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Dallagnol vai ser investigado por palestras pagas e benesses durante a Lava Jato

Conselho Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar contra procurador de Curitiba por mensagens do 'The Intercept'. Escândalo atinge e divide categoria em meio à sucessão de Raquel Dodge

Sérgio Moro no Roda Viva
Deltan Dallagnol fala no Congresso da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital, no Rio, em 2016.Fernando Frazão/Agência Brasil

A corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu investigar nesta terça-feira o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, e seu colega Roberson Henrique Pozzobon após a "ampla repercussão" das mensagens da chamada #VazaJato, obtidas pelo site The Intercept Brasil e que desde 9 de junho mostram diálogos privados dos procuradores e do então juiz Sergio Moro. Nos capítulos mais recentes, membros do Ministério Público, especialmente Dallagnol, aparecem nas conversas, cuja autenticidade eles questionam, falando sobre como obter lucro ou benesses com a realização de palestras pagas por empresas e entidades interessadas em se associar à imagem da maior ofensiva contra a corrupção na história do país. 

A decisão do corregedor do MP Orlando Rochadel Moreira de acatar uma representação feita pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra os procuradores aprofundou o mal-estar com o escândalo na cúpula da instituição no mesmo dia em que a procuradora-geral, Raquel Dodge, recebeu em Brasília a Dallagnol e a outros integrantes da força-tarefa de Curitiba. Foi uma demonstração de apoio de Dodge à Lava Jato, ainda que discreta –sem declaração pública, apenas com uma nota que elogia o trabalho de Curitiba. "Temos tranquilidade em relação que fizemos. Não ultrapassamos uma linha ética", disse Dallagnol na nota da PGR que foi lida no Jornal Nacional, da TV Globo, antes de ser divulgada a todos os jornalistas.

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A procuradora-geral está em uma saia justa. Antes da abertura do procedimento disciplinar contra Dallagnol, Dodge já digeria a saída do procurador José Alfredo de Paula Silva, que desde setembro de 2017 coordenava o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Silva pediu demissão na sexta-feira alegando questões pessoais, mas, segundo O Globo, o coordenador esperava uma defesa mais enfática da procuradora da atuação dos colegas de Curitiba. A saída do procurador estava prevista para acontecer só em setembro, quando termina o mandato de Dodge.

O problema principal para a procuradora-geral é justamente de timing. O abalo na credibilidade da força-tarefa acontece em meio a troca de comando na PGR. Dodge parece dividida entre se alinhar à ala dos procuradores que defende ferrenhamente a Lava Jato ou criticar Dallagnol e os colegas. Embora não concorra oficialmente pela categoria à permanecer no cargo que ocupa, a procuradora-geral já se mostrou disposta a ficar e não há nenhum impedimento para que o presidente Jair Bolsonaro a escolha, rompendo a tradição de apontar o nome entre os mais votados pelos próprios procuradores. No começo do mês, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) entregou a Bolsonaro a lista tríplice para substituir Dodge. Os mais votados foram os subprocuradores-gerais Mario Bonsaglia e Luiza Frischeisen, e o procurador regional da Blal Dalloul.

Corporativismo e zona cinzenta

Palestras pagas não são uma novidade no Judiciário em geral nem mesmo entre integrantes do Ministério Público, que recebem os salários mais altos pagos no funcionalismo público brasileiro. A discussão sempre gira em torno do que é legal, ético ou acarreta conflitos de interesses. "A imagem social do Ministério Público deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade, mantendo a imparcialidade e relações impessoais com os demais Poderes constituídos”, escreveu o corregedor Rochadel ao aceitar o pedido do PT.

Segundo a representação petista, as mensagens reveladas pelo The Intercept mostrariam uma articulação de procuradores da força-tarefa da Lava Jato “para criar empresa de fachada e simular sua efetiva participação em sociedade comercial”, na qual “não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais, em conluio com suas respectivas cônjuges”. O partido também acusa os procuradores de “desvio de função de servidores da Procuradoria da República em Curitiba para a prática de atividades pessoais de palestrante”, além de falta com o decoro “ao menosprezar a ação de órgãos correcionais, ao ser alertado sobre as possíveis consequências destas condutas”.

O despacho determina a instauração de “reclamação disciplinar”, e dá um prazo de dez dias para que Dallagnol e o procurador Roberson Henrique Pozzobom apresentem seu lado sobre a questão. Moreira também afirma que será “necessária análise preliminar do conteúdo veiculado pela imprensa, notadamente pelo volume de informações constantes dos veículos de comunicação”.

Nesta terça-feira, o volume ganhou um adendo: a coluna da Monica Bergamo na Folha de S. Paulo divulgou que Dallagnol também pediu – além de um cachê de 30.000 reais para dar uma palestra sobre combate à corrupção na Federação das Indústria do Ceará, em julho de 2017 – passagem e hospedagem no Beach Park Resort, de Fortaleza, para ele, sua mulher e seus dois filhos. “Posso pegar [a data de] 20/7 e condicionar ao pagamento de hotel e de passagens pra todos nós”, disse Dallagnol a sua esposa, em mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas pela Folha de S. Paulo.

Ainda de acordo com a publicação, Dallagnol teria comemorado em conversa com o juiz Sergio Moro, o fato de não ter sofrido punição de órgãos de fiscalização por dar palestras. “Não sei se você viu, mas as duas corregedorias – [do] MPF [Ministério Público Federal] e [do] CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] – arquivaram os questionamentos sobre minhas palestras dizendo que são plenamente regulares”, publicou a coluna.

Esta não é a primeira vez que o PT faz uma representação contra Dallagnol. Em 2017, o CNMP arquivou um pedido feito pelos deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Nemer (PT-RJ) para que fossem apurados a conduta do procurador por suposto desenvolvimento de atividade comercial por meio de palestras.

O CNMP informou que não tem ato normativo que trate especificamente da realização de palestras por membros do Ministério Público. Mas, na época, considerou que Dallagnol “não falou sobre assuntos sigilosos e que o dinheiro das palestras foi, na maioria, destinado à filantropia”, e que, portanto, “as palestras foram ministradas de modo lícito”. Além disso, o colegiado entendeu que Dallagnol não podia ser considerado empresário porque não se enquadra no artigo 966 do Código Civil, que determina como empresário “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), por outro lado, interpreta que seus membros podem ministrar palestras porque tal atuação se insere no conceito de docência, “que é autorizado aos membros do Ministério Público pela Constituição Federal, pelas leis dos Ministérios Públicos e pela Resolução CNMP nº 73/2011”. A entidade destaca ainda que, no Judiciário, o entendimento é semelhante.

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