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Após demissão, Trump afirma que Bolton “passava dos limites” sobre Venezuela

Presidente se distancia das posições radicais do seu ex-assessor de Segurança Nacional. Brasil perde interlocutor que fortalecia narrativa anti-Maduro

Amanda Mars
Donald Trump, nesta quarta-feira na Casa Branca.
Donald Trump, nesta quarta-feira na Casa Branca.LEAH MILLIS (REUTERS)

O presidente Donald Trump confirmou nesta quarta-feira que as posições do falcão conservador John Bolton —um veterano de Washington com passagem pelo Governo de George W. Bush— causaram sua demissão como assessor de Segurança Nacional da Casa Branca. Um dos grandes focos de desentendimento entre os dois foi a Venezuela, assunto no qual Bolton se tornou uma das vozes mais combativas. “Eu estava em desacordo com sua atitude em relação à Venezuela, acho que passava dos limites. E ficou demonstrado que eu tinha razão”, disse o presidente em declarações à imprensa.

Em janeiro, Washington reconheceu o presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. Outros 50 países —incluindo o Canadá, grande parte dos membros da União Europeia, o Brasil e vários outros países da América Latina— seguiram a mesma decisão, clamando pelo fim do regime de Nicolás Maduro e a realização de eleições. Até agora, porém, o líder chavista segue aferrado ao poder. A irritação de Trump com os assessores que garantiram a ele que Maduro sofreria uma queda rápida se tornou evidente nos meses seguintes, e Bolton era um dos grandes defensores do setor linha-dura. Ele também fez algumas das declarações mais belicosas sobre a situação, como a que ameaçou prender Maduro em Guantánamo, e nunca descartou a possibilidade de uma intervenção militar no país, algo que o próprio Trump não deseja.

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Nessa ânsia pela ingerência na Venezuela, Bolton teve no Governo do presidente Jair Bolsonaro um grande apoio, ao menos nos primeiros meses deste ano. O assunto intervenção chegou a ser debatido, inclusive publicamente pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e hoje candidato a ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos. “Maduro não deixará o poder de forma pacífica e em algum momento o uso da força será necessário”, chegou a dizer numa entrevista a um jornal chileno em março deste ano. Tempos depois, o filho do presidente brasileiro atenuou a fala, e o Brasil precisou se posicionar mais claramente sobre o seu papel com o país vizinho: contrário à intervenção.

Nas críticas ao agora ex-assessor, Trump chegou a defender o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. “Ele errou. Assim que falou aquilo do 'modelo líbio', que desastre. Veja o que aconteceu com Gaddafi [derrubado e morto alguns anos após aceitar a desnuclearização]. E ele fica usando isso para negociar com a Coreia do Norte? Não culpo Kim Jong-un pelo que disse depois. Ele não queria nem saber de John Bolton. E não se trata de ser duro, é uma questão de não ser inteligente.”

Bolton, um conservador tradicional, com uma política de pulso firme contra os inimigos tradicionais dos EUA, nunca se encaixou no enfoque heterodoxo de Trump sobre a política externa. O republicano pode combinar suas palavras incendiárias contra outros líderes à mão estendida para negociações mais arriscadas —é o primeiro presidente a se reunir com um líder norte-coreano, e já fez isso duas vezes.

“Cometeu alguns erros muito graves, não se dava bem com as pessoas”, afirmou o presidente sobre Bolton. “É tão duro que nos meteu na guerra do Iraque”, acrescentou, como estocada final. Bolton foi um dos grandes defensores da existência de armas de destruição em massa e da necessidade da invasão do território iraquiano, na década de 2000. No passado, também foi partidário dos ataques preventivos contra a Coreia do Norte, além de confrontar tanto a ONU que chegou a dizer que a instituição “não existe”.

Interlocução com o Brasil

Com a saída de Bolton, o Brasil perde temporariamente um canal de interlocução, muito embora o Governo brasileiro já tivesse perdido crédito sobre seu real poder nessa relação, avalia o analista Oliver Stuenkel, colunista do EL PAÍS Brasil. “Neste momento, o Brasil está fora de qualquer articulação —contra ou a favor da Venezuela— seja por parte do Governo americano, seja por parte da situação ou da oposição venezuelana”, explica Stuenkel. Para ele, a saída de Bolton sinaliza que a América Latina deve sair um pouco do escopo dos Estados Unidos, a exceção da questão migratória, que faz parte da pauta permanente de Trump.

No caso específico da Venezuela, Stuenkel entende que Maduro já provou que sobrevive e tem poder apesar do caos em seu país, o que faz o Governo de Trump rever suas posições. “A Venezuela vai sair do radar deles por um tempo”, acredita. Assim, ao Brasil só restará a retórica de ataques ao país de Maduro, sem chance, ao menos por enquanto, de mostrar que há um trabalho político conjunto para o destino dos venezuelanos.

Colaborou Carla Jiménez

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