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Um mapa para o futuro da economia chinesa

Novo plano quinquenal, que regerá o desenvolvimento do país até 2025, aposta num crescimento sustentável e na blindagem contra o exterior

O presidente chinês, XI Jinping, na Assembleia Nacional Popular, em 8 de março.
O presidente chinês, XI Jinping, na Assembleia Nacional Popular, em 8 de março.ROMAN PILIPEY (EFE)

Durante aqueles anos em que o PIB chinês não tinha freios, circulava entre os acadêmicos de Pequim uma metáfora recorrente que equiparava a marcha da economia à de uma bicicleta. “Quanto mais rápido, mais estável”, dizia-se. Entretanto, à medida que o passeio avançava e os grandes números ficavam para trás, começaram a surgir dúvidas quanto a essa ideia: talvez a velocidade elevada não fosse tão primordial. A busca por um novo método para medir e perseguir o desenvolvimento acabou por se refletir no 14º Plano de Desenvolvimento Quinquenal, aprovado na semana passada pelo aparato legislativo do gigante asiático.

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O documento, herança do planejamento estatal soviético, evoluiu junto com o país, deixando de ser uma rígida pauta com cotas de produção para assumir um caráter de diretriz geral. Segundo a Xinhua, a agência de notícias oficial do país, ele “expõe as intenções estratégicas da China, especifica as prioridades governamentais e orienta e regula o comportamento das entidades do mercado”. Por isso tem um grande valor, pois sua exposição abrangente traça um mapa que conduz ao futuro num horizonte de cinco anos.

A redação do texto foi fiscalizada “pessoalmente”―assim diz a imprensa estatal―pelo líder Xi Jinping, que ao longo dos últimos três anos teria reunido propostas e comentários em reuniões com inúmeros agentes sociais. Seu conteúdo foi debatido na reunião anual da Assembleia Nacional Popular (ANP, o Parlamento chinês) e referendado com 2.873 votos a favor, 12 abstenções e 11 rejeições pontuais. As 148 páginas resultantes compreendem 20 indicadores estruturados em cinco áreas: desenvolvimento, inovação, bem-estar popular, sustentabilidade e segurança.

Um detalhe evidencia a delicada conjuntura histórica que o Governo enfrenta: diferentemente das 13 versões anteriores, este Plano Quinquenal não estabelece um objetivo de crescimento para o PIB. O anterior (em vigor de 2016 a 2020) previa uma expansão anual média de 6,5%, meta truncada pela pandemia, que limitou o crescimento a 2,3% em 2020. A cifra representa o pior resultado para a China em quase meio século, mas também faz dela a única grande economia a não ter sido arrastada para os números vermelhos devido à crise sanitária.

“A ausência de uma meta para o PIB é sintoma de um grande debate não resolvido entre quem defende uma cifra mais baixa que permita lutar com problemas estruturais como a dívida, uma posição difundida entre os acadêmicos, e aqueles que apostam em manter o rumo”, analisa Michael Pettis, professor de Finanças na Universidade de Pequim. O objetivo não é crescer mais apenas por crescer, nas palavras de Xi, e sim com “mais qualidade”.

A mais clara manifestação dessa guinada ocorreu quando, também durante a Assembleia, o primeiro-ministro Li Keqiang anunciou que o objetivo de crescimento para 2021 será de 6%. É uma marca modesta, levando-se em conta que as projeções do Fundo Monetário Internacional apontam para mais de 8%, mas é um meio-termo perante as vozes que pediam menos preocupação com o PIB e mais foco do Estado em outras métricas, como o desemprego. “Caminhar rápido não quer dizer necessariamente caminhar com firmeza”, afirmou Li durante sua entrevista coletiva posterior à intervenção no Parlamento.

Mas o fato de o Plano Quinquenal não mencionar metas não significa que elas não existam. Como explicou Hu Zucai, diretor-adjunto da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, embora ela se defina em termos “qualitativos”, contém também uma dimensão “quantitativa implícita”. O novo enigma da sinologia consiste agora em atribuir um número às palavras, as quais só opinam que a China deve alcançar um PIB per capita compatível com o de “países moderadamente desenvolvidos”. A definição do primeiro-ministro não forneceu mais pistas: “Um nível razoável”, limitou-se a dizer.

Diante dessa incógnita, a hemeroteca pode ajudar. “Xi anunciou sua ambição de dobrar o tamanho da economia em 15 anos, o que exige de um crescimento anual de 4,7%, o qual deve ser mais rápido no começo para compensar a desaceleração progressiva”, calcula Pettis. “Por mais que a economia global se recupere em 2021, não acredito que consigam”, acrescenta. A ênfase renovada na “qualidade” do crescimento está vinculada desse modo a uma inquietação com a dívida, um dos principais riscos sistêmicos, que no último ano disparou até alcançar o equivalente a 280% do PIB.

Nó intricado

“Este plano é muito menos específico que os anteriores”, afirma Alicia García-Herrero, economista-chefa para a Ásia do banco de investimentos Natixis. “Acho que isso ocorre porque a China se aproxima de um cenário cada vez mais complexo. Há muitas frentes abertas, e a incerteza é enorme.” O texto oficial transcende a economia e outras considerações domésticas: todos os âmbitos estão enlaçados, formando um intricado nó. De acordo com as disposições do documento, esta “nova etapa de desenvolvimento” coincide com um cenário global de crescente animosidade: em ambos os processos, a inovação desempenha um papel fundamental.

Prova disso é que a tecnologia conta, pela primeira vez, com um capítulo próprio. Em termos práticos, o impulso estatal à inovação, um conceito abstrato, se traduz em mais recursos. O Governo prevê que ao longo dos próximos cinco anos o investimento em pesquisa e desenvolvimento crescerá a um ritmo anual superior a 7%, uma cifra viável, já que no último quarto de século nunca caiu a menos de 8%. Em termos absolutos, China destina 2,4% de seu PIB a esse item, três pontos percentuais a menos que os Estados Unidos.

Os recursos irão para setores considerados “estratégicos”. O plano menciona sete: inteligência artificial, informação quântica, semicondutores, neurociência, engenharia genética, medicina clínica e a exploração do espaço, das profundezas oceânicas e dos polos. O tema central é a autossuficiência: um conceito transversal no planejamento, pois a China pretende reduzir suas vulnerabilidades e se blindar contra o exterior.

Estímulo ao consumo

Esta noção também está na base do novo modelo econômico conhecido como o sistema de “dupla circulação”, consistente em uma substituição de importações acompanhada do fortalecimento da demanda interna. Para isso, o Governo deve estimular o consumo, uma área ainda claudicante e pendente de consolidação por causa dos efeitos da crise sanitária. “Ainda há muita incerteza sobre a recuperação da economia global”, admitiu Li, “as pequenas e médias empresas continuam tratando de recuperar sua vitalidade”.

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Outro núcleo do crescimento “de qualidade” passa pela produtividade. O plano quinquenal dá ênfase a esta questão, apostando em manter sua progressão em níveis superiores do PIB. Trata-se de uma necessidade imperiosa, dada a carência de população ativa, o que reflete as tendências demográficas. As autoridades atualmente buscam incentivar a natalidade, que se encontra em seu nível mais baixo das últimas sete décadas. Isto aponta, também, para uma medida que parece cada vez mais próxima, embora o plano não a mencione: o adiamento da idade de aposentadoria. “O Governo a retardará o máximo que puder, porque é impopular, mas é inevitável”, explica García-Herrero.

Por todos os motivos citados, a melhora das condições sociais é prioritária. O texto oficial menciona 7 indicadores relacionados a elas, de um total de 20, o que é uma proporção sem precedentes. “O modelo social baseado nas grandes empresas estatais não é sustentável para uma classe média cada vez mais ampla, mas o país não poderá instaurar um Estado do bem-estar pleno”, acrescenta a economista. Talvez a metáfora tenha sido deixada de lado, mas a bicicleta continua andando.

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