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A obesidade saudável dos ursos, o superpoder que a ciência quer desvendar

Os animais que hibernam acumulam peso e têm resistência à insulina quando dormem durante os meses de inverno, mas não desenvolvem problemas de saúde

Um urso pesca salmões no Parque Nacional de Katmai (Alasca), em 2018.
Um urso pesca salmões no Parque Nacional de Katmai (Alasca), em 2018.Ronald C. Modra (Getty)
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animais com superpoderes. Os elefantes raramente desenvolvem câncer, apesar de terem uma expectativa de vida semelhante à dos humanos. Uma equipe da Universidade de Utah (EUA) identificou a causa em 2015. Esses animais têm 38 cópias adicionais de um gene que produz a proteína p53, conhecida por sua capacidade de suprimir tumores. Além disso, possuem um mecanismo muito mais eficiente que o humano para remover da circulação as células danificadas com risco de se tornarem cancerígenas. Já os golfinhos têm proteção especial contra coágulos sanguíneos, outra das grandes ameaças para a saúde de nossa espécie.

Christopher Gregg e Elliot Ferris, da universidade norte-americana, são dois dos pesquisadores que estão rastreando o genoma de várias espécies de mamíferos em busca do segredo desses superpoderes. Nesta terça-feira publicaram um artigo na revista Cell Reports em que exploram as razões pelas quais animais que hibernam, como os ursos, não desenvolvem problemas associados à obesidade ou à resistência à insulina.

O lêmure-rato cinza hiberna durante a temporada seca de Madagascar.
O lêmure-rato cinza hiberna durante a temporada seca de Madagascar.Gabriella Skollar

Sua análise incluiu quatro espécies que entram em estado de hibernação em alguma época do ano: o pequeno tenreque (um tenrecídeo, da espécie Echinops telfairi), o esquilo terrestre de treze linhas (Ictidomys tridecemlineatus), o lêmure-rato cinza (Microcebus murinus) e o pequeno morcego marrom (Myotis lucifugus). Estes animais, com algumas variações, passam vários meses em que suas pulsações e respiração diminuem drasticamente — o esquilo reduz sua frequência cardíaca de 200 batimentos por minuto para cerca de cinco, e de respirar mais de cem vezes por minuto passa para uma vez a cada cinco minutos — e não precisam se alimentar, urinar ou defecar.

Para atingir esse objetivo, nos meses prévios os indivíduos dessas espécies têm que comer para acumular reservas. De alguma forma, eles se tornam obesos e resistentes à insulina, mas de maneira saudável. Um ser humano com essas flutuações ao longo do ano acabaria sofrendo de diabetes, hipertensão e muitos outros problemas de saúde.

Os autores do trabalho compararam os genomas das quatro espécies com os de seres humanos saudáveis e com os genes relacionados à síndrome de Prader-Willi, uma doença que desencadeia um apetite insaciável que leva à obesidade mórbida. Assim, identificaram regiões do genoma desses animais próximas a muitas relacionadas à obesidade em humanos, que lhes permitiriam anular alguns elementos que controlam genes relacionados à obesidade. No total, existem 364 elementos genéticos relacionados à regulação da hibernação e da obesidade.

Pesquisadores estão trabalhando em técnicas de edição epigenética para controlar a obesidade

Por ora, esse tipo de estudo extenso do genoma não tem aplicação direta na saúde das pessoas. Os cientistas tentam em primeiro lugar entender como, ao longo da evolução, regiões comuns do genoma que agora estão por trás da obesidade ou de problemas metabólicos serviram a distintos animais para melhor se adaptarem a suas circunstâncias. Em alguns casos e em momentos diferentes da história animal, essa adaptação significava desenvolver a capacidade de hibernar por meses. Para os ursos, essa saudável regulação da obesidade permite que sobrevivam durante o inverno, enquanto para os lêmures, os únicos primatas que hibernam, a suspensão temporária da atividade os ajuda a passar a estação seca em Madagascar.

Além de obter informações básicas sobre alguns mecanismos biológicos, Gregg e seus colaboradores já pensam em como aplicar esse conhecimento. “Ao entender as partes do genoma que influenciam a obesidade ou na síndrome metabólica poderemos avaliar o risco de uma pessoa desenvolver essas doenças ao longo da vida, com base em sua sequência genética. Dessa forma, poderíamos ajudar as pessoas a adaptarem seu estilo de vida a suas condições e, no futuro, também criar tratamentos farmacológicos para tratar pessoas que desenvolveram obesidade”, diz o pesquisador. "Meu laboratório já está trabalhando com Jason Gertz, da Universidade de Utah, para desenvolver uma tecnologia de edição epigenética dirigida, usando CRISPR, para controlar de maneira personalizada a obesidade ou atividade metabólica dos pacientes", acrescenta.

Enquanto isso, Gregg continua pesquisando no oceano da genética dos mamíferos em busca de variantes que os humanos ainda possuem e que em alguns animais se tornaram algo parecido com superpoderes.

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