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Copa do Mundo Rússia 2018
Coluna
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Por que amávamos tanto o Brasil

Nenhuma equipe exerceu tanto fascínio como a seleção canarinho em várias gerações de torcedores europeus

Sócrates contra a Argentina, em 1982.
Sócrates contra a Argentina, em 1982.Arquivo CBF
Xosé Hermida

Para um menino europeu crescido nos anos 70 e 80, a chegada da Copa do Mundo era sobretudo a oportunidade de ver o Brasil. Nenhum outro time tinha o poder de fascínio da seleção canarinho. Suas cores, a mistura de raças, o ritmo de seus corpos, seu inverossímil domínio da bola. Tudo remetia a um universo mágico, selvagem e exuberante, um mundo onde o campo do possível estava muito mais longe do que nós podíamos imaginar na Europa nessa época. A atração se acentuava porque não era fácil nem frequente desfrutar daquilo. Era preciso esperar quatro anos. Por isso, quando a Copa começava, estávamos impacientes por ver o momento único em que irromperiam as camisas amarelas.

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Depois do espetáculo de 1970 no México, parecia claro –ou pelo menos essa era a sensação com que muitos de nós crescemos– que o Brasil tinha chegado à suprema essência do futebol. E que talvez nunca mais algum outro conseguiria alcançar esse cume. Tão forte ficou em nós a marca daquele time que até perdoamos a passagem apagada do Brasil pelas Copas de 74 e 78. Em especial porque quatro anos depois, na Espanha, o milagre do México reencarnou. Aquele deslumbrante Brasil de 82 tinha outra vez os traços do nunca visto: a técnica de um lateral como Júnior, a elegância de meias como Sócrates e Falcão, a precisão de Zico para colocar a bola onde queria, os efeitos endiabrados dos chutes de Eder. Para uma geração de espanhóis, a tragédia da derrota no Sarrià para a Itália (3x2) é principalmente a recordação da melhor partida de futebol que vimos ou nunca mais chegaremos a ver. Porque aquele Brasil perdeu a Copa, mas –como a Holanda de Cruyff oito anos antes– ganhou a eternidade. Ninguém que tivesse visto esses times poderia apagá-los de sua memória.

No futebol, como no mundo em geral, o que menos se aceita é a derrota. O Brasil saiu do Sarriá com esse estigma. Tinha perdido a Copa e pouco importava que tivesse conquistado milhões de torcedores de todo o planeta. A partir de então, foi como se pouco a pouco o Brasil renunciasse a uma parte de si mesmo. Seu futebol se tornou mais plano, atlético e robotizado, cada vez menos diferente, cada vez mais parecido com o europeu.

O que causava espanto nas equipes de 70 e de 82 não era só o enorme talento dos jogadores, mas que todos eles, sem renunciar à criatividade, se encaixavam como peças perfeitas em um mecanismo coletivo esmagador. As seleções que ganharam o tetra e o penta, em 1994 e 2002, são lembradas por seus extraordinários atletas, alguns dos melhores que o mundo teve nas últimas três décadas: Romário, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, junto a secundários tão excelentes como Bebeto, Roberto Carlos, Cafu e Mauro Silva. Mas do jogo coletivo não restou o menor traço. Antes havia uma ideia de futebol. Agora parecia que a única ideia era ganhar. O pragmatismo encurralava a estética.

Na malfadada tarde de quatro anos atrás no Mineirão, os alemães podiam ter dito o mesmo que disse o treinador colombiano Pacho Maturana depois de submeter a Argentina a uma das piores vergonhas de sua história. Aconteceu em 5 de setembro de 1993, no estádio Monumental de Buenos Aires, em um jogo pelas eliminatórias da classificação para a Copa. A humilhação da Argentina pela Colômbia foi terrível: 5X0. Ao término do jogo, 70.000 espectadores, Maradona entre eles, ovacionaram os colombianos na despedida. Maturana quase pediu desculpas: “A única coisa que fizemos foi jogar como aprendemos com vocês”. Muito parecido com o que ocorreria 21 anos depois no Mineirão. Porque nesse dia os alemães foram os brasileiros enquanto o Brasil se esforçava para se parecer com a pior tradição de seu rival. Para testemunhar isso lá estava Hulk, uma imitação tropical dos velhos tanques germânicos que até os próprios inventores já tinham aposentado.

De volta dessa viagem ao inferno, o Brasil tem aparecido com uma cara muito melhor. De novo conta com alguns jogadores fantásticos e à frente tem um treinador que pelo menos não se comporta como seu pior inimigo. Mas a seleção lida ainda com algumas heranças pesadas. A mais visível é que o modelo de futebol para o qual o Brasil se inclinou nos últimos anos acabou por suprimir os armadores do jogo. Tanto afã durante tanto tempo por encher essa zona de jogadores com muito físico eliminou a figura do meia criativo no país que deu Didi, Gerson, Rivelino e os quatro grandiosos de 82 (por favor, recitem seus nomes com devoção): Sócrates, Falcão, Zico e Toninho Cerezo.

Apesar de tudo, o Brasil volta a ser capaz de recriar antigas emoções. Por exemplo, durante os primeiros 20 minutos contra a Suíça. Esqueçamos os 70 minutos restantes, com suas recaídas nos antigos pecados. Vamos pensar somente nessa fase em que o Brasil se comportou como sempre esperamos. Essa fase na qual lembramos que torcíamos pelo Brasil não por torcer, mas porque o futebol nos obrigava a isso. Essa fase do último jogo que até nos levou de volta por um momento àqueles dias em que amávamos tanto o Brasil.

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