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Mano Menezes: “Hoje já não existe o típico talento brasileiro”

Técnico da Canarinho entre 2010 e 2012 analisa a mudança no futebol sul-americano

Juan I. Irigoyen
Mano Menezes
Mano Menezes, treinador do Brasil entre 2010 e 2012, em sua etapa como técnico do Bahia.SERGIO MORAES (Reuters)

Mano Menezes nasceu há 59 anos no Rio Grande do Sul, o Estado mais ao sul do Brasil. Fala pausadamente em português e entende perfeitamente o espanhol. Gosta de falar sobre futebol. Passou pelo Grêmio, Palmeiras, Corinthians, Flamengo e Cruzeiro, além de treinar a seleção brasileira entre 2010 e 2012. Foi o técnico que lançou Neymar na Canarinho. Hoje dirige o Al-Nassr da Arábia Saudita. Nas cinco grandes ligas europeias, há 102 jogadores do gigante sul-americano. Mas não há nenhum técnico nos bancos da Liga (Espanha), Premier (Inglaterra), Serie A (Itália), Ligue 1 (França) e a Bundesliga (Alemanha).

Pergunta. Por que não há treinadores brasileiros na Europa?

Resposta. Durante muito tempo, os treinadores apostaram em decisões mais empíricas. E isso bastava, principalmente no Brasil. O futebol mudou muito nos últimos anos e pode ser resumido em uma questão de espaço: antes se jogava em 60 metros e hoje em 25. Isso criou dificuldades extremas ao futebol mais simples, baseado no talento individual e não na construção coletiva.

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P. Também é preciso formar treinadores?

R. Não se exigia formação acadêmica a treinadores no Brasil. Dependia somente do interesse individual de cada técnico. E, como não tínhamos metodologia de treinamento, retrocedemos.

P. A metodologia também não existia no futebol de base?

R. Há uma diferença entre produzir talento e formar talento. O Brasil continua produzindo muito talento. Mas já não formamos. Nós nos preocupamos em copiar o que se faz na Europa. Então, hoje já não temos o típico jogador brasileiro, com muita técnica.

P. Por que?

R. Nossos treinadores mais antigos se encarregavam de potencializar o futebol de rua: domínio, passe, drible. Hoje o jogador precisa ter um entendimento maior do jogo. A partir desse entendimento o jogador deve identificar as dificuldades e apresentar as soluções. Voltamos à questão do início. Antes, quando se jogava em 60 metros, o brasileiro que estava em dificuldades driblava três adversários e as solucionava. Hoje não há espaços entre as linhas para que um jogador possa fazer isso. As soluções de hoje, portanto, são diferentes das de antes. Por isso precisamos ter uma formação maior.

P. É essa a explicação pela diferença de jogo entre a Copa América e a Eurocopa?

R. Há tempos que alguma coisa acontece. Por exemplo, o Pato foi ao Milan com 10 jogos. A formação brasileira do jogador é interrompida quando emigra tão jovem. Todos os anos exportamos os melhores jogadores e isso faz com que no dia a dia a concorrência interna seja pior. É aí que está um dos maiores problemas.

P. A diferença entre a América e a Europa será cada vez maior?

R. Sim. Essa diferença aumentará à medida que o outro lado tenha mais poder para contratar os melhores e para organizar competições mais interessantes.

P. O que podem fazer?

R. Estabelecer uma idade mínima à saída do jogador.

P. Rodrygo e Vinícius assinaram com o Real Madrid com 18 anos.

R. Os europeus querem finalizar a formação. Entendem que podem fazê-la melhor.

P. No passado, dava a sensação de que o Brasil sempre tinha o craque do futuro. Quando Romário se apagava aparecia Ronaldo. Depois Ronaldinho Gaúcho e Kaká, até que chegou Neymar. Quem é o sucessor de Neymar?

R. Estamos em um momento específico em que procuramos seu sucessor. Será preciso esperar um pouco mais para saber se é uma coincidência ou se, pelo contrário, é uma consequência de tudo o que falamos.

P. Neymar estreou com o senhor na seleção. Como ele era à época e como o vê hoje?

R. Era um garoto, hoje é um homem. Um profissional que conseguiu grandes conquistas. Passou por problemas porque a fama e o sucesso têm essas consequências. Eu o vejo mais maduro após sofrer críticas e lesões.

P. Falta Messi ganhar algo com a Argentina?

R. Não falta nada a ele. Mas, por melhor que seja, você precisa de uma equipe. E, nesse momento, caminha para isso. Como aconteceu com ele na Copa do Mundo do Brasil que chegou à final. Se a Argentina vencesse, e foi por pouco, estaríamos falando que não falta nada a ele.

P. Tite é defensivo?

R. No esporte, ninguém gosta de defender. Em essência, é ofensivo. Eu também tinha esse rótulo. Nunca me preocupou. O que me preocupa é organizar bem as equipes. E isso significa estar preparado para os dois momentos básicos do futebol: quando você tem a bola e quando não a tem. Se defendo mais é porque não posso ter a bola por tanto tempo quanto gostaria.

P. Mas o Brasil não é uma seleção vistosa?

R. Passou por uma transformação. Tenta chegar com confiança para ganhar no Catar.

P. É possível?

R. Não vejo diferenças tão grandes entre o Brasil e a Argentina e os melhores europeus. Há algo que deve ser destacado. A diferença entre a Copa América e a Eurocopa também está no público. Jogar sem torcida é deprimente. Isso aumenta muito a diferença. Não será igual na Copa. A torcida é uma parte muito importante do jogo. Dá emoção e tensão, coisas que não existem em um estádio vazio.

P. O que pensa da Argentina?

R. Gosto do trabalho de Scaloni. Vejo uma equipe que tem uma ideia de trabalho. Isso é o mais importante na construção de uma equipe. O Brasil e a Argentina chegarão com opções na Copa.

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