OCDE adverte que novas variantes do coronavírus ameaçam recuperação da economia mundial
Organismo mantém a previsão de um crescimento global sólido neste ano, em 5,6%, mas alerta para a persistência da inflação e a falta de planos de médio prazo para as finanças públicas. Brasil deve crescer 5%, mas alta será atenuada para 1,4% em 2022, abaixo da estimativa mundial de 4,5%
Embora a pandemia ainda não esteja dominada, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera ser hora de olhar para frente —mas sem descuidar do passo. Porque esse organismo que reúne economias avançadas confirma, no seu último relatório do ano, um crescimento robusto da economia mundial, que chegará a 5,6% em 2021 e a 4,5% em 2022. Mas adverte ao mesmo tempo que essa recuperação perdeu impulso e se mostra “cada vez mais desigual”.
Para o Brasil, por exemplo, a entidade projeta que o crescimento do PIB chegue a 5% em 2021, mas que será atenuado para 1,4% em 2022 e 2,1% em 2023. O relatório destaca que o avanço da campanha de vacinação contra a covid-19 e a flexibilização das restrições impulsionaram a atividade econômica, que, porém, está sendo prejudicada pelas taxas de juros mais altas para conter a inflação e a incerteza política. “O menor poder aquisitivo e as taxas de juros mais altas interromperam a recuperação da confiança dos consumidores e das empresas, retardando a recuperação da demanda interna”, diz o documento, que aponta ainda a demora na retomada do mercado de trabalho. “O desemprego permanece acima dos níveis pré-pandêmicos”, adverte.
No cenário global, os riscos continuam sendo múltiplos —e isso que o relatório nem sequer menciona a nova variante ômicron do coronavírus, que faz o mundo tremer—, e a situação exige vigiar de perto tanto a evolução da pandemia como a inflação, mais persistente do que se estimava inicialmente, ou os problemas de suprimento que, apesar do crescimento econômico, impedem falar em uma volta ao status quo pré-pandêmico. Nesse ponto, o organismo multilateral adverte que “o fracasso na hora de garantir uma vacinação rápida e eficaz em todos os países está se mostrando custoso, e subsiste um elevado grau de incerteza ante a incessante aparição de novas variantes do vírus”.
Tudo isso, salienta o think tank com sede em Paris, demanda cuidado para evitar “potenciais tropeços políticos” na gestão da crise, além de habilidade para garantir um futuro economicamente mais resiliente e ecológico —questões em que os Governos nacionais devem centrar-se desde já, deixando de discursos para passar à ação, adverte o relatório.
“A recuperação é real, mas a tarefa para os políticos é árdua”, resume a economista-chefa da OCDE, Laurence Boone. “Eles precisam equilibrar prudência, paciência e persistência enquanto desenvolvem novos e melhores planos para transformar a economia de forma a se construir uma resiliência muito maior perante o risco de desequilíbrios crescentes”, argumenta ela num editorial intitulado, significativamente, Ato de equilibrismo, no qual apresenta as últimas perspectivas de crescimento do ano.
A OCDE se diz “cautelosamente otimista” e faz apenas uma mínima revisão para baixo de suas projeções gerais finais. Assim, fixa em 5,6% o crescimento mundial deste ano (0,1 ponto a menos que no seu relatório de setembro) e mantém em 4,5% o cálculo para 2022. A revisão é igualmente pequena para a zona do euro, que situa num crescimento de 5,2% este ano (também 0,1 ponto a menos do que se previa em setembro) e 4,3% em 2022.
Um pouco mais forte é a variação para baixo nas novas previsões para os Estados Unidos, para os quais se estima agora um crescimento de 5,6% neste ano (frente a 6% previstos em setembro), que se desacelerará para 3,7% em 2022. Do mesmo modo, a China crescerá neste ano robustos 8,1%, o que no entanto é 0,4 ponto a menos do que se previa há três meses. Para 2022, a expectativa é que o gigante asiático aumente seu PIB em 5,1%.
“Perdeu impulso e é cada vez mais desigual”
“A recuperação global continua avançando, mas perdeu impulso e é cada vez mais desigual”, observa a OCDE, alertando para o risco de que alguns países “fiquem para trás”. Há, além disso, um número crescente de fatores que ameaçam causar maior “incerteza” sobre a evolução do futuro: os gargalos nas cadeias de suprimento, o aumento dos gastos de produção e, naturalmente, “os continuados efeitos da pandemia”, com a ameaça —mais evidente agora que se lançou o alerta sobre a ômicron— de novas variantes do vírus.
Além disso, a inflação, que nos primeiros relatórios do ano era considerada algo passageiro e sem grandes consequências, começa a preocupar seriamente os economistas. A OCDE espera agora que o pico inflacionário seja atingido entre o final deste ano e o começo do próximo —3,5% e 4,2% respectivamente—, antes de estabilizar-se em torno de 3%, mas apenas em 2023. E não se descartam “surpresas” para cima, a persistirem as pressões sobre os suprimentos e manterem-se (ou subirem mais) os atuais custos elevados da energia, o que teria efeitos negativos, aponta o organismo, num momento em que muitos países estão ampliando sua dívida.
“Uma reavaliação dos preços [para cima] poderia expor as vulnerabilidades que persistem pelo alto endividamento (…) e a frágil recuperação em muitos mercados emergentes e economias de baixa renda”, adverte a OCDE a esse respeito. Por isso, uma das principais recomendações do organismo neste relatório é que se “comunique claramente sobre a tolerância em relação aos objetivos inflacionários para ajudar a evitar flutuações excessivas no mercado das taxas de juros de longo prazo”.
Alerta sobre a dívida
“Nas circunstâncias atuais, o melhor que os bancos centrais podem fazer é esperar que as tensões do abastecimento baixem e indicar que agirão se chegar a ser necessário”, declara Boone. Ao mesmo tempo, adverte, “se os problemas de abastecimento persistirem enquanto o PIB e o emprego continuarem crescendo fortemente e estimularem mais altas de preços, a pressão inflacionária poderia persistir por mais tempo, desestabilizando as expectativas da população”. Então, destaca a economista-chefe da OCDE, “isso exigiria um chamado à ação”.
Boone aproveita para chamar a atenção também sobre a dívida pública. A recuperação, argumenta, é uma “oportunidade para remodelar as finanças públicas”, mas deixar de aproveitá-la teria consequências graves e prolongadas. Observa que a OCDE teme mais “o uso que se faz da dívida do que seus níveis” e salienta que é hora de “focar novamente as ajudas fiscais em investimentos produtivos que impulsionem o crescimento, incluídos investimentos em educação e infraestrutura física”. No entanto, faltam planos “detalhados” de médio prazo para as finanças públicas, lamenta a economista-chefa, para quem um marco fiscal “claro, forte e responsável reforçaria a confiança em que o crescimento continuará e diminuiria os desequilíbrios e riscos”.
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