O adeus a Nelson Freire, gênio brasileiro no piano
Pianista gravou seu primeiro disco aos 12 anos de idade. Causa da morte não foi revelada. Ele estava há dois anos sem se apresentar após um acidente em que fraturou um braço
Um dos maiores pianistas do mundo, o brasileiro Nelson Freire morreu nesta segunda-feira, dia 1º, aos 77 anos em sua casa, no Rio de Janeiro. A causa da morte não foi revelada. Ele estava sem se apresentar desde 2019, quando sofreu um acidente durante uma caminhada e quebrou um dos ossos do braço direito.
Nascido em 1944 na cidade de Boa Esperança (MG), Freire iniciou sua trajetória artística aos 3 anos de idade, quando tocou de memória peças que tinham sido executadas por sua irmã mais velha. Quando tinha cinco anos, sua família se mudou para o Rio para investir em sua carreira. Naquela idade participou de seu primeiro recital. Aos 19 anos, logo após uma apresentação em Nova York, foi classificado pela revista Time como “um dos maiores pianistas desta ou de qualquer outra geração”.
Humilde e extremamente dedicado, Freire era chamado por seus pares de “Reverendo Nelson”. Era um perfeccionista. “Não ouço nem durante, nem depois meus discos. Já tem uns cinco anos isso, foi acontecendo aos poucos. Porque se ouço, fico querendo mudar”, disse o pianista ao jornal O Globo, em 2001.
O pianista se apresentou em mais de 70 países e possuía uma extensa e multipremiada discografia. O último deles chamado Encores, que foi lançado em outubro de 2019 pela Decca. Seu primeiro LP, dedicado a Chopin, foi gravado quando tinha 12 anos, o que demonstrou sua precocidade artística ímpar. Entre as orquestras com as quais se apresentou estão a Filarmônica de Berlim, a Orquestra Sinfônica de Londres e a Orquestra Filarmônica de São Petersburgo.
Em 2012, Freire venceu o Grammy Latino com o álbum Brasileiro, em que tocava obras de compositores como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandez, Henrique Oswald, Alexandre Levy, Barrozo Netto, Claudio Santoro e Francisco Mignone.
De acordo com o Instituto Piano Brasileiro, Nelson Freire é o único artista do país incluído no projeto Great Pianists of the XXth Century (Grandes pianistas do século XX, em tradução livre), uma coleção de 200 CDs lançados pela Phillips. Sua trajetória artística foi registrada pelo cineasta e documentarista João Moreira Salles, em 2003, no documentário Nelson Freire.
O jornalista Mauro Ferreira, que há 34 anos escreve sobre música, lembrou um pouco no portal G1 sobre a técnica e sensibilidade extraordinárias de Freire. “Quem ouviu e viu Nelson Freire tocando peças de compositores como Bach, Beethoven, Brahms, Chopin, Liszt, Mozart e Schumann provavelmente ficou convencido de que o talento soberano de Nelson Freire era coisa de Deus”.
Por quase toda a sua carreira, Freire fez parcerias com grandes pianistas, sendo uma das mais famosas a argentina Martha Argerich, de quem era muito amigo. Freire deixa o companheiro, o médico Miguel Rosário, e um irmão.
Admiradores, amigos e colegas do pianista lamentaram a sua morte. “Ele encarnava valores de um humanismo essencial a todo projeto de civilização decente —a transmissão da beleza, o imperativo moral do trabalho bem feito, a recusa a toda vulgaridade e espalhafato”, disse o cineasta João Moreira Salles em depoimento ao jornal O Estado de S.Paulo. “Perdemos nosso grande pianista, um artista generoso e genial”, disse ao jornal O Globo o diretor da Sala Cecília Meireles, João Guilherme Ripper.
A morte de Freire é a extinção de uma incomum extravagância no teclado, misturada com uma rara sensibilidade e expressividade. Um monstro sagrado do piano nos deixa, sintetizou a rede de rádio France Musique.
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