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Chega ao fim a coalizão populista de governo da Itália

A união entre dois partidos aparentemente incompatíveis, a legenda antissistema Movimento 5 Estrelas e a ultradireitista Liga, desintegrou-se em pouco mais de 14 meses

Luigi Di Maio, nesta sexta-feira, rumo ao palácio Chigi em Roma.
Luigi Di Maio, nesta sexta-feira, rumo ao palácio Chigi em Roma.Giuseppe Lami (AP)
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A estranha coalizão na Itália entre a legenda antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) e a ultradireitista Liga colocou a guinada populista no centro da Europa. Inseriu o país num experimento político inédito em sua história recente e sem paralelo na União Europeia (UE), com um Executivo oriundo da aliança de dois sócios aparentemente incompatíveis: um xenófobo, soberanista, próximo da ultradireita e que deixou de lado seu passado regionalista com Matteo Salvini, e outro populista, com uma base antissistema ou antiestablishment, ambientalista e com ênfase nas medidas sociais e ao mesmo tempo crítico da imigração.

Em seu discurso comum, após pactuar a coalizão no início de junho de 2018, as duas forças batizaram o fruto da união de “a Terceira República” e “o Governo da mudança”. A jogada do líder da Liga, o vice-premiê e ministro do Interior Salvini, que apresentou nesta sexta-feira uma moção de censura contra o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, pôs fim ao ensaio, que durou pouco mais de um ano e dois meses.

O colapso da coalizão voltou a acionar o laboratório político italiano para conter uma crise que havia se transformado há tempos na crônica de uma ruptura anunciada. A solução, a priori, passa pela busca de uma nova maioria que permita que Conte continue a legislatura, ou pela antecipação das eleições.

Não é a primeira vez que existem dois ou até seis Governos diferentes numa legislatura. Ao contrário: isso é absolutamente comum num país que desde 1943 teve 19 legislaturas e 71 Executivos.

A Liga já havia tido experiência de governo. Sob a batuta de seu líder anterior, Umberto Bossi, participou de quase todos os Executivos de Silvio Berlusconi, com quem a antiga Liga Norte manteve uma histórica relação de amor e ódio. Salvini mudou o envoltório do velho partido regionalista, retirando seu mítico sobrenome e as ambições regionalistas para conquistar o sul. Para o M5S, por sua vez, esta foi sua primeira experiência no topo do poder. Surgiu da antipolítica com o comediante Beppe Grillo e não se define nem de esquerda nem de direita, embora em sua última etapa tenha se inclinado consideravelmente por esta última, com correntes internas quase contrapostas. A legenda foi forjada no calor da insatisfação popular durante a última etapa do Governo de Berlusconi e soube canalizar a irritação de muitos italianos em relação à política.

Mas sua popularidade, tendo Luigi Maio como máximo líder e vice-primeiro-ministro, despencou desde que chegou ao Governo. Quase de forma proporcional à ascensão de Salvini, que, apesar de ser o sócio minoritário, desde o primeiro momento ergueu-se como o homem forte do Executivo, submetendo seus aliados e impondo a maioria de suas exigências. Conseguiu isso sobretudo em matéria migratória, com a aprovação de duas leis que endurecem o tratamento aos requerentes de asilo e castigam as ONGs de resgate no Mediterrâneo. Salvini também se impôs na infraestrutura, ao conseguir apoio para as obras do trem de alta velocidade entre Turim e Lyon, apesar da oposição do M5S. As posturas irreconciliáveis em torno do projeto desferiram o golpe final à coalizão.

O experimento italiano de juntar o populismo de direita e o de esquerda começou com um acordo in extremis depois de uma primeira tentativa fracassada de formar governo com um ministro da Economia eurocético, um passo vetado pelo presidente da República, Sergio Mattarella. A gestão conjunta foi marcada pela perda total do pudor político para ventilar as posturas mais radicais.

Posturas radicai

A coalizão também se caracterizou por uma política internacional próxima à Administração de Donald Trump, uma abertura e um apoio sem precedentes à Rússia de Vladimir Putin, e uma tensão com Bruxelas, que recomendou a abertura de um processo de infração contra a Itália pelo nível da dívida pública e não viu com bons olhos a sua entrada na Nova Rota da Seda promovida e financiada por Pequim. Somaram-se a isso conflitos com parceiros como França e Espanha.

Em maio, a vitória contundente da Liga e o naufrágio do M5S nas eleições europeias marcou a guinada rumo ao fim da coalizão. Os últimos tempos da viagem comum foram turbulentos, com disputas, insultos e retificações constantes. Entre os aliados reinava a crispação, e a busca de um inimigo havia chegado ao extremo. Primeiro foram as ONGs que resgatavam migrantes no Mediterrâneo, às quais Salvini fechou os portos para desafiar a UE. Depois foi Bruxelas, que colocou o país à beira das sanções por seus orçamentos expansivos. E, em algumas ocasiões, foi a imprensa, acusada por ambos de tentar provocar a queda do Governo. Finalmente, os inimigos acabaram sendo eles mesmos.

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