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Morre Larry Flynt, o rei da pornografia dos EUA

O dono da revista ‘Hustler’ foi um aliado da liberdade de expressão consagrada pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana

María Antonia Sánchez-Vallejo
Larry Flynt, en Beverly Hills, en 1998.
Larry Flynt, en Beverly Hills, en 1998.David Butow (Getty)
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“Morre o pornógrafo e campeão à sua maneira da Primeira Emenda”, manchetou nesta quarta-feira o The Washington Post a notícia da morte de Larry Flynt, o último rei do pornô dos EUA e paladino da liberdade de expressão quase até o ponto de tentar desmascarar políticos hipócritas. A notícia era a mais lida da edição digital do jornal poucos minutos depois de publicada, o que demonstra a atração exercida por um personagem tão provocador quanto multifacetado.

Flynt, que morreu de causas não divulgadas aos 78 anos em sua casa em Los Angeles, construiu um conjunto de empresas em torno de uma revista chamada Hustler, grotesca e obscena, como convém a um veículo de comunicação que carregava nas tintas do explícito, em contraste com o estilo mais sofisticado de seu adversário Hugh Hefner, criador da Playboy, embora ambos sempre tenham compartilhado a defesa da revolução sexual e das liberdades pessoais. Sua atividade como editor lhe rendeu ações judiciais, acusações, prisões por desacato e até mesmo ser amordaçado por um ou outro excesso em um tribunal. Desde 1978 ele estava em uma cadeira de rodas customizada, banhada a ouro e revestida de veludo, depois que Joseph Paul Franklin, um serial killer com 20 mortos nas costas, atirou nele à queima-roupa, mas sem chegar realmente a liquidá-lo. O carrasco morreu antes de sua vítima.

Sempre à beira da polêmica, quando não metido nela estrepitosamente, o magnata do pornô fica sem saber o resultado do segundo impeachment contra Donald Trump, um de seus alvos favoritos. No outono de 2017, Flynt ofereceu 10 milhões de dólares por informações para destituir o republicano. Uma década antes, havia prometido uma recompensa mais discreta para quem tivesse dormido com um político dos EUA e estivesse disposto a contar: um milhão de dólares para tirar do armário, arrastados, os hipócritas. Sempre no fio da navalha entre a defesa da liberdade de expressão e a ofensa, Flynt não deixou pedra sobre pedra, expondo até mesmo um congressista republicano ferozmente antiaborto, Bob Barr, que havia participado como acusação no impeachment contra o democrata Bill Clinton, e sobre o qual revelou na época que pagou um aborto para sua segunda esposa.

Em torno da Hustler, Flynt construiu um conjunto de empresas avaliado em 100 milhões de dólares ao qual acrescentou outras publicações mais convencionais, clubes privês, um cassino em um subúrbio de Los Angeles do qual era especialmente orgulhoso, uma loja virtual de brinquedos eróticos e outros negócios menores. Uma realização empresarial considerável para um homem comum, desertor da miséria do Kentucky, que, graças à inteligência de um cavador, ao instinto de rua para os negócios e à força quando esgotava todos os outros recursos, transformou uma rede de bares decadentes em Ohio no império que o levou à fama.

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O Povo contra Larry Flynt, estrelado por Woody Harrelson e dirigido pelo tcheco Milos Forman, exaltou ainda mais o magnata do pornô, com grande sucesso de bilheteria e subsequente escândalo, não apenas pela viscosa matéria do roteiro –a provocação como sinônimo de liberdade de expressão–, mas também pela censura ao cartaz do filme nos Estados Unidos: Woody Harrelson, seminu e crucificado, vestindo sunga com as listras e estrelas da bandeira norte-americana. Esse mesmo cartaz provocou a ira de associações fundamentalistas católicas na França. A consideração de Flynt pela mulher também foi objeto de polêmica, no filme e na vida real.

O martírio autoinduzido de Flynt, em seus numerosos desentendimentos com a Justiça, fez dele um personagem da cultura popular. Porque a autenticidade era outra de suas marcas registradas: nunca pretendeu transcender, como fizeram revistas rivais como Playboy e Penthouse, mais artísticas, se é que a pornografia pode ser considerada como tal. A Hustler, que chegou a vender mais de dois milhões de exemplares no final dos anos setenta, oferecia uma realidade sexual explícita; nudez frontal para operários. “Percebi que, para ter uma grande parte do mercado, o que os homens queriam era sexo cru”, disse uma vez em uma entrevista. E acertou, em uma época que o espartilho do politicamente correto ainda não estava totalmente ajustado. As imagens de supostos estupros em grupo, mulheres amarradas, escravizadas, bestializadas ou mutiladas –uma capa muito famosa mostrava um corpo feminino sendo introduzido em um moedor de carne– ficam na história dos horrores ou do espanto, de um país em confronto com suas fantasias e seus demônios.

Como todo personagem bem delineado, a carreira de Flynt não parou na pornografia, nem mesmo na defesa da liberdade de expressão. Também foi detrator da pena de morte, defensor do casamento gay, martelo de hereges de todos aqueles que apoiaram a invasão do Iraque em 2003, começando pelos políticos, e patrono de associações contra o abuso infantil e a violência juvenil, além de financiar pesquisas sobre a medula espinhal.

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