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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Cria corvos

Estas coisas minha mãe e meu pai quiseram me ensinar. Quanto esforço, quanta paciência, quanta dedicação, quanto empenho

Leila Guerriero
Pássaros voam por Katmandum no Nepal
Pássaros voam por Katmandum no NepalNARENDRA SHRESTHA (EFE)

A bordar, a remendar, a fazer bainhas, a ser paciente, a cozinhar, a fazer doce de figos, a detectar as melhores folhas da videira para fazer charutinhos, a colher azeitonas, a ler Góngora, a ser hipócrita e preconceituosa, a achar que os filhos de mães solteiras são más influências, a chegar virgem ao casamento, a compreender que uma mulher deve não apenas ser honesta, mas também assim parecer, a dirigir, a andar de bicicleta, a ser organizada, a combater as traças, a cortar a grama, a atirar com rifle e carabina, a não ter medo de água, a nadar, a entender que uma garota decente só pode ter namorado depois dos 18, a não consumir drogas porque são ruins, a fumar, a beber cerveja preta; a escutar música folclórica, flamenco e fado; a fazer fogo com carvão e lenha, a pescar a fazer remédios caseiros para dor de garganta e resfriados, a pintar postigos de madeira com verniz para barcos, a combater a umidade dos armários, a plantar e a carpir, a caçar lebres e perdizes, a atirar em um pato em voo, a resolver trinômios do quadrado perfeito, a reconhecer uma oração subordinada, a mexer os quadris, a me depilar, a não emprestar brinquedos nem livros, a não me sentar em privadas de banheiros públicos para fazer xixi, a carregar sempre um lenço, por via das dúvidas, a fazer guirlandas de flores para aniversários, a não ser generosa, a falar mal das garotas que trocam de namorado com muita frequência, a ir ao teatro, a ser gentil e educada com os idosos, a ser invejosa, a ser submissa, a entender que há coisas para meninas e coisas para meninos, a não falar da menstruação em público, a ver beleza na ausência de voluptuosidade, a olhar as mãos dos homens, a fazer as cutículas.

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A correr, a mentir, a ser invejosa; a ler Horacio Quiroga, Rimbaud, Poe, Bradbury; a não sentir pavor em um lugar escuro, a ficar sozinha, a ser hipócrita e preconceituosa, a achar que os filhos de mães solteiras são más influências, a chegar virgem ao casamento, a compreender que uma mulher não deve apenas ser honesta, mas também assim parecer, a reconhecer o cheiro de maconha, a provar de tudo para saber como é, a brincar com fogo, a ser egoísta, a guardar segredos, a ter segredos, a não emprestar livros nem brinquedos, a atirar com uma espingarda de dois canos, a caçar lebres e perdizes, a quebrar a cabeça de um peixe-rei recém-tirado da água, a colocar camarões no anzol, a colocar minhocas no anzol, a tomar banho em um tanque australiano e não cortar as palmas das mãos na beirada ao sair, a andar a cavalo, a não ter medo quando um cavalo se descontrola, a tirar da lama um carro atolado, a trocar um pneu, a serrar uma árvore, a usar uma chave inglesa, a não dirigir de jeito nenhum, a não ser paciente de jeito nenhum, a não andar de bicicleta de jeito nenhum, a não ser de jeito nenhum uma mulher a quem ninguém possa dizer como uma mulher deve ser, a estar triste, a sentir nostalgia, a saber que uma garota decente só pode ter namorado depois dos 18, a falar mal das garotas que trocam de namorado com muita frequência, a beber vinho para me esquentar, a ficar furiosa, a sobreviver à tristeza e à fúria, a ser independente, a não ser independente de jeito nenhum, a usar a palavra ódio, a fazer pipas, a desentupir um cano com soda cáustica, a ir ao cinema, a construir uma cabana de índio e um forno de barro, a plantar e a carpir, a contemplar com nobreza como se mata uma vaca doente com carbúnculo e como se abre a barriga dela com uma faca e como da barriga sai um feto rosa brilhante e plástico e se espalha sobre o chão e rapidamente é coberto pelas moscas, a saber que uma mordida humana é mais temível que a picada de uma cobra venenosa, a saber que se eu me perder no Ártico e tiver que sobreviver comendo qualquer coisa devo evitar comer fígado de cachorro porque posso morrer intoxicada por excesso de vitamina A, a saber que se me perder numa montanha devo evitar beber água da neve porque não possui quantidade suficiente de minerais e posso ficar desidratada, a ser onipotente, a escutar Beethoven.

Estas coisas minha mãe e meu pai quiseram me ensinar. Quanto esforço, quanta paciência, quanta dedicação, quanto empenho. Nada de desperdício. Há um verso de Ada Limón: "Imagino as entranhas de meu ser às vezes / parte fêmea, parte macho, parte dragão terrível". Isso: fêmea, macho, dragão terrível

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