A cientista e mãe que mostrou no Twitter a realidade das videochamadas: “Momentos complicados”
Gretchen Goldman: “A criação dos filhos recai sobre as mulheres e muitas estão abandonando o mercado de trabalho durante a pandemia”
Gretchen Goldman responde a esta entrevista tarde da noite, por e-mail, quando todo mundo está dormindo em sua casa. São dez minutos da madrugada em Washington, Estados Unidos e a jornada de trabalho ainda não terminou para essa cientista que ficou popular nas redes sociais depois de mostrar com uma imagem como é complicado manter o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional durante a pandemia.
Vestida com um blazer amarelo, Gretchen Goldman dava, da sala de sua casa, sua opinião à rede CNN sobre a escolha de David Legates, um negacionista da mudança climática, para liderar a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês). Depois de sua participação, a diretora de Pesquisa do Centro para Ciência e Democracia escreveu no Twitter: “Só para ser honesta. #DiaDeUmaMaeCientista”. E compartilhou uma imagem de como é o lugar em que grava suas entrevistas.
Just so I'm being honest. #SciMomJourneys pic.twitter.com/4yZMKtVxwP
— Gretchen Goldman, PhD (@GretchenTG) September 15, 2020
Rodeada por um caos de brinquedos infantis e caixas, a cientista põe seu computador em uma cadeira colocada em cima de uma mesa em frente à janela para ter boa iluminação. Da cintura para baixo, Goldman usa calça de ciclismo e sandálias. A imagem dessa mulher invadida pela bagunça e vestida como muitos de nós ―não nos enganemos― durante a pandemia teve 300.000 curtidas e muitas mensagens de apoio em menos de três dias, pois representa a imagem de milhões de pessoas que tentam equilibrar sua vida pessoal e profissional no mesmo espaço.
“Compartilhei a foto porque queria mostrar a realidade da minha situação, que é a de muitas mães e de outras pessoas que estão passando por dificuldades neste momento. Os pais não conseguem suportar uma situação dessas, e acho que devemos ser francos sobre isso, estar preparados para falhar, porque quando trabalhamos continuamos sendo humanos, continuamos sendo mães e pais. Devemos ser mais abertos para falar disso”, diz Goldman ao EL PAÍS.
Same here pic.twitter.com/KEe6KCx9eK
— Gema Zamarro (@gema_zamarro) September 16, 2020
Integrante da organização sem fins lucrativos 500 Mulheres Cientistas, Gretchen Goldman faz parte de uma rede que dá orientações e conselhos sobre como conciliar a vida pessoal e profissional para trabalhadores da ciência que agora também se tornaram cuidadores em tempo integral. “Todo dia é um desafio. Eu e meu marido trabalhamos como cientistas e temos dois filhos pequenos, de 2 e 4 anos. Meu trabalho exige que eu organize projetos, lidere uma equipe de pesquisa e esteja disponível para solicitações da imprensa”, assinala.
Ela admite ser um privilégio poder trabalhar de casa, mas também considera isso um desafio, uma tripla jornada de trabalho: “Temos de administrar nossos horários de trabalho enquanto cuidamos física e emocionalmente das crianças. Mal consigo me manter em dia com as tarefas como mãe e trabalhadora”.
Enquanto equilibra sua vida profissional e pessoal, Goldman reflete sobre os custos que a pandemia terá para a força de trabalho. Principalmente para as mulheres. “As responsabilidades de criar os filhos e cuidar do lar recaem desproporcionalmente sobre as mulheres, e muitas estão abandonando o mercado de trabalho por não ter opção para combinar as duas coisas. Estou muito irritada com isso. Esse problema não deve recair sobre os pais, é responsabilidade de nossas instituições, nossos legisladores e nossos empregadores garantir que os empregados e empregadas recebam apoio e se sintam confortáveis”, afirma.
Moms in science are used to juggling parent and work duties. Here's a time I gave public comment at the @EPA with my one-month-old while I was on maternity leave. https://t.co/NUES1Nt6Uz
— Gretchen Goldman, PhD (@GretchenTG) September 16, 2020
Segundo a consultoria McKinsey, 54% dos postos de trabalho eliminados no mundo durante a crise sanitária eram ocupados por mulheres. Com probabilidades maiores que as dos homens de perder o emprego e com o papel estabelecido de cuidadoras e conciliadoras, a pandemia ameaça apagar toda uma geração de progresso feminino. “Perderemos muitos dos avanços para as mulheres na ciência vistos nos últimos anos”, opina.
Goldman e seu marido fazem um trabalho de equipe e distribuem seus horários para que um deles possa cuidar dos pequenos enquanto o outro participa de uma reunião. Depois, à noite, quando reina a calma, a cientista dedica mais duas ou três horas para resolver questões pendentes. Ela gosta do fato de sua imagem no Twitter servir para falar da dificuldade de conciliar a vida familiar e a profissional: “Fico contente por lembrar aos outros pais que ninguém é perfeito e que não importa o quanto sua tela do Zoom esteja impecável, todos estamos passando por momentos complicados”.
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