20.000 contêineres e 25 tripulantes continuam retidos no Canal de Suez

Um mês depois do acidente que paralisou o comércio mundial, a disputa com o navio ‘Ever Given’ encalha

O 'Ever Given' é rebocado depois de reflutuar no canal de Suez, em 29 de março.DPA vía Europa Press (Europa Press)
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O Ever Given ocupou as manchetes de jornais de todo o mundo há um mês. Este gigante porta-contêineres foi liberado em 29 de março das margens do Canal de Suez, que havia bloqueado durante vários dias, obstruindo uma das principais artérias do comércio marítimo mundial. Vista em perspectiva, a operação de resgate do colosso acabou sendo relativamente tranquila. Mas isso não significa que os problemas tenham desaparecido.

O tráfego de navios no Canal de Suez voltou ao normal há semanas, com a única exceção do Ever Given. O meganavio permanece retido no Grande Lago Amargo, no meio do percurso, e com ele, sua carga, de cerca de 20.000 contêineres, e, o que é ainda mais problemático, os 25 tripulantes, cujo destino ainda não está claro.

O Ever Given, com sua carga e tripulação, permanece ancorado no meio da hidrovia, à espera de que a disputa cada vez mais acirrada sobre as indenizações seja resolvida. Enquanto isso, o setor de transporte marítimo superou melhor do que se previa os efeitos em cadeia causados pelo incidente.

As investigações sobre as causas do sinistro, que devem ajudar a determinar as responsabilidades, permanecem abertas, e as negociações entre as autoridades do canal e a empresa proprietária do navio, a japonesa Shoei Kisen, não chegaram a um consenso.

O tom amigável que as partes vinham mantendo em público acabou há um mês. No dia 7 de abril, os proprietários da embarcação receberam uma petição da autoridade do canal no valor de cerca de 755 milhões de euros (4,95 bilhões de reais), que a empresa que cobre as responsabilidades perante terceiros — a UK P&I Club — considerou “extraordinariamente grande” e que “em grande medida não se justifica”. Cinco dias depois, a UK Club afirmou ter feito uma contraoferta “generosa e cuidadosamente considerada”, que foi recusada. Além disso, um tribunal egípcio ordenou que o navio fosse retido no dia 13, a pedido das autoridades do canal, uma decisão que foi contestada com base na validade do arresto e na falta de provas do reclamante egípcio. “A empresa que opera o Ever Given deseja que a ordem de detenção seja retirada para que o navio e sua tripulação possam deixar o Egito e continuar sua viagem”, explica Dustin Eno, diretor de operações e gestão de crises da UK Club.

Não são os únicos que consideram exagerada a denúncia da Autoridade do Canal de Suez. A revista Lloyd’s List destacou que, nos bastidores, o montante é considerado “uma barbaridade” e estima que cerca de 186 milhões de euros (1,22 bilhão de reais) devam ser “suficientes com folga”. Também foi contestado que o lado egípcio exija milhões em conceitos imprecisos, como um bônus de salvamento e a perda de reputação. “Ironicamente [a Autoridade do Canal de Suez] está causando mais danos à sua reputação ao fazer uma reclamação escandalosa do que o sofrido por ter sido fechado por seis dias”, alerta James Baker, editor do segmento de contêineres da publicação especializada em comércio marítimo.

À medida que os dias passam e a situação empaca, cresce também a preocupação com os tripulantes e o temor de que a autoridade do canal os impeça de abandonar o navio, algo que o lado egípcio nega. Nesse sentido, a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte (ITF) chegou a afirmar em comunicado que o Egito “não pode tomar os marinheiros como reféns”.

“Atualmente os marinheiros estão cumprindo suas obrigações, conforme o esperado. Mas eles e suas famílias em terra estão sob estresse e ansiedade”, disse Abdulgani Serang, secretário-geral do Sindicato Nacional de Marinheiros da Índia, que representa os membros da tripulação. “Todos deveriam poder ser dispensados no final de seus contratos. Agradecemos a saída de dois deles e a resposta positiva das autoridades do canal”, acrescenta. “Estão previstas mais saídas e esperamos que também que eles voltem para casa”, acrescentou.

Enquanto a situação no canal travava, a tarefa de restabelecer a navegação pela via que alimenta o comércio mundial foi mais bem-sucedida do que o previsto. Uma vez resolvido o bloqueio, a primeira grande prova foi a pressão dos desembarques, que os portos tiveram que administrar, pois a fila de mais de 400 navios formados nas duas pontas da via teve de ser liberada às pressas. A isto se juntou outro pico, pouco depois, pela chegada dos navios que optaram por desviar-se ao redor da África junto com aqueles que já cruzavam o canal normalmente.

Tarifas crescentes

“Felizmente, a maioria dos navios tinha como destino a Europa ou Ásia, onde sempre há portos ou terminais alternativos. Um navio com destino a Hamburgo, por exemplo, sempre pode ir para Bremerhaven se Hamburgo estiver congestionado”, observa James Baker. “Apenas 25% dos navios chegam à Europa a tempo, então, um atraso de mais alguns dias não é importante”, observa.

O impacto do incidente se tornou mais evidente nas tarifas dos serviços de transporte marítimo, que aumentaram nas últimas semanas por causa da falta de capacidade do mercado. Em parte, o aumento foi causado pelo bloqueio do canal porque isso afetou o fluxo de contêineres vazios para a Ásia e, em consequência, a capacidade de transporte de mercadorias, que já estava limitada pela pandemia. “O impacto está sendo sentido não só no comércio que passa pelo Canal de Suez. Há um forte aumento do comércio, por exemplo, da China para os Estados Unidos”, afirma Lars Jensen, diretor-geral da empresa especializada em transportes marítimo de contêineres Vespucci Maritime, com base na Dinamarca. “O problema é que a escassez de contêineres vazios na Ásia repercute em todas as exportações que saem da Ásia”, acrescentou.


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