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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Explosões sociais

Nos protestos que têm eclodido em distintos países, há o início de uma ruptura civilizatória ou apenas um mal-estar grave. As mudanças tecnológicas e culturais afetam o mundo inteiro

Fernando Henrique Cardoso
Desde 18 de outubro, chilenos protestam contra a desigualdade no país.
Desde 18 de outubro, chilenos protestam contra a desigualdade no país.CLAUDIO REYES (AFP)

Em conferência recentemente feita em Valparaiso, no Chile, Manuel Castells voltou a caracterizar as manifestações populares contemporâneas (como já o fizera em seu livro Rupturas) como “explosões" mais do que como movimentos sociais. Com a nova “malaise”, mal estar que marcou o período de pré Primeira Grande Guerra em plena Belle Époque, parece que a irritação contra “os que mandam” se generaliza.

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O caso em tela era o Chile; Casttels, que há muito estuda as “sociedades em rede”, mostra que estas são fruto da comunicação interpessoal via internet. Os novos meios de comunicação tornam-se propiciadores não só da expansão de movimentos sociais, como facilitadores de súbitas expressões coletivas de desagrado. Estes chegam a dar a sensação de serem capazes de abalar as estruturas de poder.

Desde quando nosso autor mostrou os efeitos do uso de telefones celulares para explicar como se deu a reação em Barcelona contra as explicações inaceitáveis do governo espanhol sobre o caso famoso do atentado na estação de metrô madrilenha de Atocha, escreveu vários trabalhos que confirmavam suas análises sobre as sociedades da “informação”.

Pois bem, novamente o caso do Chile chama a atenção: país exemplo de crescimento econômico e estabilidade institucional, de repente surge no noticiário mundial como mais um caso de revolta popular e reação policial violenta.

Convém repetir o dito por Castells, por visível que seja: não é só no Chile que estas manifestações ocorrem. Ou esqueceremos o ano de 2013 no Brasil? Ou a “primavera árabe” ? E por que não acrescentar o “occupy” americano ou os coletes amarelos franceses? E em nossa América Latina, a vizinha Bolívia agora mesmo ou quase agora no Equador? E acaso o que ocorre no Iraque será diferente?

Sim e não: há algo em comum, talvez o começo — exagero— de uma ruptura civilizatória, ou quem sabe, como escrevi acima, apenas um mal-estar grave: as mudanças tecnológicas e culturais afetam o mundo inteiro. Nos países em que há eleições e liberdade, a reação popular, contraditoriamente, é maior e mais visível. Nos autoritários o controle da informação e as restrições políticas, por agora, contém os ímpetos populares: basta comparar Hong Kong com a China continental.

O certo é que se tornou quase banal o que antes era um ponto fora da curva. Nos anos sessenta e setenta já havia o mal estar, mas era mais perceptivo nas universidades e só quando ele se fundia com as reivindicações tradicionais “de classe”, aí sim parecia que o Sistema pegaria fogo.

Eu vi de perto o que aconteceu em 1968 em Nanterre (onde Casttels era meu amigo e jovem professor assistente). O movimento estudantil ganhou força nas ruas, mas nelas já havia a luta dos sindicatos por melhores salários. E no conjunto o movimento apareceu como uma Revolução Cultural, ainda sem símbolo claros para se expressar.

Agora é diferente: os objetivos ainda são vagos nas explosões contemporâneas. Mas o que os une é estar contra o governo, seja ele qual for. No Chile (e a isso também se referiu Tocqueville sobre a Revolução Francesa) a reação ocorreu em um país que crescera economicamente e no qual vige a democracia

Por isso mesmo, o governo oferece uma saída: vamos mudar a Constituição e retomar o diálogo.

Tomara seja seguido. A reação pela força não aplaca a ira desgovernada. Quem sabe a palavra, seguida de ações que envolvam as pessoas na escolha dos caminhos, devolvam aos rebeldes o senso da política e eles não se mantenham como heróis sem causas.

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