições para voar retiveram Richard Sennett (Chicago, 1943) em Londres, onde vive metade do ano com sua esposa, a também socióloga Saskia Sassen, e leciona na London School of Economics. O renomado sociólogo não passará a primavera setentrional (de setembro a dezembro) em Nova York, onde fica mais perto do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no qual também leciona. No dia desta entrevista, 27 de abril, Sennett estava ansioso para retomar seu trabalho nas Nações Unidas, onde colabora no desenvolvimento de estratégias para que as cidades enfrentem a crise climática. A ONU reabriu após permanecer várias semanas fechada devido à pandemia. O autor de Construir e Habitar: Ética para uma Cidade Aberta (Record, 2018) está impressionado: seus vizinhos londrinos se organizaram e trazem alimentos para ele e sua esposa, assim como para outros moradores de seu edifício. Essa gentileza lhe deu esperança.
PERGUNTA. Nesta crise, o que aprenderemos de útil para as futuras transformações que a mudança climática trará?
RESPOSTA. Que uma das coisas nas quais temos de nos concentrar, em relação à vida nas cidades, é o quanto poderemos viver adensados. Para questões climáticas, a densidade não é algo ruim. É importante que as pessoas vivam de forma mais compacta, usem o transporte público e não ande cada uma isolada em seu carro. Mas a densidade também pode ser uma ameaça. Por isso, a questão é desenvolver formas para que nossas cidades sejam tanto verdes como saudáveis. Esse é o desafio ao qual eu e meus colegas na ONU estamos nos dedicando agora.
P. E como as cidades mudarão?
R. A melhor proposta que ouvi para as cidades ricas é de Anne Hidalgo, a prefeita de Paris: criar nós de concentração, o que ela chama de “cidades de 15 minutos”. Nelas, as pessoas podem chegar de bicicleta ou andando em 15 minutos a um centro que não necessite de transporte público, que pode chegar a ser muito perigoso em casos como o que vivemos atualmente. É uma mudança enorme. Em cidades como Paris, significa reconstruir totalmente a urbe. Seria algo mais parecido com Londres, que é uma espécie de acúmulo de muitas cidades entre as quais você pode se deslocar a pé.
P. E as cidades que não são ricas?
R. Infelizmente, no sul essa não é uma opção viável. As pessoas vivem em subúrbios ou favelas a horas de distância de onde trabalham. Imaginar que pudessem chegar andando é apenas uma fantasia. A única forma pela qual poderiam conseguir isso seria através do controle estatal de toda a indústria e da descentralização de toda a produção. Economicamente, seria muito complicado. No grupo da ONU em que estou trabalhando estamos imaginando opções para São Paulo. Existem maneiras de, pelo menos, criar redes de comunicação para que as pessoas saibam o que acontece no resto da cidade e possam reagir. Imaginemos que um bairro estivesse muito afetado pela covid-19 ou semelhante. Pelo menos o resto poderia se proteger não passando por esse bairro. Não é uma grande opção, mas há tão pouco dinheiro na maioria das cidades dos países em desenvolvimento que a situação é completamente diferente. A não ser que haja uma mudança maciça na economia e no poder estatal, é mais uma estratégia de adaptação.
“As ‘cidades de 15 minutos’ não são, infelizmente, uma opção para os núcleos urbanos dos países em desenvolvimento”
P. E sobre o sistema econômico, que lições aprenderemos?
R. O liberalismo, como força econômica, enfraqueceu nossa rede de salvação, aquela que nos ajuda em caso de crise. Ele transformou o Estado de bem-estar em algo que não funciona. O Estado está nos ensinando a fazer máscaras porque não pode nos prover delas! Em meu edifício, criamos novas formas de comunicação entre os moradores porque não temos outra maneira de fazer isso através de nenhum órgão público. Nós mesmos tivemos de criar as conexões. O Estado estará fraco demais para enfrentar a mudança climática. Caso houvesse escassez de água, não seria algo que os capitalistas resolveriam. Teremos de mudar a economia e decidir como supriremos a ausência do Estado.
P. Que diferenças vê entre as duas crises, a provocada pela pandemia e a que está sendo gerada pela mudança climática?
R. A grande diferença entre a crise que vivemos atualmente e a mudança climática é que a crise atual é abrupta e acentuada. Para tentar frear a pandemia, você pode confinar a população, fazer exames... O problema com a mudança climática é que é algo muito lento, seus efeitos não são dramáticos. A questão do aumento da temperatura no planeta e particularmente nas cidades é algo que vai acontecendo ano após ano. Em uma década, não haverá um momento em que digamos: “Ah, temos um problema” ―ele estará sendo gerado. Devemos começar a nos preparar para algo que vai ocorrer daqui a 20 anos, e custa fazer isso.
P. O que acredita que, na esteira desta crise, deveríamos fazer para manter um equilíbrio entre nossa segurança e nossa liberdade?
R. Não podemos ter as duas coisas. Qualquer atividade é um risco. E isso nos leva a tomar decisões concretas em função de quanto risco estivermos dispostos a assumir. Sempre há opções na vida. Você pode anular todo o risco adotando o modelo autoritário, o modelo chinês, mas não queremos viver dessa forma. Filosoficamente, já escrevi muito sobre este assunto. A insegurança é um assunto no qual todos os adultos devem pensar. Em que aspectos você se sente inseguro, e como. No caso da pandemia, não estou preocupado com minha própria morte, mas gostaria que houvesse o máximo de segurança para meus netos, proteção para a família. A liberdade é sempre um risco. Em minha opinião, a melhor maneira de lidar com isso é através do Estado de bem-estar social.