_
_
_
_
_
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A Amazônia irá salvar os direitos humanos?

Inesperadamente, pode ser a Amazônia a oferecer o salva-vidas a um país em naufrágio pelas políticas fascistas

Imagem de setembro de 2017 de região desmatada na região da Amazônia brasileira.
Imagem de setembro de 2017 de região desmatada na região da Amazônia brasileira. CARL DE SOUZA (AFP)
Mais informações
A necropolítica como regime de governo
É injusto acusar movimentos sociais de “judicializar a política”

As árvores da Amazônia estão caindo, líderes indígenas estão sendo mortos. Presidente Bolsonaro compara a floresta Amazônica “a uma virgem que todo tarado de fora quer”, e desautoriza os dados e evidências de cientistas que provam o vertiginoso crescimento do desmatamento. No lugar de cientistas sérios, assumem burocratas subservientes que dizem “aquecimento global não é minha praia” e concordam com a censura governamental de que “dados alarmistas” serão revisados pelo Governo antes de serem públicos. As políticas autoritárias e depredatórias de Bolsonaro foram capa da The Economist e tema de um artigo provocador de Stephen Walt, professor de relações internacionais da Universidade de Harvard, na Foreign Policy.

Walt pergunta “quem irá salvar a Amazônia?”, e parte de uma cena fantasiosa de política internacional de 2025, em que o futuro presidente dos Estados Unidos ameaçaria invadir o Brasil para evitar uma catástrofe global. A provocação é sobre o uso de sanções militares, econômicas e políticas aplicadas a países em crises humanitárias (como anunciou recentemente o presidente Trump à Venezuela), caso se mantivessem as políticas ambientais depredatórias no Brasil. Se a Amazônia é de interesse global e sua destruição terá efeitos para além das fronteiras do país, a analogia parece servir: assim como o direito internacional reconhece a legitimidade do uso da força para salvar povos em extermínio, similarmente o faria para recuperar um bem que é de interesse da humanidade, o meio ambiente.

“Diferentemente de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto”, atesta Walt, que cuida de não fazer uma defesa explícita da intervenção militar, mas de operar no campo hipotético entre o uso legitimado da força para proteger direitos humanos de populações ameaçadas, como ocorre na Síria, ou analogicamente para salvar o meio ambiente. Walt sabe que não é só a história que o separa da realidade de um enfrentamento de potências globais contra o Brasil: é o que descreve como “paradoxo cruel” — os países que mais ameaçam o meio ambiente são também grandes potências nucleares ou econômicas, como China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia.

O paradoxo é ainda mais cruel do que traça Walt: poder militar e econômico determinam o silêncio sobre políticas ambientais e de direitos humanos. Não por coincidência que muitas das potências militares-econômicas que ameaçam o meio ambiente também são violadoras de direitos humanos. Novamente o Brasil de Bolsonaro é um caso paradigmático: a alegoria da floresta Amazônica como uma “virgem” e sua posse como o desejo de um “tarado” estrangeiro denuncia, como diz Jason Stanley, alguns dos sintomas da política fascista, como a “ansiedade sexual” e a “hierarquia” que move a “irrealidade” dos líderes. Mesmo que alinhado a políticas ultraconservadoras globais, como as instauradas na Hungria de perseguição aos estudos de gênero nas universidades, Bolsonaro estabelece sua própria lógica hierarquizante do mundo: “eles” são todos aqueles contra os interesses econômicos e militares que movem sua agenda desenvolvimentista de exploração do meio ambiente e espoliação dos povos indígenas.

É na irrealidade da fantasia fascista que os líderes mentem e promovem a perseguição a cientistas e universidades, o “anti-intelectualismo” descrito por Stanley. Não sem razão que o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil foi demitido após demonstrar o crescimento de 40% no desmatamento da floresta Amazônia nos últimos doze meses. É um dado alarmista e, por isso, “antinacionalista”. Mas, inesperadamente, pode ser a Amazônia a oferecer o salva-vidas a um país em naufrágio pelas políticas fascistas. O papa Francisco se disse preocupado com a “mentalidade cega e destruidora que privilegia o lucro sobre a justiça”, e convocou o Sínodo da Amazônia para definir o papel da Igreja Católica na defesa da floresta e dos povos indígenas. É certo que são diferentes agentes políticos, pois a mesma igreja que promove a homofobia e a misoginia que encanta os líderes ultraconservadores, é a que se lança contra as políticas ambientais predatórias. Por isso, deve haver esperança de que na fragmentação das alianças de poder a Amazônia salve os direitos humanos.

Debora Diniz é brasileira, antropóloga, pesquisadora da Universidade de Brown.

Giselle Carino é argentina, cientista política, diretora da IPPF/WHR.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_