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Trump quer comprar a Groelândia. E ele não é o primeiro

Harry S. Truman chegou a oferecer à Dinamarca 100 milhões de dólares pela ilha em 1946, durante a Guerra Fria, de olho na posição geoestratégica do local

Pablo Guimón
Glaciar de Jakobshavn, em Ilulissat (Groenlândia).
Glaciar de Jakobshavn, em Ilulissat (Groenlândia).Joe Raedle

Como se fosse a musa de Bernardo Bonezzi em seu mítico hino da movida madrilenha, é possível que no futuro Donald Trump tenha de ser procurado na Groenlândia. O presidente, como antecipou The Wall Street Journal nesta sexta-feira, várias vezes declarou à sua equipe, com "graus variados de seriedade", seu interesse em que os Estados Unidos comprem o território autônomo pertencente ao reino da Dinamarca.

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Nativo de outra ilha, a de Manhattan, o presidente, que se gabou durante sua campanha de seu bom olho para investimentos imobiliários, buscaria assim expandir os domínios de seu país a outra ilha, a maior do mundo. Um vastíssimo território entre os oceanos Ártico e Atlântico, coberto em sua maior parte de gelo e com uma população de apenas 56.000 habitantes, mas rico em recursos naturais e com um valor geoestratégico nada desprezível.

Trump teria mostrado pela primeira vez interesse em comprar a Groenlândia, de acordo com The New York Times, em uma reunião no Salão Oval no primeiro semestre do ano passado. Depois disso, a ideia teria sido mencionada várias vezes, em perguntas a seus assessores sobre a possibilidade legal de fazer a compra. Estes, de acordo com o Times, teriam evitando transmitir seu ceticismo ao chefe e, em vez disso, concordaram em investigar a viabilidade da operação.

De uma perspectiva histórica, a ideia de Trump não é de todo insólita nem mesmo inteiramente disparatada em termos legais. Existem precedentes para a compra e venda de territórios na história do país: em 1803, os Estados Unidos compraram a Louisiana da França por 15 milhões de dólares (em valores da época) e, 64 anos depois, compraram o Alasca da Rússia por 7,2 milhões de dólares.

Há até uma relação comercial prévia, e não tão antiga, com o potencial vendedor: já no século XX, em 17 de janeiro de 1917, os Estados Unidos compraram da Dinamarca o território das Índias Ocidentais por 25 milhões de dólares, transformando-o no que hoje são as Ilhas Virgens Americanas. E Trump não é o primeiro presidente que está de olho na Groenlândia, nem o que foi mais longe: Harry S. Truman chegou a oferecer à Dinamarca 100 milhões de dólares pela ilha em 1946.

Mas o mercado de territórios soberanos não parece passar na atualidade por um período de aquecimento. Especialistas em Direito Internacional consultados por EL PAÍS descrevem como "anacronismo" a possibilidade de que um Estado possa comprar territórios de outro.

É possível, segundo as mesmas fontes, "que dois Estados firmem um tratado internacional que contemple a transferência de território de um para outro", em troca ou não de contrapartidas, "desde que isso esteja de acordo com seus respectivos marcos constitucionais". Mas é aí que pode estar o obstáculo, observam, "já que a maioria dos Estados tem sua integridade territorial constitucionalmente blindada".

Não existe, segundo os mesmos especialistas, o direito de autodeterminação da Groenlândia, que não está registrada na ONU como um território pendente de descolonização, mas é muito provável que a opinião dos seus habitantes deva ser levada em conta, tendo em vista o amplo regime de autonomia desfrutado pela ilha, que, por exemplo, não faz parte da UE, ao contrário do restante da Dinamarca. Em suma, o principal obstáculo para uma transação desse tipo está na legislação interna dos países, uma vez que nenhum tratado internacional a proíbe.

As autoridades da Groenlândia não demonstraram muito entusiasmo pela ideia. “A Groenlândia é rica em recursos valiosos, como minerais, a água e o gelo mais puros, bancos de pesca, frutos do mar, energias renováveis, e é uma nova fronteira para o turismo de aventura. Estamos abertos aos negócios, mas não estamos à venda”, tuitou o Ministério das Relações Exteriores, aproveitando seus warholianos 15 minutos de glória não para vender a ilha, mas seus produtos. Na mesma linha se pronunciou o primeiro-ministro Kim Kielsen: "A Groenlândia não está à venda, mas aberta ao comércio e à cooperação com outros países, incluindo os Estados Unidos".

Entre os políticos dinamarqueses, o interesse de Trump foi recebido com escárnio. "Deve ser uma piada do 1º de abril [o Dia da Mentira em vários países] completamente fora de época", disse o ex-primeiro-ministro dinamarquês, e atual líder da oposição, o liberal Lars Løkke Rasmussen, no Twitter. Søren Espersen, porta-voz de Relações Exteriores do Partido Popular Dinamarquês, terceira força parlamentar, também zombou da ideia. "Se for verdade que ele está pensando nisso, é um sinal definitivo de que enlouqueceu. Tenho que lhe dizer o que tem de ser dito: a ideia de a Dinamarca vender 50 mil cidadãos para os Estados Unidos é completa loucura", declarou.

Argumentos de peso

Há argumentos convincentes para que o 45º presidente possa estar interessado em adquirir a Groenlândia, como aqueles recursos naturais abundantes de que o ministério groenlandês falou. Ainda que 60% de seu orçamento seja financiado com subsídios da Dinamarca, o território selvagem é rico em carvão, zinco, cobre e minério de ferro. Mas, acima de tudo, a ilha teria um indiscutível atrativo para os interesses de segurança nacional dos EUA.

Sua posição equidistante entre importantes centros populacionais norte-americanos e soviéticos fez da Groenlândia um cobiçado ativo imobiliário para os estrategistas do Pentágono durante a Guerra Fria. É por isso que em 1946 houve a tentativa de comprar a ilha. Depois de apresentar a oferta em uma reunião em Nova York, o então secretário de Estado, James Byrnes, escreveu em um telegrama, em uma atitude espalhafatosa em termos de diplomacia, que foi "recebida como um choque" pelo chanceler dinamarquês. Cinco anos depois, os dois países assinaram um tratado que permitiu ao Pentágono construir uma base aérea na ilha, sua instalação militar mais setentrional.

Concluída a Guerra Fria, hoje a Groenlândia também é palco das disputas de poder entre os EUA e a China, que há anos vem tentando colocar um pé no território, à base de investimentos. O Pentágono, relata The Wall Street Journal, conseguiu impedir no ano passado que os asiáticos financiasse três aeroportos na ilha.

Em maio, a escalada da crise com o Irã forçou o secretário de Estado, Mike Pompeo, a cancelar a visita que planejava fazer à Groenlândia quando retornasse de uma viagem à Europa. "Estamos preocupados com as atividades de outras nações, incluindo a China, que não compartilham nossos mesmos compromissos", disse um alto funcionário do Departamento de Estado.

A ilha, além do mais, tem um importante valor científico para o estudo dos efeitos das mudanças climáticas. As ameaças às suas geleiras e a elevação do nível do mar equiparam a Groenlândia, segundo um especialista citado pelo The Washington Post, a "um canário em uma mina de carvão". Mas, como repetidamente mostrou, essa não é a prioridade política de Trump.

O presidente terá a oportunidade de falar sobre essa e outras coisas em sua primeira visita à Dinamarca, marcada para o início de setembro. Está previsto que será recebido pela primeira-ministra, Mette Frederiksen, assim como pelos líderes da Groenlândia e das Ilhas Faroe. Também encontrará a rainha Margarida II, que, pelo menos por enquanto, é a única chefe de Estado dos groenlandeses.

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