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Os grandes museus entram na política em meio à ascensão do radicalismo

Exposições de arte também fazem a revolução. As grandes instituições internacionais enfrentam as novas realidades e ajustam suas coleções aos debates da atualidade

Álex Vicente
Mulheres contemplam a obra 'Retrato de Madeleine' (1800), de Marie-Guillemine Benoist, no Museu d’Orsay
Mulheres contemplam a obra 'Retrato de Madeleine' (1800), de Marie-Guillemine Benoist, no Museu d’OrsayFRANÇOIS GUILLOT (AFP / Getty Images)

Ele é chamado de Davos da arte contemporânea. A cada mês de fevereiro, os grandes nomes desse setor percorrem as serpenteantes estradas que levam à branca Verbier, em um dos rincões mais exclusivos dos Alpes suíços. A 1.500 metros de altitude, entre pitorescos chalés de madeira e abastados viajantes que levam seus esquis montanha acima, se fecham durante um final de semana em um hotel de luxo para debater os desafios que inquietam as instituições de arte. A última edição do Verbier Art Summit tocou em um assunto polêmico: o papel dos museus diante de um contexto social turbulento. Em uma das falas, a artista Tania Bruguera, presa em dezembro durante um protesto contra a censura governamental em Cuba, relatou sua recente intervenção na Tate Modern, em que aproveitou o convite do museu londrino para promover projetos de cooperação em escala vicinal. “Como artista você não pode mudar o mundo, somente as pessoas e seu comportamento político. Não é pouco, mas também não é tudo”, alertou.

Provocar essa mudança de perspectiva é a quimera perseguida, há certo tempo, por alguns dos maiores museus do mundo. Nos últimos cinco anos, deixaram de lado sua suposta neutralidade, tantas vezes utilizada para justificar certo imobilismo, e começaram a intervir abertamente na arena política. Instituições guiadas pelo método científico e a noção racionalista de verdade desde os tempos do Iluminismo, os museus integram agora coletivos sub-representados em suas salas, descolonizam suas coleções e procuram fórmulas para restituir as obras espoliadas. Exibem até mesmo gesto abertamente militantes. Em 2017, a Tate britânica pendurou a bandeira do arco-íris em sua fachada durante a realização de uma amostra dedicada aos artistas queers na pintura britânica.

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Enquanto isso, o MOMA apoiava artistas dos sete países de maioria muçulmana que receberam o travel ban de Donald Trump, exibindo suas obras dias depois da aprovação do polêmico veto migratório. Em seu 90° aniversário, o museu nova-iorquino coroará em outubro essa mudança com uma nova apresentação de sua exposição permanente. Na sala dedicada à arte do pós-guerra, mitos como Warhol e Rauschenberg conviverão com artistas de outros locais, como Ibrahim El-Salahi, Lygia Clark e Hervé Télémaque. “Significa deixar para trás o sentido da permanência e do canônico para favorecer um modelo mutante, que possa responder continuamente ao que acontece na pesquisa sobre a história da arte, mas também no mundo de hoje”, diz a curadora Sarah Suzuki, responsável pelo projeto.

Entre os partidários de se adotar um papel mais político também está a diretora da Tate, Maria Balshaw, que chegou ao cargo há dois anos. Essa mulher de 49 anos, que fez carreira democratizando o acesso à arte contemporânea no empobrecido norte da Inglaterra, aposta agora em usá-lo como antídoto ao crescimento nacionalista. “Não podemos nos dirigir somente aos que já gostamos. Nosso papel é relembrar que o mundo é um lugar cheio de pontos de vista múltiplos e rebater esse discurso altamente emotivo e polarizado sobre o qual se ergue o populismo”, afirma. Diante do Brexit, Balshaw pensa em manter as pontes com os museus europeus, com os quais coproduz suas exposições, e fazer circular as obras através de acordos com 35 instituições por todo o território britânico. “Parte da divisão em meu país tem a ver com o fato de as pessoas acharem que Londres tem privilégios que o restante não tem. E não quero ter que dar-lhes razão”, diz. Outra de suas apostas está relacionada às exposições temporais, que a partir dessa temporada serão paritárias. Artistas como Paula Rego, Magdalena Abakanowicz e Lynette Yiadom-Boakye terão direito às mesmas honras que homens de carreira idêntica.

A artista cubana Tania Bruguera, em um ato na Tate Modern de Londres.
A artista cubana Tania Bruguera, em um ato na Tate Modern de Londres.DANIEL LEAL-OLIVAS (AFP / Getty Images)

No Brasil, Jochen Volz dirige a Pinacoteca de São Paulo desde 2017, de modo que foi testemunha do ciclo político de alta voltagem que culminou com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. “O Brexit, as eleições no Brasil e a guinada política nos Estados Unidos nos servem de provas de uma compreensão binária do mundo. Acredito na capacidade da arte para sustentar verdades múltiplas e quero encontrar formas de aplicar esse princípio a outros campos da vida pública”, afirma. Esse alemão de 48 anos também defende a conversa com seus inimigos. “Até mesmo com movimentos religiosos radicais que podemos considerar aterrorizantes. Se uma parte considerável da população se identifica com eles, temos essa responsabilidade. Caso contrário, seremos um museu somente à elite”, diz Volz. Isso não comporta nenhuma benevolência com o poder. Durante a campanha presidencial, programou a exposição Mulheres Radicais, que exibia a obra de uma centena de artistas latinas que, nos anos sessenta e setenta, transformaram sua arte em uma modesta plataforma de dissidência política. “Foi uma exposição cheia de ferramentas para criar suas próprias armas de resistência. Poucas vezes vi uma mostra que tivesse tanto impacto em tempo real”, afirma Volz, que agora expõe Somos Muit+s, uma exposição coletiva que promove o “intercâmbio social e a ideia de coletivo”.

O MOMA apoiou criadores de países muçulmanos após o veto migratório de Trump

Ao entrar no Museu d’Orsay, entre uma multidão de turistas que fazem fila, o visitante encontra uma programação protagonizada exclusivamente por mulheres: a impressionista Berthe Morisot, a britânica Tracey Emin e um novo percurso temático sobre as artistas do século XIX. Sua artífice é a nova presidenta do museu, Laurence des Cars, nomeada em 2017. Até meados de julho, havia uma quarta opção: O Modelo Negro, bem-sucedida mostra sobre a representação de homens e mulheres negros ao longo da história da arte. A exposição exibiu os modelos anônimos nos quadros de Manet e Géricault. “Há somente 10 anos teria sido impossível organizá-la. Entre outras coisas, porque eu não teria pensado em propô-la”, confessa Des Cars. “Os responsáveis pelas instituições perceberam que têm uma responsabilidade. Os museus não podem ser um lugar isolado, dedicados somente ao turismo e à contemplação estética. Devem se amparar em temáticas que estejam no coração da sociedade atual, com seriedade e sem oportunismo, mas também sem ter medo de ser políticos”, acrescenta a diretora. Outra de suas medidas consistiu em mudar os títulos de quadros que incluíam termos racistas. Entre eles, Retrato de Madeleine – antes chamado Portrait d’une négresse, termo pejorativo no francês atual –, esboço de uma escrava transformado em símbolo dessa mudança de paradigma desde que Beyoncé o incluiu no vídeo que gravou no Louvre. “A literatura, o cinema e o teatro falam sem problemas desses assuntos. Os museus também devem poder fazê-lo”, conclui Des Cars.

'Retrato de Madeleine' é o símbolo da mudança de paradigma desde que apareceu em um vídeo de Beyoncé

O que é um museu?

O debate sobre a politização crescente dos museus chegou ao Conselho Internacional de Museus (ICOM). A organização propõe adotar em sua próxima assembleia geral de Kioto (de 1 a 7 de setembro) uma definição do que um museu deve ser. A nova descrição os considera “espaços democratizantes, inclusivos e polifônicos para o diálogo crítico”, que garantem “a igualdade de direitos” e contribuem “à dignidade humana, à justiça social e ao bem-estar planetário”. Vinte delegações do ICOM, incluindo a espanhola, pediram uma prorrogação para encontrar uma definição menos ideológica.

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