Testes com vacina de Oxford contra a covid-19 são interrompidos para investigar doença inexplicada
Laboratório AstraZeneca informa que um dos voluntários apresentou uma enfermidade não esperada e que suspensão é rotineira nesses casos. Imunização é aposta da América Latina contra a pandemia
O caminho para uma vacina contra o novo coronavírus não será um passeio. O laboratório farmacêutico britânico AstraZeneca interrompeu os ensaios clínicos de seu protótipo, um dos mais avançados no mundo, depois de detectar “uma doença potencialmente sem explicação” em um dos voluntários que receberam a injeção, disse um porta-voz da empresa ao site de informação médica Stat News. A vacina experimental, desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca, é a principal aposta da América Latina contra a covid-19. México e Argentina fecharam um acordo para produzir a vacina em larga escala. O Governo Bolsonaro também assinou contrato para garantir a distribuição dela no Brasil.
O porta-voz do laboratório afirma que a suspensão é “uma decisão rotineira que precisa ser tomada sempre que houver uma doença potencialmente sem explicação em um dos ensaios, enquanto é investigada”. AstraZeneca e Oxford realizam as provas finais da sua vacina experimental no Reino Unido, Brasil e África do Sul e já haviam começado a recrutar voluntários nos EUA, com uma estimativa de 50.000 participantes no mundo. A pessoa afetada recebeu uma dose no ensaio britânico e tem mielite transversa, conforme detalhou o The New York Times. Este transtorno neurológico, associado a uma inflamação da medula espinhal, é bastante incomum —são detectados apenas 300 casos por ano no Reino Unido—, mas na literatura científica já foram descritos dezenas de ocorrências da doença vinculadas a vacinas, como a da hepatite B e a tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola). O transtorno também está associado a infecções virais e a outras causas, então não está claro que o novo caso realmente está relacionado à vacina da AstraZeneca.
A vacina experimental de Oxford foi elaborada com uma versão debilitada de um adenovírus do resfriado comum dos chimpanzés. O vírus foi modificado com informação genética do novo coronavírus para treinar o sistema imunológico da pessoa vacinada, sem risco de desenvolver a covid-19. O cientista Vicente Larraga, do Centro de Pesquisas Biológicas Margaritas Salas, de Madri, ligado ao CSIC (agência espanhola de pesquisa científica), afirma que é “relativamente normal” o surgimento de transtornos como a mielite transversa “em geral com vacinas que usam vírus modificados como veículo”. Larraga, pai de uma vacina contra a leishmaniose canina e de uma candidata contra a covid-19, recorda como é difícil o caminho que as vacinas experimentais precisam percorrer: “Das moléculas que começam uma fase pré-clínica [teste em células e em animais] só chega à fase IV [a autorização] 1 em cada 10.000”.
Os ensaios em humanos da vacina de Oxford começaram em abril e é a segunda vez que são interrompidos, segundo a BBC. “Em ensaios grandes, as doenças podem aparecer por acaso, mas estes casos devem ser revisados de maneira independente para serem minuciosamente verificados”, afirmou um porta-voz da universidade à rede britânica. A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos Sanitários do Reino Unido decidirá se os testes serão retomados após analisar a informação, algo que poderia demorar apenas alguns dias, segundo a BBC.
A vacina experimental de Oxford ofereceu resultados animadores num primeiro ensaio com mais de 1.000 voluntários saudáveis no Reino Unido. Ela gerou uma forte reação imunológica sem provocar efeitos adversos graves, segundo os dados publicados em julho na revista médica The Lancet. Sarah Gilbert, líder da pesquisa em Oxford, afirmou em abril que sua equipe tinha conseguido em três meses o que habitualmente leva cinco anos, graças a seu trabalho prévio com outro coronavírus, o da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês). Os três filhos de Gilbert, trigêmeos de 21 anos que estudam bioquímica, receberam uma dose da vacina experimental, contou sua mãe em uma entrevista à revista Bloomberg Businessweek.
Há no mundo pelo menos 179 vacinas experimentais contra a covid-19, e 34 delas já se estão sendo testadas em humanos, segundo o registro da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nove delas estão na reta final, com ensaios em dezenas de milhares de voluntários saudáveis. “Quando há um grande número de pessoas nos ensaios, podem coincidir fatos e, quando são inesperados, é preciso investigá-los para ver se são só uma coincidência ou o resultado da vacina”, disse Stephen Evans, especialista em segurança de medicamentos da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, ao site especializado Science Media Centre. Evans recorda que em setembro de 2009 uma garota de 14 anos morreu na cidade inglesa de Coventry após receber a vacina contra o papilomavírus humano (HPV). A vacinação foi parcialmente interrompida até que a autópsia revelou que a causa da morte era um tumor maligno estendido por seu coração e seus pulmões, uma doença que não tinha nada a ver com a injeção.
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