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EUA e UE se mobilizam para reduzir poder das empresas de tecnologia

Bruxelas cogita novas multas milionárias para castigar abusos no mercado de empresas como Google, Facebook e Amazon

Mark Zuckerberg, durante um depoimento por videoconferência numa audiência antimonopólio do Congresso dos EUA, em julho.
Mark Zuckerberg, durante um depoimento por videoconferência numa audiência antimonopólio do Congresso dos EUA, em julho.Graeme Jennings (AP)

Em uma ofensiva generalizada contra o Facebook, na qual é mais fácil identificar os Estados ausentes ― Alabama, Geórgia, Carolina do Sul e Dakota do Sul ―, a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês, um órgão regulador) e 46 Estados, mais o distrito de Columbia (onde fica Washington) e Guam (possessão norte-americana na Oceania), denunciaram nesta semana a empresa de Marck Zuckerberg por abusar de seu domínio no mercado e por devorar os peixes pequenos, tentando evitar qualquer esboço de concorrência. A aquisição de dois rivais emergentes, o Instagram (rede social de compartilhamento de fotos) e o WhatsApp (popular serviço de mensagens), revelou além disso uma prática abusiva que não se limitou a estas absorções, feitas em 2012 e 2014 por um bilhão e 19 bilhões de dólares, respectivamente.

Em novembro, um mês antes de ser anunciado o resultado da investigação federal e estadual, a empresa com sede em Palo Alto (Califórnia) anunciou a compra da Kustomer, uma start-up de serviços ao consumidor, avaliada pelo The Wall Street Journal em um bilhão de dólares (5 bilhões de reais, pelo câmbio atual). Em maio, assumiu o Giphy, um site onde o usuário pode criar e compartilhar imagens animadas (GIFs), numa operação que atraiu a atenção do órgão regulador da concorrência do Reino Unido. Em 2008, o Twitter recusou uma oferta de aquisição feita pelo Facebook, que também tentou comprar o Snapchat.

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Não é novidade que as grandes empresas tecnológicas estejam na mira das autoridades por práticas monopolísticas ou atuações mais turvas, como as frouxas políticas de proteção da privacidade dos usuários ou, inclusive, o tráfico de dados (o caso Cambridge Analytica, envolvendo o Facebook, é o episódio paradigmático). Nos EUA, esse crescente escrutínio pôs as Big Five (Amazon, Apple, Google, Facebook e Microsoft) na berlinda, razão pela qual nos últimos meses elas se mostram mais precavidas, por exemplo, na hora de restringir a publicidade política às vésperas das eleições presidenciais norte-americanas de 3 de novembro, ou de filtrar com mais empenho o enorme fluxo de desinformação que colonizou as redes sociais.

Depois da ação federal e estadual apresentada na quarta-feira, culminando uma investigação que se prolongou por 18 meses, o Facebook se torna a segunda grande empresa tecnológica a ser alvo de uma atuação judicial, depois da condenação do Google por parte do Departamento de Justiça, em outubro, por abusar de sua posição nos buscadores e da publicidade na Internet. O raro consenso político, em um país polarizado depois do mandato de Donald Trump, é outra das consequências notáveis desta ofensiva que, inclusive, pôs seus executivos contra as cordas no Capitólio, em audiências sobre seu viés político e a permeabilidade às notícias falsas nas redes que dirigem.

Conforme diz a peça de acusação divulgada na quarta-feira passada, o Facebook ― cujo valor de mercado é estimado em mais de 800 bilhões de dólares (quatro trilhões de reais) ― decidiu comprar o Instagram para aproveitar a mudança nas preferências dos usuários na hora de compartilhar fotos e a expansão dos smartphones, em vez de competir dentro de campo. Do mesmo modo, em 2014, a empresa decidiu adquirir o WhatsApp para levantar uma barreira dissuasiva, já que qualquer outro aplicativo teria dificuldades para alcançar a mesma dimensão que esse serviço de mensagens atingira. Além disso, o organismo regulador de Comércio dos EUA e os promotores acusam a rede social de Zuckerberg de práticas anticompetitivas ao limitar o acesso à sua interface de programação a desenvolvedores e empresas que se comprometessem a não criar funcionalidades capazes de competir com o gigante tecnológico. Embora a disputa jurídica se prenuncie árdua, e seja duvidoso que chegue a desfazer a compra do Instagram e WhatsApp, o precedente inquieta os epígonos do Vale do Silício.

A Europa se mexe

Do outro lado do Atlântico, Bruxelas lança nesta semana sua proposta para a Lei de Serviços Digitais, que deve substituir a antiga normativa de comércio eletrônico aprovada em 2000. A lei, a ser discutida e aprovada nesta terça, também estabelece a possibilidade de obrigar as empresas a se dividirem ou venderem subsidiárias, segundo fontes da UE. A Comissão (Poder Executivo do bloco) vê com receio o crescimento imparável dos gigantes, ainda mais com a pandemia, impedindo o surgimento de novos competidores na Europa.

Segundo as fontes consultadas, o rascunho em discussão contém um regime de punições, com graduações: multas milionárias de até 6% do faturamento; interrupção do serviço e, em última instância, o desmantelamento da empresa na UE se esta tiver incorrido em um abuso de posição muito grave, ou seja, se os usuários forem impedidos de sair ou usar outra plataforma.

Os grandes grupos estão atentos. A revista francesa Le Point publicou que gigantes como o Google estão decididos a exercer a máxima pressão sobre o comissário (ministro europeu) de Mercado Interior, Thierry Breton. Está em jogo o domínio de mercado exercido pelos chamados GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple), que têm necessidade cada vez maior de combinar dados para lançar novos serviços. Essa é a espiral que Bruxelas agora se propõe a romper.

UE mantém rédea curta sobre as empresas

A Comissão Europeia mantêm os gigantes tecnológicos sob rédea curta no poderoso departamento de Concorrência, dirigido pela vice-presidenta-executiva Margrethe Vestager. O Google domina o pódio, com as três maiores punições já impostas, que somam 8,24 bilhões de euros (41,7 bilhões de reais, pelo câmbio atual) em apenas dois anos. Bruxelas tem agora vários processos em andamentos. E um deles é contra o Facebook.

A UE decidiu no ano passado não esperar que a empresa de Mark Zuckerberg lançasse o seu projeto de criptomoeda e iniciou uma investigação preliminar. O alvo da Comissão não era propriamente a moeda digital, que acabou sendo vetada em um comunicado dos ministros de Finanças da UE, e sim a suspeita de que esse serviço poderia constituir um passo a mais por parte do Facebook para se valer dos dados dos clientes e impor “restrições à concorrência”.

Bruxelas está pedindo a esses grupos que adotem mais controles sobre os conteúdos ilegais. Zuckerberg foi à sede da UE em fevereiro para se reunir com vários comissários e discutir o assunto. Segundo fontes comunitárias, o fundador da empresa pediu mais flexibilidade, mas a Comissão recusou. “Não é suficiente. Está muito lento. E é muito baixo em termos de responsabilidade e regulação”, disse-lhe o comissário Thierry Breton.

A outra grande empresa sob a lupa é a Amazon. Uma investigação preliminar recém-encerrada por Bruxelas determinou que a empresa de varejo eletrônico infringiu as normas comunitárias antimonopólio ao usar “sistematicamente” em seu benefício os dados privados dos vendedores independentes que comercializam seus produtos através da plataforma. Além disso, a Comissão Europeia abriu outra investigação por supostas práticas comerciais vinculadas ao seu programa premium que poderiam constituir um abuso de sua posição dominante no mercado.

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