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Governo Bolsonaro ignora técnicos e diz que limpeza do óleo é suficiente para liberar praias

Após se reunir com representantes do setor turístico de Pernambuco, ministro do Turismo visita o Estado e anuncia 200 milhões de reais em linhas de crédito para empreendimentos afetados pela chegada do óleo no litoral

Pescadores recolhem óleo na praia de Janga, em Paulista, Pernambuco.
Pescadores recolhem óleo na praia de Janga, em Paulista, Pernambuco.LEO MALAFAIA (AFP)
Felipe Betim

Em sua terceira crise ambiental do ano —rompimento da barragem de Brumadinho, aumento das queimadas na Amazônia e, agora, contaminação de petróleo no litoral do Nordeste—, o Governo Bolsonaro mais uma vez é questionado formalmente por procuradores federais e criticado por seguir ignorando os protocolos e o que dizem especialistas e Organizações Não-Governamentais a respeito dos problemas. Nesta sexta-feira, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), desembarcou em Pernambuco para se reunir com o setor turístico do litoral sul do Estado, onde estão praias como Carneiros, Porto de Galinhas, Maracaípe, Muro Alto. Chegou a molhar os pés nesta última e garantiu que as praias contaminadas pela mancha de petróleo e que depois foram limpas já estão aptas para banho. No total, 28 praias de Pernambuco foram atingidas. Segundo o Governo estadual, mais de 1.350 toneladas de piche foram retirados na última semana.

“Eu não entrei na água com óleo, entrei na água limpa, em uma praia limpa, com os turistas transitando pela praia e utilizando o mar. A gente sabe que existem as praias impactadas e que foram limpas e estão aptas para banho”, afirmou o ministro do Turismo. Dirigindo-se à imprensa, pediu para que esse momento difícil seja vencido “com responsabilidade”, de forma a não passar o que ele considera ser informações equivocadas que podem afetar o turismo local. “Essas praias estão em total condição de receber os turistas e os banhistas. Mesmo as praias que foram impactadas existe a possibilidade do turismo e de sua utilização”, insistiu, em coletiva de imprensa ao lado do Secretário de Turismo de Pernambuco, Rodrigo Novaes, além de comandantes da Marinha e do Exército que estão coordenando as ações federais.

O mesmo otimismo do ministro não pode ser encontrado nas declarações dos especialistas que vêm se pronunciando sobre o tema. Na última quarta-feira, por exemplo, o oceanógrafo Moacyr Araújo, vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirmou que pessoas devem evitar entrar nas áreas atingidas pelo óleo e consumir pescados e frutos do mar até que seja identificado o nível de contaminação. Para isso, outros dois oceanógrafos da UFPE foram chamados pelo Governo estadual, liderado por Paulo Câmara (PSB), para averiguar o nível de contaminação das águas. Os resultados ainda devem demorar algumas semanas. “Muitas vezes a gente não vê o óleo, mas ele deixou um ‘legado’ para trás. Estamos aqui para identificar os compostos pois alguns têm potencial tóxico muito alto”, explicou a oceanógrafa Eliete Zanardi.

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O petróleo é um combustível fóssil que possui mais de 200 hidrocarbonetos. O benzeno, por ser cancerígeno, é considerado o mais tóxico de todos. Ainda que o piche que chega às praias seja retirado, esses componentes químicos podem continuar circulando pela corrente marítima sem que ninguém perceba a olho nu. "O cenário otimista é que algumas dessas áreas não tenha a presença do benzeno, mesmo as que tiveram algum contato com o óleo", explicou o geógrafo e geocientista Tiago Marinho ao EL PAÍS. "O pessimista é a contaminação por benzeno. O ser humano não pode tomar banho se houver 0,7 mg por litro de água. A praia ficaria então imprópria para banho e para a pesca". Somente o processo investigação poderá definir o nível de contaminação de cada praia afetada —e se os danos ambientais no litoral no Nordeste ameaçam se estender para o turismo e a pesca, pilares fundamentais da economia local.

Nem o ministro do Turismo nem o Secretário de Turismo levam essas investigações em conta. Questionados pelos jornalistas em que laudos técnicos se baseavam para dizer que as praias estavam próprias para o banho, não souberam responder. Limitaram-se a dizer que o Ministério da Saúde e a Secretaria Estadual de Saúde disseram o mesmo. De fato, a possibilidade de intoxicação de banhistas também foi minimizada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Nesta quinta, foi questionado se as praias afetadas deveriam ser interditada, ao menos temporariamente. “Não, porque a toxicidade é insignificante, é mínima. Na composição, o que seria [mais tóxico] é o benzeno, mas é mínimo”, afirmou, sem apresentar qualquer tipo de laudo técnico. Além disso, atribuiu a intoxicação de alguns voluntários não ao petróleo, mas sim ao uso de substâncias para retirá-lo da pele. “A gente tem visto as pessoas procurarem unidades de saúde, mas eles informam que retiraram aquele óleo que gruda com benzina, com gasolina, com querosene, colocaram substâncias ainda mais abrasivas, mais tóxicas do que a própria substância.”

Questionamentos do Ministério Público e até de Rodrigo Maia

Não são apenas os especialistas que não estão cômodos com a reação do Governo. Feita no Twitter, a insinuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que o vazamento poderia estar relacionado à passagem de um navio da ONG Greenpeace na região, provocou uma onda de ultraje que incluiu até o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Seu tuíte faz uma ilação desnecessária", disse Maia, que cobrou explicações da pasta.

Documentos mostram que o ministério de Salles só acionou um Plano Nacional de Contingência para a crise do óleo 41 dias depois de ela ter sido detectada. Foi um dos motivos pelos quais o MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação contra a União por omissão no derrame. Nesta sexta, foi a vez do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) pedir a abertura de uma investigação para apurar as ações do Governo no combate ao desastre.

A pressa do ministro em minimizar a crise vem da importância do turismo para o PIB do Nordeste, uma fatia de quase 10%. A atividade é importante especialmente no litoral de Pernambuco, uma das áreas mais buscadas do país. A praia de Porto de Galinhas, que não chegou a ser afetada, é a mais visitada do estado, com 1,2 milhão de visitantes em 2018, segundo dados da Porto Convention. Donos de pousadas e representantes do trade turístico da região garantem que não houve um movimento massivo de cancelamento de reservas, mas temem os impactos da tragédia ambiental. Após se reunir com o ministro do Turismo na quarta-feira, em Brasília, representantes conseguiram o compromisso de mais ações informativas e de publicidade do turismo local. Também estão encomendando suas próprias análises de qualidade da água. EL PAÍS teve acesso a laudos já prontos, mas que se referiam apenas a presença de coliformes fecais e de óleo na água. Ficou pendente a análise sobre a presença de hidrocarbonetos, que também será encomendada.

Além disso, o ministro Álvaro Antônio anunciou nesta sexta a liberação de 200 milhões de reais em linhas de crédito para pequenos e médios empreendimentos que se viram afetados pela chegada do óleo no litoral pernambucano. Nessa mesma linha, o secretário estadual Rodrigo Novaes prometeu 9 milhões de reais em propagandas sobre o turismo local a partir de novembro. Quer manter a meta de 1,2 milhão de visitantes para Porto de Galinhas. Mesmo sem os laudos técnicos em mãos.

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