As velas do Mucuripe, imortalizadas na canção de Belchior, perdem espaço na orla de Fortaleza. A cultura dos jangadeiros sofre com a pressão da especulação imobiliária e a escassez de políticas públicas voltadas a estes pescadores. Fernanda Siebra
É preciso a força de três a quatro homens para fazer a jangada navegar. Na força do braço, há 80 anos, quatro jangadeiros enfrentaram 2.700 quilômetros pelo mar até o Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Jacaré, Jerônimo, Tatá e Manuel Preto foram pedir ao presidente Getúlio Vargas que os pescadores fossem incluídos na legislação trabalhista. Fernanda Siebra
Os jangadeiros viajaram em uma jangada feita com cinco paus de piúba, um tipo de madeira encontrada nas matas da região. Tinham de amarrar-se em cordas para conseguir dormir. Hoje, as jangadas de madeira e fibra contam com um pequeno compartimento que serve para guardar mantimentos e para dormir. É este onde está o pescador Antônio Banqueiro na imagem. Fernanda Siebra
As conquistas pelas quais lutavam os pescadores demoraram a vir. Ao longo dos anos, vários deles foram novamente ao sul e sudeste do país falar com presidentes para cobrar direitos. Conseguiram apenas a aposentadoria e um seguro para os tempos de defeso do peixe ou de ventos fortes, quando fica mais perigoso navegar. Fernanda Siebra
Na imagem, o pescador Antônio Banqueiro desenha os quatro pontos cardeais e explica o cheiro dos ventos. Junto com o tamanho das ondas, esta é sua referência para retornar à terra firme. “Na minha profissão, eu aprendi que o vento tem quatro cheiros. Que o norte tem cheiro de gelo. O cheiro de gelo porque é um vento gelado que a gente sente ele nas narinas da gente. E o vento sul que tem cheiro de mato verde. Aí o vento leste tem cheiro de fogo porque ele é um um vento quente. E o vento oeste ele tem cheiro de chão. Chão molhado como que fosse barro molhado”, explica. Fernanda Siebra
Os próprios jangadeiros constroem suas embarcações. Antônio Banqueiro e Josué aprenderam a fazê-las de tanto manejá-las no mar. Não desenham, apenas riscam a própria madeira para saber onde cortar. Os dois pescadores, ambos aposentados, sonham em construir uma embarcação secular, capazes de atravessar as ondas e o tempo. "É ver, decorar o que viu e executar", explica Antônio. Fernanda Siebra (Fernanda Siebra)
O movimento na praia do Mucuripe começa às 3h da manhã. É quando os homens começam a retornar do mar para descarregar o peixe ali mesmo, na praia, e vendê-lo. Fernanda Siebra
A praia do Mucuripe agora é palco da gentrificação. Os pescadores viram uma avenida ser construída na beira da praia e vários prédios serem erguidos no seu entorno. Com a pressão, muitos foram empurrados aos morros. Agora, vêem o espaço das velas cada vez menor. Fernanda Siebra
O neto do pescador Antônio Banqueiro caminha sobre o esqueleto da jangada que está sendo construída pelo avô na rua onde moram, no morro Santa Terezinha. Os pescadores já não vivem em palhoças na beira do mar, mas foram empurrados para casas de alvenaria em morros onde enfrentam também a violência das grandes cidades e o poder do tráfico de drogas. Fernanda Siebra (Fernanda Siebra)
“Antes aqui era o verdadeiro Mucuripe. Hoje é a capital. Foi entrando o capitalista e se apoderando da nossa existência”, reclama o pescador Antônio Banqueiro. E sentencia: “Estou a postos para defender o meu lugar.” Fernanda Siebra
O pescador Alex Banqueiro diz ter sido seduzido pela adrenalina do mar. Tenta levar adiante o legado do pai, pescador e construtor de jangada. É dos poucos filhos de pescadores que querem seguir a labuta do pai. Fernanda Siebra
Enquanto mais uma obra avança para qualificar o calçadão, dar espaço às embarcações de passeio, construir quadras de esporte e quiosques para receber o turista, o pescador segue sentindo-se como quem não existe. Fernanda Siebra
Os jangadeiros também sofrem com a pressão da pesca predatória. Fernanda Siebra
"Os valores do pescador chegam muito pouco. Somos oriundos daqui, veteranos. O que temos é um pedaço de praia aqui e tão falando de tirar nós. Somos os índios da praia, isso vem dos velhos. Vai se acabar toda a nossa tradição da nossa jangadinha. Querem fazer hotel, coisa só pra rico. Essas navegações de rico, de passeio marítimo. E o pescador simbora. Pra onde?", questiona o pescador Josué. Fernanda Siebra
Um grafite com a imagem de Mestre Jerônimo foi pintado pelo artista Wesley Rocha em uma das ruas que dão acesso ao Morro Santa Terezinha. “É uma vida desgraçada essa nossa, tão desgraçada que parece que as autoridades têm medo de olhar pra ela cara a cara”, dizia o pescador, que foi ao Rio de Janeiro pelo menos duas vezes de jangada para cobrar os direitos dos pescadores. Fernanda Siebra (Fernanda Siebra)
O caminho ainda parece distante para conseguir condições de vida digna. As jangadas seguem caras demais para serem compradas pelos pescadores, as novas gerações não se interessam pelo mar e a informalidade segue firme. O jangadeiro vive do que consegue pescar. Fernanda Siebra
Dos prédios altos do outro lado da avenida, a tradicional pesca artesanal ―uma atividade sustentável nos mares nordestinos de poucos nutrientes― é vista como feia, indesejável ao progresso. De orla onde saiu Jacaré, outros jangadeiros seguem reunindo forças todos os dias, espremidos agora em uma reduzida faixa de praia, para permanecer no seu lugar. Fernanda Siebra Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.