‘Money for Nothing’: a quem se dirige a polêmica canção que levou o Dire Straits à autocensura?
Clássico da banda de Mark Knopfler está a ponto de completar 35 anos. Sua letra continua causando tanta intriga hoje como em 1985
“Olha o viadinho de brinco e maquiagem / Pois é, cara, é o cabelo dele mesmo./ Esse viadinho tem seu próprio jatinho / Essa viadinho ficou milionário” (em inglês, do texto original: “See the little faggot with the earring and the makeup? / Yeah buddy, that’s his own hair / That little faggot got his own jet airplane / That little faggot, he’s a millionaire”). Quem canta é Mark Knopfler na segunda estrofe de Money for Nothing, uma das músicas mais famosas do Dire Straits, incluída em seu disco Brothers in Arms (1985) e seu único hit a liderar as paradas nos Estados Unidos. No Spotify, especificamente, é sua terceira faixa mais popular e acumula mais de 156 milhões de reproduções. No YouTube, está prestes a alcançar oitenta milhões.
Em uma atuação no Live Aid de 1985, no Reino Unido, trocaram “faggot” por “queenie” (algo assim como “rainhazinha”) e atualmente, como em num show de Knopfler neste ano em Milão, dizem simplesmente “mother”
Money for Nothing saiu em 1985 e, quase 35 anos depois, continua criando uma polêmica que não é nova: já na data do seu lançamento, conforme contou Knopfler numa entrevista à Rolling Stone, “o editor de uma revista gay de Londres disse que tinha achado golpe baixo”. Tudo por causa da presença da palavra faggot repetida três vezes na letra.
Mark Knopfler (Glasgow, Escócia, 1949) passou a explicar na entrevista que “o personagem que canta em Money for Nothing é um verdadeiro ignorante, cabeça dura, alguém que vê tudo em termos financeiros”. Money for Nothing, que conta com a colaboração do Sting, narra a história de um funcionário de uma loja de eletrodomésticos que olha com inveja para os astros do rock que aparecem nas televisões do estabelecimento, ligadas constantemente na MTV. A inspiração veio de uma situação real: Knopfler a viveu em uma loja em 1984 e notou que aquele homem, aquele homem que carregava caixas e olhava a televisão com amargura, sentia que estava fazendo um trabalho de verdade, enquanto que os astros do rock estavam ganhando, como indica a canção, dinheiro por nada.
Desse ponto de vista, o “viadinho” é dito por um personagem fictício, não refletindo ideias de Knopfler e Sting (coautor da música). E compreender isso já nos situa num plano complicado: implica entender que um artista pode escrever e cantar uma canção se colocando na pele de outra pessoa. Neste caso de um sujeito desrespeitoso, um pouco homofóbico, que acha que qualquer roqueiro cabeludo, de brinco e maquiagem (a lista de lendas musicais que cumprem esses quesitos seria interminável) é um “viadinho”.
Em 2011, difundiu-se a notícia (falsa) de que as autoridades canadenses de radiodifusão tinham proibido a canção. Obviamente, muitos admiradores do Dire Straits se ofenderam e falaram em censura. Na verdade, a CBSC tinha pedido que as rádios emitissem uma versão editada em que não se ouvia a palavra faggot. Em algumas delas se escutava mother (a esta versão voltaremos breve), em outras simplesmente se eliminava essa estrofe do tema. Os próprios Dire Straits, em algumas coletâneas como Sultans of Swing: the Very Best of Dire Straits (de 1998) optaram por incluir uma versão editada onde essa estrofe já não entrava. Não era uma obrigação: algumas rádios continuaram tocando a original.
A polêmica recorda a da mariconez (“viadagem”), da banda espanhola Mecano. Na canção Quédate en Madrid, de 1988, Ana Torroja se punha na pele de um homem que tenta se fechar às emoções, que acha o amor algo menor e brega, e que os carinhos de fato são uma mariconez. Na última edição do programa televisivo Operación Triunfo, os participantes Miki e María tiveram que cantar essa música e, durante os ensaios, ao chegar à estrofe onde Ana Torroja cantava essa palavra, sugeriram substitui-la por gilipollez (“babaquice”). E armou-se uma celeuma: puristas que defenderam a integridade artística de um compositor (José María Cano) contra millennials que sugeriram que um termo que podia ser menos ofensivo em 1986 que hoje (porque correto nunca foi) poderia ser alterado sem desvirtuar a canção. José María Cano não permitiu que a letra fosse alterada no Operación Triunfo, aludindo à sua integridade artística (enquanto isso, num anúncio emitido o tempo todo na televisão, cantava: “Hoje não me posso me levantar / a maldita gripe me caiu muito mal” para anunciar uma famosa marca de remédio antigripal).
Em 2011, difundiu-se a notícia (falsa) de que as autoridades canadenses de radiodifusão tinham proibido a canção. Na verdade, a CBSC tinha pedido que as rádios emitissem uma versão editada em que não se ouvia a palavra ‘faggot’
Knopfler, aparentemente, compreendeu que, embora aquele viadinho tivesse justificativa (é um personagem detestável e cinzento que narra a canção), é também um termo que durante décadas (já em 1985) foi utilizado para perpetuar o ódio e a intolerância. E que substituí-lo não mudava o sentido da canção e tampouco o ritmo interno da frase nem da estrofe.
Como resposta, houve uma dança de termos nessa canção sempre que a banda (ou Knopfler sozinho) a tocou ao vivo. Em uma atuação no Live Aid de 1985, no Reino Unido, a trocaram por queenie (algo como rainhazinha, pior a emenda que o soneto) e atualmente, como neste recente show de Knopfler em Milão, dizem simplesmente mother (forma de abreviada de motherfucker, que poderia ser traduzido como “safado”).
Aliás, não foram poucos os artistas que se deram por aludidos e pensaram ser o “viadinho de brinco e maquiagem”. Um dos que se pronunciaram publicamente ao respeito foi Nikki Sixx, que afirmou numa sessão de perguntas e respostas com seus fãs na revista musical Blender que a canção era sobre a banda em que ele é baixista e compositor, Mötley Crüe. Se for assim, Nikki pode dizer que os Dire Straits o chamaram literalmente de tudo (“viadinho”, “rainhazinha” e “safado”), e não estará exagerando.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.