A genética da menopausa, explicada
Por meio da identificação de 290 mutações, já é possível saber quando os óvulos de uma mulher vão se esgotar —e como é possível atrasar esse envelhecimento biológico
Entre os mamíferos, mulheres e fêmeas nascem com um número determinado de óvulos, com o esgotamento dessa reserva indicando o fim de sua idade reprodutiva. Mas já é possível ir além dessa definição: agora, um proeminente grupo de cientistas identificou 290 zonas do genoma humano que influenciam a chegada da menopausa. A descoberta permitiu aumentar o tempo de fertilidade em ratos por meio da modificação desses mesmos genes. No futuro, essa informação pode permitir à ciência saber quando ocorrerá a chamada senescência reprodutiva —e, no limite, até atrasá-la.
No último século e meio, a expectativa de vida nos países mais desenvolvidos aumentou: passou dos 45 anos para a faixa etária de 85. No entanto, o fim da idade reprodutiva das mulheres se mantém inalterável: algo entre 47 e 52 anos. Dessa forma, identificar quais são os fatores genéticos que impactam no momento da menopausa pode não só dar maior liberdade às mulheres —no que diz respeito ao planejamento reprodutivo— como, também, ajudar pessoas cujo esgotamento das reservas de óvulos ocorre antes do que é comumente previsto.
Em um enorme esforço, 300 cientistas de todo o mundo estudaram o genoma de mais de meio milhão de mulheres, utilizando uma variada base de dados. Eles procuravam variações no DNA que estivessem relacionadas ao surgimento precoce e tardio da menopausa. O trabalho, publicado na quarta-feira pela revista Nature, encontrou pelo menos 290 variantes em mulheres cujo final da vida reprodutiva se afastava da média. O número revelado significa multiplicar por cinco as modificações genéticas conhecidas e que, sabidamente, afetavam a fertilidade natural.
Responsável pela equipe da Faculdade de Biotecnologia e Biomedicina da Universidade Autônoma de Barcelona e coautor da pesquisa, o professor Ignasi Roig diz que mudanças em determinados genes aparecem associadas a “uma menopausa tardia, de até três anos e meio”. O especialista também lembra que “há outras mutações que implicam em um adiantamento [da menopausa]”.
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Clique aquiAlém do aumento de variações genéticas conhecidas (e que afetam a menopausa), o trabalho destacou a conexão entre a senescência ovárica e os mecanismos que regulam a reparação do DNA das células e a própria morte celular, ou apoptose, que é o que acontece quando as células se ‘suicidam’ diante de algo errado. Roig explica: “a grande maioria dos genes que identificamos entre os 290 está envolvida na reparação do DNA danificado”. Em outros tecidos e partes do corpo humano, o que fazem é corrigir erros e falhas genéticas provocadas por fatores internos e ambientais. “Nós encontramos genes de reparação do DNA relacionados ao surgimento da menopausa que funcionam de várias maneiras diferentes: da etapa de replicação do DNA, quando é gerada a reserva de óvulos no feto, à reparação de quebras no DNA feitas para introduzir variabilidade genéticas nos óvulos durante um processo chamado meiose, também em etapas fetais”, diz Roig. Mas, além disso, há uma concentração de variações em cinquenta genes que intervêm na morte celular. “Quando uma célula sofre um dano em seu DNA, a máquina de reparação do DNA ativa mecanismos de bloqueio da progressão do ciclo celular, permitindo à célula tempo para reparar o dano. Se isso não acontece, são ativados mecanismos de apoptose para eliminar a célula danificada e evitar problemas ao organismo. Do mesmo modo, esses processos também ocorrem nos óvulos”, afirma Roig.
Toda essa nova informação permitiu aos cientistas mudar a duração da vida reprodutiva de ratos modificados para carregar alguma dessas mutações e, dessa forma, bloquear e ativar determinados genes. É o caso dos genes CHEK1 e CHEK2, que regulam diversos processos de reparação do DNA. Ao eliminar o funcionamento de um deles —no caso, o CHEK2— para potencializar o outro, CHEK1, que tem sua atividade aumentada, os cientistas observaram um aumento de 25% da duração da vida reprodutiva nos ratos, com um maior número de óvulos nos roedores mutantes.
No médio prazo, essas descobertas podem ajudar a prever quais mulheres têm mais risco de chegar à menopausa em idade precoce. Coautora do estudo, a doutora Katherine Ruth, da Universidade de Exeter, comenta em nota: “Esperamos que nosso trabalho ajude a proporcionar novas possibilidades para ajudar mulheres a planejar o futuro. Ao encontrar muitas outras causas genéticas da variabilidade no surgimento da menopausa, demonstramos que podemos começar a prever quais mulheres podem ter uma menopausa precoce e, portanto, antecipar a gravidez de forma natural. E como nós nascemos com essas variações genéticas, esse conselho pode ser dado a mulheres jovens”.
No entanto, Krina Zondervan, do departamento da mulher e da saúde reprodutiva da Universidade de Oxford, lembra que o campo genético é só um dos determinantes quando o assunto é a menopausa. Em um comentário, também na revista Nature, diz que são “muitos fatores que determinam a duração da vida reprodutiva e a maioria, incluindo as influências nutricionais, ainda estão por ser descobertos”.
Uma última contribuição do novo trabalho tem relação com a conexão entre a menopausa e o estado de saúde geral —terreno da ciência que também avança. Os pesquisadores perceberam, por exemplo, que uma menopausa precoce aumenta o risco de diabetes tipo 2 e está relacionada a uma pior saúde óssea e a um risco maior de fraturas. Ao mesmo tempo, um atraso da menopausa diminui o risco de alguns tipos de câncer, como o de ovário e o de mama.
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