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Governistas barram partido de extrema-direita em eleições estaduais na Alemanha

Os radicais da sigla AfD crescem nas urnas e se tornam segunda força política do país. Na na Saxônia e em Brandemburgo, as projeções indicam a vitória dos conservadores e sociais-democratas

Ana Carbajosa
Imagem de Dresde, no Leste da Alemanha, junto a cartazes eleitorais da extrema direita, Alternativa por Alemanha (AfD).
Imagem de Dresde, no Leste da Alemanha, junto a cartazes eleitorais da extrema direita, Alternativa por Alemanha (AfD).JOHN MACDOUGALL (AFP)

Um alívio, ainda que muito contido. O temido triunfo da extrema-direita nos Estados alemães de Saxônia e Brandemburgo não se materializou neste domingo, segundo as projeções divulgadas após fechamento das urnas nos dois Estados da antiga Alemanha Oriental.

Os partidos que até agora encabeçavam os respectivos Governos estaduais —os conservadores da CDU na Saxônia, e os sociais-democratas do SPD em Brandemburgo— devem conseguir conter a onda radical, conservando por pouco sua liderança, embora com menos apoiadores. Mesmo perdendo, a AfD (sigla para Alternativa pela Alemanha, em alemão) terá obtido excelentes resultados em relação ao último pleito, em 2014.

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As eleições nestes dois Estados do leste foram acompanhadas com especial atenção em todo o país, onde se teme que os resultados chacoalhem o fragilizado tabuleiro político nacional. A partir desta segunda-feira, haverá um momento de introspecção nos quartéis-generais dos grandes partidos em Berlim, mas também terão início as complexas negociações para poder formar um Governo sem contar com a ultradireita, apesar do expressivo número de votos. Todos os partidos alemães rechaçam qualquer tipo de aliança com a extrema direita.

Em Brandemburgo, Andreas Kalbitz, representante da ala mais dura do partido de ultra-direita, cantou vitória: “O primeiro lugar teria sido a cereja do bolo, mas os resultados são claros. A AfD está aqui para ficar, e a política não será possível sem nós”.

Enquanto isso em Dresden, capital do estado, o conservador Michael Kretschmer comemorou: "Conseguimos. […] A Saxônia afável ganhou", afirmou. Os resultados apertados deixaram as duas vitórias com sabor agridoce para os partidos tradicionais. Se evitaram o mal maior no domingo, amanheceram nesta segunda-feira com a extrema direita como segunda força mais votada e exercendo a cota de poder que lhes corresponde.

Trinta anos depois da queda do Muro de Berlim, o território da antiga República Democrática Alemã (parte que foi comunista por mais de 40 anos no século XX) ainda abriga uma frustração latente, somada a uma rejeição à chegada de refugiados ao país. Duas preocupações que são exacerbadas pela AfD, que soube se apresentar como a voz dos desagravos do Leste. Neste domingo, a sigla ultradireitista teve o voto sobretudo de homens e jovens. Em comparação com os resultados das eleições de 2014, a AfD teria conseguido uma ascensão de 17,7 pontos percentuais na Saxônia e 10,6 em Brandemburgo. Resultados são semelhantes aos colhidos pela ultradireita nas eleições gerais de 2017 em ambos os Estados.

Na Saxônia, a CDU conseguiu neste domingo 33% dos votos (seis pontos a menos que há cinco anos), seguido pela AfD, que teria ficado com 28%. Os conservadores governaram o Estado em coalizão com o SPD, como também ocorre no Executivo federal de Berlim. Após as eleições de  domingo, eles teriam perdido a maioria, segundo as primeiras pesquisas, que prenunciam uma complicada formação de Governo estadual.

Para a CDU, os resultados na parte Oriental incrementam a pressão sobre a presidenta, Annegret Kramp-Karrenbauer, chamada pela sigla para suceder a chanceler Angela Merkel, mas cada vez mais questionada dentro da agremiação. Ela pertence, como Merkel, à ala mais centrista do partido, o que, na opinião dos mais conservadores, abre um vazio político excessivo à direita, que a AfD soube ocupar.

Em Brandemburgo, onde os sociais-democratas governam há 30 anos, o SPD teria ficado em primeiro lugar, com 26,4% dos votos, uma queda de 5,5 pontos percentuais em relação a 2014. Trata-se da enésima perda de apoios para um partido que atravessa um momento muito ruim, imerso em uma crise de identidade. Os resultados não lhe bastariam para reeditar um Governo com a Die Linke (A Esquerda). A AfD teve em Brandemburgo cerca de 24% dos votos, ainda segundo as projeções.

As eleições europeias de maio marcaram a tendência da ultradireira. Naquela ocasião, a AfD obteve 25,4% dos votos na Saxônia e 19,9% em Brandemburgo, um pouco menos que nas eleições gerais de 2017 nesses dois Estados. O poder do voto de protesto é especialmente maior no Leste, onde vivem quase 20% dos alemães, já que, no total, a  ultradireita costuma receber em média13% dos votos. Embora os indicadores econômicos e sociais reflitam uma considerável convergência entre as duas partes do país historicamente dividido, a igualdade plena ainda não existe. Os salários, por exemplo, continuam sendo em média 650 euros (quase 3.000 reais) a menos no Leste —o custo de vida também é menor. O PIB por habitante na ex-RDA soma apenas 73% em relação à média nacional.

Ainda que a situação econômica nestes dois Estados e no restante da antiga Alemanha Oriental, onde o desemprego não chega a 6%, seja invejável para muitas outras regiões europeias, muito dos problemas desses locais é intangível e tem a ver com as ofensas acumuladas e mal digeridas durante décadas. Entre muitos habitantes do Leste persiste uma sensação de que a parte Ocidental continua a considerá-los cidadãos de segunda classe, e que os esforços individuais feitos em nome da reunificação não foram reconhecidos nem devidamente recompensados.

O partido radical envolveu esta campanha em uma narrativa épica e revolucionária. Estimulou os eleitores a repetirem a revolução pacífica de 1989, quando os cidadãos da RDA saíam às ruas para se manifestar e acabaram derrubando o regime. Segundo os argumentos propagados pela AfD —comprados por muitos nesta parte do país—, a democracia alemã não existe, a mídia e os políticos tradicionais só difundem mensagens politicamente corretas, e apenas os radicais de direita se atrevem a dizer a verdade. Se há 30 anos derrubou-se o Muro de Berlim, cabe agora derrubar Merkel e sua política de portas abertas aos refugiados e de luta contra a mudança climática. Votar na AfD, segundo esse discurso, seria “atrever-se” a fazer história. A revolução, prega a AfD, começaria no Leste.

Abandono

O sucesso da ultradireita nas eleições da o também é resultado de uma decidida política de proximidade. Os representantes locais estão muito presentes nos povoados, escutando as preocupações dos que dizem se sentir abandonados pelos políticos de Berlim. A AfD soube, além disso, alimentar essa sensação de abandono como resultado da chegada de mais de um milhão refugiados ao país desde 2015. Os refugiados recebem apoio e recursos do Governo central, enquanto este ignora as necessidades dos que já estavam aqui, dizem. “Quem nos protege dos que precisam de proteção?”, lê-se em um dos cartazes eleitorais que vinculam a alta na criminalidade à crise dos refugiados.

Pouco importa que a proporção de refugiados nestes Estados seja menor que em outros do Oeste. O que vale é uma espécie de xenofobia preventiva. “Aqui tem muita gente que vai todos os dias trabalhar no Oeste e vê como é a vida por lá. Não querem que o Leste acabe assim, islamizado”, dizia recentemente a este jornal Etgar Naujok, presidente do agrupamento da AfD em Leipzig, salientando a urgência do apelo revolucionário da sua formação. “Não temos mais cinco anos para mudar as coisas.”

Para a AfD, porém, sua ascensão no Leste acarreta dilemas consideráveis. Seu candidato em Brandemburgo, Andreas Kalbitz, foi ativo em grupos neonazista durante sua juventude. Agora pertence à Der Flügel, a ala mais radical da ultradireita, que provavelmente também sairá reforçada em outubro na eleição na Turíngia, outro Estado da ex-RDA. Isso agravará as atuais divisões dentro do partido, onde os considerados moderados assistem com preocupação aos avanços do setor mais radical, que poderia acabar assumindo a direção, conforme relataram fontes partidárias ao EL PAÍS recentemente.

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