Você não vai ficar com o corpo malhado como o Chay Suede por mais que sue na academia
Genética impõe limites à anatomia e sabota suas aspirações assim que você descuida, e nem o bisturi é capaz de mudar a realidade. Mas tudo bem
Querer nem sempre é poder. Não se deixe enganar por essa história de que não existem limites. Ô, se existem. E não é questão de dinheiro, que também impõe suas restrições, e sim de que a mãe-natureza lhe deu uma anatomia que pode ser cinzelada à base de dieta e exercício, mas só até certo ponto. Nem tudo é possível. Nem a última tecnologia médica nem o melhor cirurgião nem o plano de treinamento do especialista mais hábil garantem o corpo fitness que todo mundo parece desejar ultimamente. Você pode entrar em forma, transformar todo o seu esforço em boa saúde, mas o mais provável é que possa esquecer a ideia de alcançar o cânone de beleza que se impõe nas academias. Também não significa que você está suando à toa.
Se este artigo tivesse sido escrito na década de oitenta, o ideal masculino seria Rambo. Ou Arnold Schwarzenegger. “Hoje poderia ser [o ator] Chay Suede: músculos definidos, mas sem a hipertrofia daquela década. Parece mais fácil, mas exige muita perseverança e um equilíbrio entre o trabalho de força na academia e a alta intensidade cardiovascular. Também agradam muito os corpos com maior massa muscular, como o dos praticantes de crossfit. São fortes e muito marcados, mas a muita distância de um corpo trabalhado no volume de qualquer competição fisiculturista”, diz Antonio López, treinador e diretor da rede espanhola de academias Saludando.
Entre as mulheres, saíram do cânone as anatomias esqueléticas, substituídas por uma magreza fibrosa indubitavelmente mais saudável. “Na academia, buscam-se corpos como os da atriz Grazi Massafera, o das bailarinas ou o de professoras de ioga. Implicam um treinamento de força específico, mas sem excesso. O justo para definir. Com elas, ganham mais peso anatomias de musculatura mais corpulenta, como as praticantes de crossfit”. Aqui há um trabalho de força mais intenso e podemos ver quadríceps e bíceps potentes, glúteos muito desenvolvidos e tanquinhos muito definidos. Servem de exemplo Dani Elle Speegle, a chamativa campeã do The Titan Games da NBC e musa das redes sociais pela força de suas pernas. “A magreza saudável, mas muito pronunciada, é algo que vemos em corredoras de longa distância. Passam muitas horas fazendo atividade cardiovascular em intensidade média e acabam queimando muita gordura, sem gerar um grande volume muscular”.
Diga-me que corpo tens, e te direi como treiná-lo
Os modelos que se encaixam no padrão contemporâneo de físico ideal abundam, com nomes e sobrenomes. Sim. Mas as pessoas que não conseguem se ajustar a eles são imensamente mais numerosas. As limitações que distanciam o comum dos mortais do ideal estético estão por toda parte. A estatura é um exemplo claro de como é difícil cumpri-lo. Parece absurdo, mas não é nenhuma tolice: as proporções corporais não são iguais em uma pessoa de 1,55 metro que em outra de 1,90, e por isso não é qualquer um que pode encarar uma sessão de fotos para ser garoto-propaganda de academia. E o que acontece com os bíceps, tríceps e abdominais? Porque para aumentar a massa muscular, assim como para manter os pneuzinhos sob controle, é necessário um esforço que não é igual para todos: a genética tem muito para dizer.
Você quer uns peitorais como os de Conan e as coxas de Hércules? Pois puxe pela memória e busque alguém da sua família que recorde esses heróis, mesmo que apenas vagamente. Porque os genes condicionam o tamanho da circunferência de seus músculos, daí essa piada recorrente no mundo fitness: se quiser ser campeão olímpico, escolha bem os seus pais. Parece que eles também determinam os níveis de miostatina, uma proteína reguladora do crescimento muscular e ósseo que limita sua expansão. Inclusive poderia estar relacionada com o aumento do tecido adiposo, embora quase todas as pesquisas que apontam nessa direção até agora se baseiam apenas em modelos animais. Contudo, os cientistas dedicam bastante interesse a esta proteína, como demonstra uma revisão da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria (Espanha), publicada na revista Archivos de Medicina del Deporte, que abre um filão entre promissor e inquietante: a pesquisa com bloqueadores de miostatina, que poderia conduzir a um possível alvo terapêutico para a recuperação de lesões, mas também “pode constituir uma nova forma de doping no futuro”, segundo o artigo.
Não é preciso, no entanto, recorrer a complexos processos moleculares para explicar que você não deveria confiar em ninguém que lhe garanta um corpo perfeito em troca de treinamento e dieta (se é que esta perfeição existe além de aspirações vaidosas). Basta saber que há três tipologias corporais: ectomorfos, mesomorfos e endomorfos. E que saímos “de fábrica” com eles – estão no DNA e determinam, entre outras coisas, a proporção de fibras musculares do corpo, que são de dois tipos: as vermelhas, ou de contração lenta, que permitem ter muita resistência, e as brancas, ou de contração rápida, que deixam o indivíduo com aspecto fortão. Conhecer como funcionam é crucial para ganhar força muscular. Os genes também condicionam a facilidade para ganhar ou perder gordura corporal e a longitude das extremidades, um parâmetro básico para chegar à NBA ou cumprir o sonho de ser ginete olímpico.
O corpo ideal para a maioria costuma ser o mesomorfo. É o dessas pessoas com facilidade para ganhar massa muscular e que não acumulam gordura facilmente, essas que são recompensadas por seus esforços à mesa e na academia. Como têm mais proporção de fibra muscular, respondem muito bem a uma dieta de perda de peso (porque seu metabolismo basal é “mais acelerado”). Por essa mesma razão, ao treinar precisam fazer menos repetições na academia (se outros precisam de 8 a 12, para os mesomorfos bastam entre 6 e 8).
Frente a eles, um corpo ectomorfo apresenta ossos finos, leves e, em geral, longos. É raro vê-los com pneus, porque não armazenam gordura com facilidade, mas tampouco é fácil para eles ganhar massa muscular. Sugeriu-se que poderia se dever a um predomínio de fibras musculares vermelhas ou de contração lenta, menos propensos ao aumento de tamanho, mas ouro puro para quem deseja se dedicar aos esportes de resistência. “Têm maior dificuldade para a criação de massa muscular. Isto faz que tenham poucas possibilidades de ganhar um campeonato de fisiculturismo, porque sempre haverá outras pessoas que, com seu mesmo esforço e dedicação, terão maiores volumes e proporcionalidade, que é o que se valoriza neste tipo de disciplina. Por outro lado, ficam definidos muito rapidamente (no jargão da malhação, significa que parecem fibrosos com poucas sessões de treinamento), já que suas percentagens de gordura costumam ser baixas”, explica López. Por simplificar, têm mais vocação para maratonista ou modelo de passarela.
Finalmente, os endomorfos têm ossos grossos e aspecto arredondado. Custa-lhes ganhar músculo, mas acumulam gordura assim que descuidam da dieta – especialmente na zona abdominal. “Muita gente é mesomorfa, mas se autodiagnostica como endomorfa erroneamente porque se sente fofa devido ao sedentarismo e a uma dieta ruim”. No caso deles, para melhorar sua anatomia é preciso combinar o trabalho de força limpo e despojado, para ganhar músculo, com o de alta intensidade (um excelente meio de queimar calorias) e inclusive com um pouco de atividade cardiovascular suave nos dias de descanso (por exemplo, sair para passear). Vale tudo para queimar calorias e melhorar o índice muscular.
Em todo caso, “com treinamento dirigido para obter as adaptações que nos levam ao nosso corpo ideal – seja magro ou hipertrofiado – e uma dieta compatível com esses objetivos, podemos modificar bastante o nosso corpo”, sentencia López. Outra coisa bem diferente é o esforço: algumas pessoas parecem ter nascido para ficarem fortes como touros, e outros sofrem horrores para ganhar um grama de músculo.
Um tanquinho sobre a pança, terrível pesadelo
Pode ser que em nível coletivo seja difícil nos desfazermos delas, mas, no universo individual, as idealizações dos corpos acabam caindo por seu próprio peso: obviamente, cada um tem a forma que tem. Mas sempre há a tentação inconformista de recorrer à cirurgia estética. Pois bem, o bisturi tira e põe, mas não faz milagres. De fato, os grandes profissionais do setor advertem para as consequências nefastas de violar os cânones clássicos das proporções corporais. Ou de tomar atalhos.
“A lipoaspiração bem feita, com ou sem eliminação da pele restante, nos ajuda a moldar o corpo com bastante grau de satisfação. Mas para isto o cirurgião deve atuar como um escultor, levando em conta as proporções ideais, que não mudaram desde os tempos dos gregos clássicos. Alterá-las por moda, sem levar em conta as características étnicas ou a estatura, é algo que alguns cirurgiões nos negamos e dá lugar a corpos grotescos e pouco proporcionados”, aponta o cirurgião plástico Miguel Chamosa. Acontece, por exemplo, quando a uma anatomia eslava, pouco curvilínea, recebe um traseiro latino como prótese. Ou umas bochechas desmedidas. Poder, pode. Mas fica longe do ideal.
Menção à parte merece o fato de que o peito não cresce com o esporte. “De fato, treinando muito se elimina gordura de todo o corpo por igual. Inclusive dos seios”, avisa o treinador José Cano a todas as suas alunas. O único remédio para um busto escasso passa pela mesa de cirurgia. É possível recorrer a próteses de tamanhos épicos, mas o bom senso recomenda comedimento. É o que salienta Julio Millán Mateo, diretor do Instituto de Cirurgia Estética da Clínica Ruber, de Madri, e um dos cirurgiões mais bem avaliados em aumento de mamas. “Muitas pacientes entram pela porta pedindo 300 mililitros [de silicone]. Não entendo essa mania com os 300, nem que fôssemos às Termópilas. É preciso avaliar primeiro a anatomia da paciente. Se for baixa e miúda, pode ficar pouco estético. Aposto que um peito menor fica mais harmônico”. Para não falar que, quanto mais peso, mais afetadas pela inexorável lei da gravidade, o que obrigará, cedo ou tarde, a voltar a passar pelo bisturi para reparar a queda livre. Em todo caso, escolher o peito segundo a forma física implica continuar tendo essa condição física no futuro...
E se o peito é o pesadelo de algumas mulheres, certos homens estão obcecados com o tanquinho. E sim, já é possível gravar abdominais falsos. “Fazemos isso com o tratamento denominado lipohélio. Consiste em uma lipoaspiração com ultrassom para eliminar gordura, ao que somamos o Renuvion, uma técnica que aplica hélio ionizado sob a pele. Isto contrai seletivamente os septos fibrosos da hipoderme, a fáscia dos músculos e a derme. Podemos deixar a barriga plana ou apostar na ‘gravura abdominal’, que é, literalmente, colar um abdome com gordura do próprio paciente”, aponta Javier Moreno Moraga, cirurgião plástico espanhol e diretor de Instituto Médico Laser. “São de mentira, mas não de todo mau. Embora seja preciso advertir ao paciente que, se ele engordar, acabará com uma barriga bojuda coroada por um falso tanquinho. Porque isso não dá mais para tirar”. Ideal? Longe disso. Pois é.
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