“O humor nos dá ferramentas para perceber o que é real e o que é pós-verdade”

Na era das fake news, Globo estreia nesta terça seu novo humorístico, ‘Fora de Hora’, na esteira do sucesso de ‘Isso a Globo não mostra’, do ‘Fantástico’

Elenco do humorístico 'Fora de Hora', da Rede Globo.
São Paulo -

Uma bancada, dois entrevistadores, um time de repórteres que faz links ao vivo, reportagens e gravações em estúdio. Até aí vão as coincidências do telejornalismo com o Fora de Hora, novo humorístico da Globo que irá ao ar às terças-feiras, com 13 episódios, a partir desta terça. Substituto do programa Tá no Ar, Fora de Hora faz uma sátira do jornalismo, formato já explorado e consagrado por programas como Saturday Night Live ou TV Pirata, mas até agora inédito na rede —com exceção de algumas esquetes do Casseta e Planeta—.

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Arquitetato por Daniela Ocampo, Marcelo Adnet e Marcius Melhem e com roteiro assinado por nomes como Caito Mainier (do Choque de Cultura) e Mauricio Rizzo, o programa se inspira não apenas nos clichês do jornalismo enquanto ofício, mas também nos estereótipos da profissão. Para o repórter Pedro Resedá (Caito Mainier), por exemplo, quanto mais violência em uma matéria, melhor. Com ares de Geraldo Luís, pitadas de Datena e Rodrigo Faro, ele quer saber do Ibope enquanto chora ao vivo. Tem o jornalista que vai às últimas consequências em suas reportagens e aquela que sempre tenta levar vantagem em matérias de defesa do consumidor.

Dirigido por Lilian Amarante —que também assina a direção do Lady Night, com Tatá Werneck, junto com Calvito Leal e Manuh Fontes, Fora de Hora terá um modelo de produção que simula ser um programa ao vivo ao longo dos seus 26 minutos de duração. A dinâmica é, até certo ponto, semelhante à rotina de uma redação jornalística. “Gravamos coisas relacionadas a assuntos mais frios, como comportamento, que não precisam ter a atualidade da semana, e depois fazemos tudo relacionado aos assuntos mais quentes para completar e montar o programa”, conta Amarante ao EL PAÍS.

A diretora, que é jornalista de formação e foi repórter de TV antes de se aventurar pela comédia e pela profissão atrás das câmeras, diz que gosta da adrenalina de construir cada episódio à medida em que as notícias do mundo real se desenrolam. “Na dramaturgia, muitas vezes, você grava tudo de vez e só edita. Quando vai ao ar, não dá pra mexer em mais nada. Eu sou mais de outra escola. O programa, quando estreia, ele só nasceu, mas você vai fazendo semana a semana, lapidando o programa no ar mesmo. A audiência gosta disso, porque gera uma espécie de cumplicidade com o público”, diz ela, que vê proximidade de expressão entre a comédia e o ofício das notícias. “Assim como o jornalismo, o humor faz uma leitura crítica da realidade e é inclusivo, no sentido de levar informação para as pessoas com outra embalagem e aproximar a conversa com os espectadores”.

E, na era das fake news, em que mentiras se espalham e suplantam verdades em grupos de WhatsApp e nas redes sociais, não é arriscado fazer piada com jornalismo? Amarante diz que não. “Quando a gente brinca e mistura jornalismo e humor, esse último nos dá algumas ferramentas para perceber mais claramente o que é real e o que é pós-verdade, ajuda a delimitar essa fronteira”, argumenta.

O ator Paulo Vieira, que interpreta um dos âncoras do Fora de Hora, concorda. “Brincar com o que é notícia, o que é show e sensacionalismo serve precisamente para corroborar o valor do jornalismo, ao colocar o absurdo no lugar dele, que é no humor”, afirma.

Assim como o quadro humorístico do Fantástico, Isso a Globo não Mostra, que é bastante incisivo ao criticar o Governo de Jair Bolsonaro —sob a manta da liberdade de expressão e com muita ironia—, o novo programa da emissora satirizará, por exemplo, as lives que o presidente faz nas redes sociais a cada quinta-feira. Trata-se de uma aposta em um humor mais politizado? “Acho que a aposta da Globo não foi pelo humor político, mas sim pela liberdade artística, o que é muito bom”, responde Vieira, que também faz parte do elenco do Zorra Total.

“E o Governo sempre é o alvo”, acrescenta o ator. “O Casseta e Planeta consagrou o Lula como bêbado no imaginário popular, por exemplo. Ninguém é mocinho nem vilão. Somos cronistas do dia a dia. O poder sempre está em foco, seja o poder político, religioso ou econômico”.

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