STF suspende nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF
Alexandre de Moraes considerou que indicação de amigo dos Bolsonaro fere o “princípio da legalidade”, pois atenderia interesse pessoal do presidente. Bolsonaro diz, no entanto, que seu “sonho” de nomear o delegado ainda se concretizará
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quarta-feira a nomeação de Alexandre Ramagem, que ocupava a diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ex-chefe da segurança de campanha de Bolsonaro, para o comando da Polícia Federal (PF). Ramagem foi indicado pelo presidente no lugar de Maurício Valeixo, que foi exonerado à revelia do então ministro da Justiça Sergio Moro, que também deixou o cargo na última sexta-feira, acusando o presidente Jair Bolsonaro de querer interferir na PF. Ramagem é próximo da família Bolsonaro e aparece em foto, que circula nas redes sociais, ao lado de Carlos, filho do presidente, que é alvo de investigação do órgão.
Bolsonaro não desistiu da nomeação. “Respeito o poder Judiciário, respeito as suas decisões, mas nós, com certeza, respeitamos a nossa Constituição. O senhor Ramagem que tomaria posse hoje foi impedido por uma decisão monocrática de um ministro do STF”, afirmou, durante a cerimônia de posse de André Luiz de Almeida Mendonça como ministro da Justiça, no lugar de Sergio Moro, e de José Levi, que assume a Advocacia-Geral da União. “Tenho certeza que esse sonho meu brevemente se concretizará”, ressaltou o presidente.
Horas depois o mandatário desautorizou a própria AGU (que havia informado pela manhã que não iria recorrer), e disse que vai apelar da decisão do ministro: “É dever dela [AGU] recorrer”, disse. “Quem manda sou eu e eu quero o Ramagem lá”. Aparentemente sem saber da declaração de Bolsonaro, o recém nomeado Levi declarou à imprensa que "não haverá recurso”.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes atende a um mandado de segurança impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), que alega “flagrante abuso de poder, na forma de desvio de finalidade" na nomeação de Ramagem. De acordo com Moraes, é dever do Supremo atuar quando o Executivo toma “decisões desprovidas de justificação fática” e “arbitrárias” tanto na “legalidade, moralidade e impessoalidade”. “Em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, afirmou, na decisão.
À frente da Abin desde julho de 2019, Ramagem foi exonerado do cargo na terça-feira e assumiria como novo diretor geral da PF nesta quarta, às 15h00. Por isso, Moraes pediu que o delegado, bem como o advogado-geral da União, fossem informados de sua decisão “inclusive por Whatsapp", em face da urgência. No começo da tarde, o Governo Jair Bolsonaro tornou sem efeito a nomeação para o cargo, com a publicação da suspensão do ato em uma edição extra do Diário Oficial da União.
As acusações de Sergio Moro
Moraes ressaltou em sua decisão a entrevista coletiva dada pelo ex-juiz Sergio Moro na sexta-feira passada, que, ao justificar sua saída do Ministério da Justiça, alegou que havia sido informado pelo presidente da República que queria colocar na Polícia Federal alguém com quem pudesse ter contato. “O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação", afirmou o ex-ministro da Justiça na coletiva de imprensa que anunciou sua saída do cargo. O nome de Ramagem já era apontado nos bastidores como o substituto de Valeixo. “Essas alegações foram confirmadas, no mesmo dia, pelo próprio Presidente da República, também em entrevista coletiva, ao afirmar que, por não possuir informações da Polícia Federal, precisaria “todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas””, escreveu Moraes em sua decisão.
De acordo com o ministro, “tais acontecimentos, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República”, mas sim exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, “inclusive em diversas investigações sigilosas”, demonstram “estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada”. A decisão de Moraes é um segundo golpe contra Bolsonaro no Supremo depois da saída de Moro. Nesta segunda-feira, o ministro Celso de Mello, decano da Corte, atendeu a pedido de procurador-geral, Augusto Aras, para investigar as ações de Moro contra Bolsonaro. O ex-juiz da Lava Jato terá de depor.
Em Brasília, fala-se nos bastidores que a saída do diretor Maurício Valeixo busca interferir em apurações que estão em andamento, principalmente no Supremo Tribunal Federal e no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra os filhos de Bolsonaro. A Corte investiga Carlos Bolsonaro por disseminação de fake news. Enquanto o MPF apura o suposto esquema de apropriação de salário de assessores, a rachadinha, que existia no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual.
Esta não é a primeira vez que o STF barra nomeações de forma monocrática. A mais famosa ocorreu em março de 2016, quando o ministro Gilmar Mendes impediu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, citado na Operação Lava Jato, para o comando da Casa Civil no Governo Dilma Rousseff. Em 2017, no entanto, durante do Governo Michel Temer, o ministro Celso de Mello autorizou a nomeação do Wellington Moreira Franco, também citado na Lava Jato, como ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República com direito a foro privilegiado. Um ano depois, a ministra Cármen Lúcia impediu que a filha de Roberto Jefferson, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) assumisse o ministério do Trabalho. O pedido de liminar havia sido feito pelo Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes, alegando que a deputada “praticou pessoalmente graves violações das leis trabalhistas, flagradas e comprovadas em, pelo menos, duas demandas judiciais”.
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