Arcebispo investigado julga denúncias de abuso contra outros padres de Belém
Autoridades eclesiásticas foram obrigadas por Papa a criar mecanismos para receber denúncias contra membros Igreja. MP e polícia apuram acusações de crimes sexuais contra dom Alberto Corrêa
O arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa, criou no início de 2020 uma comissão subordinada a ele mesmo para investigar denúncias de crimes sexuais contra integrantes da Igreja Católica na região metropolitana da capital paraense. Corrêa atualmente é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil após ser alvo de denúncias de assédio e abuso sexual por parte de quatro ex-estudantes do Seminário São Pio X, em Ananindeua, na Grande Belém. Em dezembro o EL PAÍS entrevistou dois denunciantes e revelou detalhes do caso —exposto de maneira velada pelo próprio arcebispo no início daquele mês —, o que motivou 37 entidades civis pedirem o afastamento do arcebispo do cargo até que as investigações sejam concluídas. Neste domingo o programa Fantástico, da Rede Globo, veiculou extensa reportagem onde também traz detalhes sobre o caso. Corrêa nega todas as acusações.
O “Decreto de nomeação do órgão para conhecer e instruir processos eclesiásticos de abuso sexual contra menores e vulneráveis” e o “Regulamento para eventuais denúncias contra abuso sexual de menores e vulneráveis” foram assinados por Corrêa em 19 de março de 2020, quase um ano depois do papa Francisco ter publicado a Carta Apostólica Vos Estis Lux Mundi (Vós sois a luz do mundo, em tradução livre do latim). O documento é uma diretriz que estabelece uma espécie de lei dentro do direito canônico com mecanismos e regras claras para que denúncias ou suspeitas de abuso sexual cometidas por membros da Igreja Católica sejam investigadas internamente, compartilhadas com autoridades civis e punidas. O regramento possui 19 artigos e trata de delitos sexuais praticados por membros do clero, que não têm a opção de não se submeter a ele.
Seguindo as novas regras do direito canônico, o arcebispo metropolitano de Belém criou o mecanismo de apuração interna em sua jurisdição. “Pela autoridade que exerço em vista do cargo que ocupo na Igreja como arcebispo, nomeio o Tribunal Arquidiocesano de Belém para conhecer, averiguar, instruir e fazer investigação prévia para Processos Eclesiásticos de eventuais abusos sexuais contra menores e vulneráveis cometidos por clérigos, religiosos, membros de Vida Apostólicas e similares, e por fim, entregar o Relatório à Autoridade competente para o julgamento”, diz o decreto de Corrêa. O tribunal é um órgão da cúria metropolitana, órgão subordinado ao arcebispo. De acordo com os documentos, mais à frente, a “autoridade competente” para tais assuntos é ele mesmo. “Feita a instrução processual, os autos serão entregues ao arcebispo com o parecer do promotor eclesiástico de Justiça e do instrutor. O arcebispo de Belém julgará e enviará cópia de todo o processo para o Papa em Roma”, diz o documento.
O primeiro artigo do decreto de Corrêa diz que “o abuso sexual contra menores e vulneráveis sempre causa graves danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas, e com maior gravidade ainda se cometidos por Clérigos e Religiosos”. “Por menores entendem-se jovens de até 18 anos completos”, afirma o segundo artigo. No terceiro, o arcebispo faz a definição do que é abuso: “Abuso sexual não é apenas conjunção carnal, mas também outros atos previstos do Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, como toques, carícias nas partes íntimas e semelhantes”. Nas denúncias de que é alvo, Corrêa é acusado de assediar e abusar sexualmente de jovens de 15 a 20 anos de idade em diversas ocasiões de 2010 a 2014, inclusive em sua residência oficial. Os ataques aconteceriam em espécies de sessões de “cura gay”, onde os jovens eram recebidos reservadamente pelo arcebispo para que este pudesse ajudá-los a livrar-se da homossexualidade. Durante os encontros, segundo os relatos dos denunciantes, Corrêa ficou nu junto com os jovens, tocado seus corpos e promovido sessões de masturbação, entre outros abusos. Em entrevista ao EL PAÍS, um deles afirma que chegou a ser chantageado para aceitar as investidas da autoridade religiosa.
Em nota da assessoria de imprensa, a Arquidiocese de Belém afirma que “que está acompanhando as investigações em curso, com a certeza e a confiança de que, ao final, prevalecerá a verdade”. “Informa ainda que, devido ao sigilo imposto e em respeito às leis, não pode divulgar mais informações (…).” “Por fim, pede à comunidade dos fiéis que continue a rezar pela Igreja, por intercessão da Santíssima Mãe de Deus, a Virgem Maria, para que não desanimemos diante das provações pelas quais estamos passando”, diz o comunicado em outro trecho.
Caminho alternativo
No caso da própria autoridade dentro da Igreja responsável por apurar os casos ser denunciada, como de fato aconteceu em Belém, a ordem papal prevê um caminho alternativo, seguido pelos quatro ex-seminaristas no início do segundo semestre de 2019. O bispo mais antigo da jurisdição eclesiástica deve receber a denúncia e encaminhá-la dentro da Igreja. “Neste momento, Dom Pedro é o bispo mais ancião de nomeação episcopal na Província Eclesiástica de Belém que corresponde ao Regional Norte 2 (Pará e Amapá). Pelas atuais normas da Igreja Católica (”Vos estis lux mundi” – Art. 8 par. 2) possíveis denúncias que envolvam o arcebispo metropolitano devem ser encaminhadas à Congregação dos Bispos, no Vaticano, pelo bispo mais ancião de nomeação episcopal”, diz nota divulgada nesta segunda-feira (4) pelo bispo de Macapá, dom Pedro José Conti, que recebeu a denúncia dos quatro ex-seminaristas.
“Foi o que Dom Pedro fez, por obrigação canônica e para não ser acusado, posteriormente, de omissão. No entanto, sempre se declarou absolutamente estranho aos fatos, não conhecendo nenhuma das pessoas eventualmente envolvidas nas denúncias, excluso o senhor arcebispo. Coube ao próprio Vaticano enviar um bispo com a missão específica de recolher depoimentos e inquirir os fatos”, explicou.
De acordo com a Rede Globo, no entanto, a missão apostólica do Vaticano para investigar o caso só esteve em Belém mais de um ano depois da Igreja receber a denúncia, em dezembro de 2020, após a reportagem entrar em contato com a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e pedir um posicionamento sobre o caso —desde agosto de 2020, as denúncias já eram investigadas pela polícia e pelo MP. À CNN Brasil, a CNBB afirmou em nota que espera que os fatos sejam esclarecidos.
Antes de o EL PAÍS revelar detalhes do caso, diversos integrantes da Igreja Católica manifestaram apoio ao arcebispo de Belém nas redes sociais, após ele mesmo revelar que era investigado (sem no entanto contar o motivo). Figuras como o padre Marcelo Rossi e o padre Fábio de Melo publicaram mensagens de apoio nas redes sociais.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.