Explode a bolha econômica do futebol chinês após anos de investimento bilionário

Pressionado por dívidas, o Jiangsu, campeão recente, desaparece, assim como outros 15 clubes no último ano. Em 2017, com apoio do presidente Xi Jinping, a liga gastou 2,8 bilhões em contratações

Vista aérea das instalações de treinamento do Jiangsu FC, depois que o clube anunciou o fim de suas operações.STR (AFP)
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Acabaram os dias de glória do campeão da Superliga chinesa, o Jiangsu FC. Os seus proprietários, a cadeia de shopping centers Suning - também dona da Inter de Milão -, anunciaram o “fim das operações” do clube, que está sobrecarregado por dívidas que podem beirar o equivalente a 535 milhões de reais. O fechamento, um mês antes do início da nova temporada, abalou o futebol chinês. Pode não ser o único caso em uma competição que há cinco anos surpreendeu o mundo com sua compra espetacular de jogadores estrangeiros e que hoje acumula dívidas e falências.

Passaram-se apenas seis anos, mas como parece distante o tempo em que o Jiangsu - então chamado de Jiangsu Suning - dizia adeus às suas origens humildes de segunda divisão graças à chegada da gigante do varejo. Em 2016 pagou 50 milhões de euros (340 milhões de reais) por Alex Texeira e 28 milhões (190 milhões de reais) por Ramires. Sua carteira - ou melhor dizendo, a de seu dono - parecia não ter fim, apesar das dívidas acumuladas pelo time. Em 2019, há menos de dois anos, atribuíam com insistência ao time um grande interesse por Gareth Bale, operação que não deu frutos.

Eram outros tempos. Agora, a pandemia abriu duas frentes de problemas financeiros. O clube, que tinha uma média de público de 27.000 espectadores por jogo em seu estádio na cidade de Nanjing, no sudeste da China, deixou de receber a receita dos ingressos. E seu dono tem registrado uma queda acentuada nas vendas em seus estabelecimentos em todo o país.

Em fevereiro, o presidente da Suning, Zhang Jindong, já havia anunciado que a empresa abandonaria seus interesses não essenciais para se concentrar em suas linhas de negócios principais. Esta semana, a empresa anunciou que venderá 23% de suas ações para investidores estatais. Segundo a imprensa chinesa, o clube já passava por grandes dificuldades no ano passado, quando se deu a saída de Teixeira e do técnico romeno Cosmin Olaroiu. Deve a seus jogadores salários atrasados e gratificações pela conquista de títulos, e seu último treino, no dia 21 de fevereiro, foi feito sem equipamentos, já retirados das instalações.

“Devido a todo o tipo de fatores incontroláveis, o Jiangsu FC não pode continuar jogando na Superliga chinesa”, informou o clube esta semana, apenas três meses depois da conquista do título. “Durante mais de meio ano, Jiangsu entrou em contato com muitas partes interessadas e demonstrou grande sinceridade em transferir as ações do clube. Não queremos abrir mão de nenhuma opção de manter o clube vivo, mas temos que anunciar que estamos encerrando nossas operações.” Além da equipe masculina, também desaparecerão o time feminino, que venceu o campeonato em 2019, e as categorias de base.

O investimento da Suning na Inter, por outro lado, continua por enquanto. A televisão estatal chinesa CCTV afirma que a empresa não tem intenção de se desfazer de sua participação, mas o clube italiano indicou que está em busca de “novos sócios ou investidores”.

Os infortúnios de Jiangsu não são os únicos. Em maio, o Tianjin Tianhai já havia sido dissolvido. Seu rival, os Tigres de Tianjin, também pode ser abandonado por seu dono, o conglomerado Teda, enquanto alguns de seus ex-jogadores admitem que a situação financeira “não é boa”. Em fevereiro, o Shandong Luneng foi expulso da Liga dos Campeões da Ásia por falta de pagamento aos seus jogadores. No ano passado, faliram 16 times das três primeiras divisões.

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Durante a última década, a Superliga Chinesa quis dar um grande salto qualitativo à custa dos desembolsos, que atingiram o seu pico em 2017, quando seus clubes despenderam o equivalente a quase 2,8 bilhões de reais na contratação de jogadores e treinadores estrangeiros. Era a época em que chegavam Jackson Martínez, Carlos Tévez, Alex Teixeira, Fabio Capello... Um gasto possível porque os donos das equipes eram grandes empresas chinesas, com tanto dinheiro quanto vontade de mostrar status e apoiar o futebol em um momento em que o presidente do país, Xi Jinping, estimulava a promover o esporte e a organizar e ganhar uma Copa do Mundo.

Para evitar o que ameaçava ser um desperdício escandaloso, desde 2017 as transferências são tributadas a uma taxa de 100% e são impostos limites aos salários, que não podem mais ultrapassar os 3 milhões de euros por ano. Mas os hábitos esbanjadores de outrora deixaram as equipes atoladas em dívidas, e seus proprietários, afetados pela pandemia, não têm mais a mesma capacidade de vir em seu socorro. O investimento também não é mais tão atraente, já que novas regulamentações proíbem as equipes de exibirem os nomes das empresas proprietárias.

De acordo com a agência de notícias Xinhua, em 2018 o gasto médio anual por clube na Liga foi de 140 milhões de dólares (705 milhões de reais). A maioria sofreu perdas. Mas a situação atual possa acabar sendo apenas transitória, pois as novas regras de limitação de salários e investimentos buscam que os clubes tenham saúde e possam se tornar lucrativos. E, embora em menor escala, continuam chegando contratações de renome, como o zagueiro croata Ante Majstorovic. Chegou a hora, observou a Xinhua, de “respeitar as leis do futebol e as leis do mercado, cultivar o talento dos jovens e trabalhar em longo prazo”. Afinal, o desejo de Xi de organizar e ganhar uma Copa do Mundo continua de pé.

Origem da crise: altos salários

Os altos salários que inflaram o futebol chinês são a fonte das dívidas que afogam os clubes. “O salário médio dos nossos melhores jogadores é 5,8 vezes superior ao dos atletas do campeonato japonês e 11,6 vezes superior ao do sul-coreano”, lamentava o presidente da Federação de Futebol da China, Chen Xuyuan, em dezembro. “São números alarmantes, como é que ainda não acordamos?”. Em um comentário, a agência Xinhua reconhecia que o investimento em jogadores “deu aos fãs jogos mais interessantes para verem, mas isso teve sérios efeitos colaterais”. Os salários cada vez maiores “se tornaram uma pedra no sapato para os clubes. A falta de rentabilidade resultou em desequilíbrio financeiro”, destacou a agência.

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