Contagem regressiva para ter de volta o Museu da Língua Portuguesa
EL PAÍS visita as obras de restauração do centro cultural de São Paulo que foi parcialmente destruído pelo fogo em 2015. Previsão é reabrir as portas em 2020
Algumas paredes e parte do teto ainda estão tingidas de negro três anos e meio depois do incêndio que destruiu parte do Museu da Língua Portuguesa, no centro de São Paulo, e que ocasionou a morte do bombeiro Ronaldo Pereira da Cruz, em dezembro de 2015. Por trás das telas de proteção e sob andaimes, dezenas de engenheiros, eletricistas, pintores e demais profissionais da construção civil revezam-se para reconstruir o que o fogo consumiu. Eles devem trabalhar até dezembro, quando as obras estarão construídas, e, se tudo correr conforme o cronograma, o museu será reaberto ao público ainda no primeiro semestre de 2020.
"O governo do Estado começará em agosto o processo licitatório para definir que instituição ficará à frente do museu. A nova gestão começaria em janeiro", explica Lucia Basto, gerente geral de Patrimônio e Cultura da Fundação Roberto Marinho, que participou da concepção do museu e agora coordena sua reconstrução, que começou exatamente um ano depois do incêndio. "Refizemos primeiro a fachada. Foi a forma de dar uma resposta mais rápida ao público e lembrá-lo que a instituição segue de pé", conta Basto durante uma visita pelas obras do local. O museu da Língua Portuguesa, inaugurado em 2006, não perdeu seu acervo, já que todos os arquivos contavam com cópias digitalizadas. Graças a isso, a restauração centra-se na infraestrutura.
Tendo em conta que o edifício, anexo à Estação da Luz, já havia sofrido um incêndio em 1948, e depois de que o fogo consumisse o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, a prioridade tem sido utilizar materiais e técnicas que previnam um novo desastre: madeira mais grossa e certificada —o que não se fazia antes— e a instalação de sprinters [esguichos de água] em todo o prédio. Quis o destino que, na ocasião de ambos incêndios, o fogo parasse na Torre do Relógio, preservando esse elemento de destaque da arquitetura de São Paulo e o ladrilho hidráulico pintado de modo artesanal na década de 1940 que decora o primeiro pavilhão do edifício.
A equipe de restauração também prima pela integração do museu com a Estação da Luz e o entorno do centro de São Paulo —que, nos últimos anos, viu a Cracolândia expandir-se e a insegurança aumentar—, conta Basto. "Esse prédio, em sua concepção, foi feito para inglês ver. Foi projetado para esconder, por exemplo, o terminal de trens e a gente que circula pela estação", critica. "Temos trabalhado com instituições que atendem a população do centro, inclusive a população de rua, e percebemos que eles não se sentiam pertencentes ao espaço. Isso é algo que queremos mudar. Pensamos acessibilidade para além da mobilidade, queremos que o museu seja o mais acessível possível para todos".
Para isso, foram quebradas algumas paredes e arcos da Estação da Luz, para que os passageiros que circulam por ali vejam diretamente o museu. A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) cedeu três de suas passarelas para dar acesso direto da Rua Mauá à instituição.
"Trabalhamos com o tripé arquitetura, museografia e conteúdo. Um das galerias principais tem o tamanho exato de um trem, então projetamos um na parede. Agora, nesse espaço, construiremos a Rua da Língua, com um conteúdo que mostra como o idioma toma conta e se transforma nas ruas", explica Basto. A ideia, diz ela, foi do ensaísta, músico e professor de Literatura Brasileira José Miguel Wisnik.
A restauração manterá o DNA multimídia do museu. A galeria em forma de longo corredor onde os filmes eram projetados na parede será transformada. "A fruição era ruim para o visitante que estava assistindo às projeções quando outras pessoas passavam em frente, todo mundo reclamava disso. Agora vamos passar esse conteúdo em um mini auditório, construído onde antes ficava uma sala de depósito de computadores", conta Basto.
Língua viva
Algumas das salas do primeiro pavilhão —o mais antigo—, que antes eram depósito ou recintos administrativos, serão destinadas a cursos e oficinas, atividades educativas para o público. Além de manter suas instalações mais tradicionais, como Palavras Cruzadas, que mostra as línguas que influenciaram o português no Brasil, e a Praça da Língua, que homenageia a língua portuguesa em um espetáculo imersivo de som e luz, o museu terá experiências ampliadas.
Os visitantes poderão visitar os espaços Línguas do Mundo, que destaca 20 das mais de sete mil línguas faladas no planeta; Falares, que traz a diversidade do uso do idioma nos vários grupos sociais e regionais do Brasil, suas diferentes pautas e sotaques; e Nós da Língua Portuguesa, que apresenta o idioma no mundo, seus falantes, os laços e a diversidade cultural entre eles. "Percebemos que o museu era muito centrado no Brasil e que tínhamos que expandir o conteúdo para abarcar os países da CPLP [Comunidade de Países da Língua Portuguesa], diz Basto.
A coordenadora do projeto já pensa nas iniciativas de divulgação para atrair o público aos espaço. "Antes de abrir, em 2006, fizemos um trabalho com quatro mil professores para apresentar o museu. Quando ele abriu, esses profissionais eram os difusores do nosso conteúdo. Agora, adotaremos a mesma estratégia. O museu está em obras, mas a língua segue viva".
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