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Como se curou o primeiro paciente de covid-19 nos EUA

O médico George Díaz relata que o Governo lhe sugeriu o uso compassivo do medicamento experimental remdesivir para tratar o primeiro contagiado confirmado no país, há quase quatro meses

Ampolas de remdesivir em um laboratório da Gilead.
Ampolas de remdesivir em um laboratório da Gilead.GILEAD SCIENCES (EL PAÍS)
Pablo Guimón
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Empty chairs are displayed in front of Arco della Pace as part of a protest organised by restaurateurs, following the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Milan, Italy, May 6, 2020. REUTERS/Flavio Lo Scalzo
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Em 19 de janeiro, um homem de 35 anos se dirigiu a um posto de saúde do condado de Snohomish, no Estado de Washington (Costa Oeste dos EUA) relatando tosse e sensação de febre nos quatro dias anteriores. Passou 20 minutos na sala de espera, e depois foi chamado a um consultório, onde foi examinado. Contou que havia regressado de uma visita à sua família em Wuhan, na China, em 15 de janeiro. Ao ver uma alerta de segurança sobre o novo coronavírus, decidiu ir ao médico.

Diante do histórico da viagem, o Departamento Estadual de Saúde foi avisado e repassou o alerta aos Centros do Prevenção e Controle de Doenças (CDC), que recomendaram a coleta de amostras para exames. As amostras foram colhidas, o paciente foi mandado para casa, com a orientação de ficar em isolamento, e no dia seguinte o CDC confirmou o resultado positivo para a covid-19. Ordenou-se a internação hospitalar do paciente.

“Quando chegou ao hospital, tinha sintomas de covid-19: febre, tosse, cansaço, diarreia”, recorda o médico George Díaz, diretor do departamento de doenças infecciosas do Centro Médico Regional Providence, em Everett (Estado de Washington). Mas no sexto dia de internação, o 10º da doença, desenvolveu uma pneumonia grave e precisou receber um suplemento de oxigênio. Em seguida, decidiu-se autorizar o tratamento compassivo com um medicamento experimental.

Na sexta-feira passada, a FDA (agência federal de alimentos e medicamentos) aprovou em caráter emergencial o uso do remdesivir, um fármaco antiviral experimental para o tratamento da covid-19. Ainda não há provas conclusivas sobre a eficácia desse remédio, desenvolvido inicialmente sem sucesso para combater o ebola. Mas um ensaio clínico em andamento nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) ofereceu resultados preliminares promissores. A autorização da FDA, que se baseia na declaração de emergência pelo Governo federal para acelerar o processo de aprovação de um fármaco, permite distribuir o remdesivir aos centros hospitalares do país com mais casos confirmados em todo o mundo, para que possa ser administrado a pacientes em estado grave. O Governo e a empresa farmacêutica norte-americana Gilead, fabricante do medicamento, estão trabalhando para que esteja à disposição dos pacientes o quanto antes. Díaz falou ontem em uma entrevista coletiva a veículos estrangeiros organizada pelo Centro de Imprensa Estrangeira, ligado ao Departamento de Estado norte-americano.

O remdesivir já foi utilizado, há quase quatro meses, para tratar aquele primeiro paciente confirmado com covid-19 nos Estados Unidos. Díaz afirma que partiu do CDC a sugestão de administrar o fármaco experimental como tratamento em caráter compassivo. O caso foi publicado na revista New England Journal of Medicine. Desde então, Díaz trabalha para a Gilead em um ensaio clínico com pacientes com pneumonia provocada pelo coronavírus.

“Nesse ponto, os especialistas do CDC sugeriram, e consideramos o uso de remdesivir. Não havia sido usado com pacientes de covid-19, mas sim testado em voluntários saudáveis durante o surto de ebola. O fármaco parecia seguro, mas infelizmente não se revelou muito eficaz contra a doença causada pelo vírus do ebola. Ao menos podíamos oferecer certa segurança ao paciente. Adicionalmente, havia estudos recentemente publicados sobre o uso do redemsivir em modelos animais e pareciam reduzir o efeito do vírus. Por essas razões, os pacientes aceitaram receber o remdesivir. A Gilead e a FDA foram capazes de nos proporcionar isso para uso compassivo. Pela proximidade da Gilead com Seattle, foi possível começar a administrá-lo antes de 24 horas.”

No dia seguinte, o estado clínico do paciente havia melhorado. “Encontrava-se muito melhor, sua febre baixou de 39 graus para 37, e foi possível tirar o oxigênio. Seis dias após a primeira dose, teve alta”, contou o médico.

A experiência de Díaz coincide em linhas gerais com os resultados do teste clínico da agência norte-americana de doenças infecciosas, ligada ao NIH, cujos resultados preliminares foram divulgados na semana passada. “O tempo de recuperação com pacientes de covid se reduz em quatro dias aproximadamente”, afirma. “Em nosso estudo estamos vendo também que os pacientes que recebem este medicamento têm uma mortalidade mais reduzida que pacientes que não o recebem, estamos na fase primária de pesquisa e esperamos mandá-lo em breve para a publicação”. Estes testes não têm um grupo de controle, a única forma de confirmar que os benefícios observados se devem ao fármaco.

Tratamento precoce

A chave, observa, é administrar o medicamento “nos primeiros 10 dias de sintomatologia”. “O que aprendemos é que o tratamento precoce, quando o paciente desenvolve pneumonia, é o tempo ideal”, explica. E afirma haver “poucos efeitos secundários substanciais”. “O principal é a náusea em menos de 10% dos pacientes”, acrescenta.

A dificuldade em elaborar uma vacina contra o coronavírus fez as atenções se voltarem para possíveis tratamentos da doença que ele provoca. O remdesivir é um dos mais promissores, ao lado dos antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina. Mas sua aprovação emergencial nos Estados Unidos foi cercada de certa controvérsia. Os padrões científicos exigem que os resultados dos ensaios clínicos sejam realizados com grupos de controle e revistos por especialistas independentes. Os dados positivos do remdesivir procedem dos ensaios clínicos da Gilead e do NIH, estudos ainda incompletos cujos resultados preliminares só foram publicados por causa da urgência em encontrar um tratamento.

Esta situação de incerteza no aspecto médico veio acompanhada com fortes altas da Gilead na Bolsa a cada anúncio positivo sobre seu fármaco, embora alguns deles não fossem demonstrados nem comprovados por especialistas independentes.

Mas há um estudo revisto por especialistas independentes, feito na China e publicado a semana passada pela revista The Lancet, que conclui que o remdesivir não oferece nenhuma vantagem aos doentes hospitalizados com covid. Foram detectados efeitos positivos, mas o valor estatístico não era relevante, pois o ensaio não foi capaz de recrutar um número representativo de contagiados. “Expressaram preocupação sobre a validade de seus resultados por dois fatores: o recrutamento deficiente e que os pacientes admitidos estavam mais doentes e tinham esperado mais do que o desejado antes que o estudo começasse”, explica Díaz.

“Por sorte, temos um medicamento que funciona em determinados pacientes”, acrescenta o médico. Mas alerta que deve ser usado “apropriadamente”. E a perspectiva de uma melhora no tratamento, adverte Díaz, não deve “servir como desculpa” para relaxar a vigilância. “Gente de todo o mundo tem que seguir as diretrizes de controle da infecção que aconselham a distância social, porque esse é o tratamento mais eficaz que temos contra a covid-19 neste momento”, conclui.

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