Como se explica o fracasso contínuo do jejum intermitente
Se a dieta não se traduz em perda de peso, pode ser que um motim mental inconsciente tenha conseguido boicotar a meta
Os especialistas a conhecem como restrição calórica, os leigos a chamam de “comer um pouco menos” e os que a experimentam sabem o que é na realidade: passar fome. Em uma dieta para emagrecer, não há “mas”. Você quer perder peso? Bem, corte calorias. Todos os dias ... O bom é que funciona, o ruim, que é uma autêntica sentença condenatória gastronômica. Obviamente, melhora de modo substancial com um toque simples, mas inovador. Basta chamá-la de jejum intermitente, para renovar a esperança. E já que o termo sugere que o castigo será aplicado em conta-gotas, alguns dias por semana, alguns dias por mês ou apenas em determinadas horas do dia, é uma grande liberação. O restante do tempo você pode comer sem restrições. Comer sem restrições! E ainda perder peso. Ou não?
Talvez. Somente talvez apenas porque no corpo não dá para se fiar. Alguns estudos concluíram que com o jejum intermitente perde-se de 5% a 8% do peso corporal em um período entre 12 e 24 semanas, mas também pode acontecer que nem se chegue perto desse objetivo. A abençoada flexibilidade dessa dieta tem uma face obscura no risco de autossabotagem, de acordo com um pequeno estudo recentemente publicado na revista Appetite. Uma equipe de pesquisadores das universidades britânicas de Nottingham Trent e Loughborough observou um possível mecanismo psicológico de compensação, pelo qual parte das calorias perdidas nos dias de jejum é transferida inconscientemente aos dias anteriores e subsequentes. Sempre tem que haver um “mas” ...
Definitivamente, há um componente psicológico, já que não existe uma base fisiológica que justifique comer mais antes de jejuarDAVID CLAYTON, PESQUISADOR
Não são os primeiros cientistas a chamar a atenção para esse efeito curioso. Estudos prévios registraram um aumento no apetite nos dias posteriores a um jejum severo (no qual são consumidas apenas 25% das calorias habituais, a mesma cifra usada no novo estudo). Entre eles está uma pesquisa do coautor do novo trabalho David Clayton.
Nunca é demais confirmar, mas parece bem claro que não era preciso fazer esses estudos para saber o que iria acontecer: só podemos esperar sair do jejum mortos de fome ... e com vontade de compensar. O que é surpreendente no novo trabalho de Clayton é que ele detectou os traços do fenômeno um dia antes da privação. “Definitivamente, há um componente psicológico, já que não há uma base fisiológica que nos faça comer mais antes do jejum. Deve ser motivado por um mecanismo relacionado à antecipação da sensação de fome”, diz o cientista.
Para chegar a esse achado, Clayton e seus colegas distribuíram 14 homens em dois grupos. Os sortudos, que passaram três dias comendo o que queriam, e os sofredores, que só fizeram isso durante dois dias. No segundo dia do experimento, os membros do segundo grupo receberam apenas 25% das calorias, uma restrição que lhes foi informada no dia anterior. Segundo os cientistas, a resposta deles ao aviso, provavelmente inconsciente, foi preparar-se para o jejum aumentando a ingestão energética em 6% no dia anterior, e compensaram as privações aumentando em 14% a quantidade do que comeram no café da manhã do terceiro dia. Os pesquisadores também observaram uma diminuição da atividade física no primeiro e no segundo dia, o que amortizou ainda mais qualquer efeito que a dieta pudesse ter na perda de peso.
Quando comparamos uma restrição energética intermitente com uma contínua, que é a que se faz há muitos anos e que sabemos que funciona, os poucos estudos existentes não lançam nenhum resultado interessanteEDUARD BALADIA, DIRETOR DA ÁREA DE GESTÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA ACADEMIA ESPANHOLA DE NUTRIÇÃO E DIETÉTICA
Ainda assim, os voluntários do experimento conseguiram perder mais energia do que ingeriram, então, qual é o problema? “Quando você adiciona a acessibilidade de comida de delivery e de fast food muito calórico fora do ambiente de laboratório, é concebível que [na vida real] as pessoas compensem por completo as calorias salvas pelo jejum, o que resultaria em pouca ou nenhuma perda de peso. A ideia de que você pode jejuar por um curto período de tempo e depois comer quanto quiser provavelmente torna o jejum intermitente um esforço malsucedido para muitas pessoas”, diz Clayton. E isso não é tudo.
Apetite incontrolável? Culpe a grelina
Um estudo com 14 homens brancos ativos e saudáveis, com 23 anos de idade, em média. Três dias de duração ... "Uma mixaria de estudo", nas palavras do diretor da área de Gestão do Conhecimento Científico da Academia Espanhola de Nutrição e Dietética, Eduard Baladia. Pode ser interessante como ponto de partida de pesquisas mais abrangentes, mas é provável que nunca lance luz sobre elas. De acordo com o dietista-nutricionista, é uma amostra do tipo de projeto experimental que prolifera no campo do jejum intermitente, uma abordagem dietética que, na sua opinião, deveria ser incluída no catálogo das dietas milagrosas, enquanto suas promessas não forem respaldadas por estudos mais bem delineados, mais amplos e longos (uma pesquisa é considerada de longo prazo a partir de um ano de duração).
No entanto, julgar as conclusões do novo estudo como perigosas pode ser apressado: Baladia concorda com Clayton em que o fator psicológico pode existir, que talvez o corpo peça uma compensação pelo esforço e o faça em forma de alimentos de alta densidade energética. “É algo compartilhado nas dietas” e pode ser motivado pelas variações no coquetel hormonal que surge quando o corpo é privado de uma energia com a qual está contando para continuar funcionando ―não por necessidade, só por costume.
Talvez o corpo peça uma compensação pelo esforço e o faça na forma de alimentos de alta densidade energética
Entre essas substâncias está a grelina, que, entre outras funções, regula o apetite. Em uma pesquisa publicada em 2012, os níveis hormonais aumentaram quando algumas pessoas pensaram que não iam tomar café da manhã no dia seguinte, enquanto em outras que sabiam que iriam desfrutar da primeira refeição do dia não houve alterações.
O nível permaneceu elevado mesmo quando os planos mudaram repentinamente e eles tomaram o café da manhã (não se pode confiar em tudo que um pesquisador promete, os comitês de ética admitem pequenas mentiras em prol da ciência). Parece que, embora não haja dúvida de que comer é um hábito saciante, a mera expectativa de fazê-lo também desempenha um papel na supressão do apetite, que possivelmente se altera nas dietas de jejum intermitentes.
A ideia de que você pode jejuar por um curto período de tempo e depois comer quanto quiser provavelmente torna o jejum intermitente um esforço infrutífero para muitas pessoas.DAVID CLAYTON, PESQUISADOR
Além do mais, talvez o que você pense sobre isso faça com que funcione, ou seja exatamente o oposto. Segundo um estudo publicado este ano, a "fé" nos efeitos é decisiva quando as pessoas aderem a esse regime alimentício. Sim, mais uma vez a feliz adesão. Mas, calma, desta vez é diferente, não surge para apontar o dedo para você. Nem para você nem para a sua falta de vontade.
Se falta ciência, você caminha sem bússola
Quem provou o peso de uma dieta de emagrecimento, quem enfileira uma após a outra, quem nem pensa em eliminar as batatas fritas do cardápio e ainda os sortudos que nunca tiveram um quilo a mais costumam compartilhar um dogma. Todo mundo dá como certo um princípio inegável: se uma dieta não funciona para você, é porque você não aderiu a ela, é porque mais cedo ou mais tarde você acaba sabotando-a. Não há dúvida de que, sem adesão, perseverança e algum sacrifício, perder peso e muitas outras metas complexas nos escapam das mãos. Mas os dogmas são inteiramente inadequados no pensamento científico, e tampouco é rigorosamente verdade que a pessoa sempre tenha a culpa se uma dieta que não funciona para ela.
Não importa o quão rigorosamente sejam seguidas, há um momento em que as dietas para emagrecer perdem eficácia. “Quando alguém inicia um tratamento, a aceleração da perda de peso é brutal nos primeiros meses, depois há uma desaceleração e se chega a um platô, em seguida possivelmente ocorre um ganho”, explica Baladia. Nesse momento, o exercício físico é decisivo, acrescenta. O problema é que esse processo não é descrito para o jejum intermitente. “Muitas vezes os estudos nem chegam a três meses”, que é o período em que em outras dietas se chega ao platô. Ou seja, se você não perder peso, talvez seja porque já o alcançou, e o que você deve fazer é se preparar para um ganho de peso ... Não conte com a ciência para impedir o momento, não há literatura científica conclusiva sobre isso, alerta o especialista.
Pode ser que o jejum intermitente não funcione para você perder peso, porque é uma modificação de hábitos intensa demais para você. "Mudar o comportamento não é fácil para ninguém e, às vezes, é preciso de ajuda psicológica, por isso, as dietas são feitas com acompanhamento profissional interdisciplinar", argumenta Baladia. Ou talvez o problema seja que você abandonou rápido demais a dieta hipocalórica tradicional: não há nenhuma prova científica de que você notará uma melhora em comparação com as dietas feitas a vida inteira, nas quais se come um pouco menos, mas se come todos os dias, diz Baladia.
“Quando comparamos uma restrição energética intermitente com uma contínua, que é a que se faz há muitos anos e que sabemos que funciona, os poucos estudos existentes não lançam nenhum resultado de interesse, e quando o fazem, é porque o jejum intermitente tem uma restrição energética muito maior do que a dieta com a qual é comparado.”
Mas também é possível que, no futuro, você consiga integrar esse modo de comer em sua vida e ele se torne útil para perder peso. Por que não? Afinal das contas, assaltar a geladeira em dias sem restrição calórica não compensa todas as calorias que se deixou de comer. Mas Baladia alerta que todo cuidado é pouco porque o padrão alimentar incomum pode provocar ansiedade. “Com a ansiedade podem surgir outros problemas, como a restrição excessiva ou consumo excessivo”. O último pode te levar a ser incapaz de perder peso, o primeiro pode conduzir a um problema de anorexia nervosa, conclui o dietista-nutricionista.
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