Estados investem em vigilância nas escolas e alunos como mediadores para inibir violência
O EL PAÍS conversou com 15 secretarias estaduais e levantou que as soluções para inibir situações violentas vão de notas para comportamento dos estudantes a parcerias com agentes de segurança
Duas tragédias escolares marcaram o Brasil. Em 7 de abril de 2011, um ex-aluno, Wellington Menezes, entrou na Escola Municipal Tasso de Silveira, e matou 12 crianças. A escola fica em Realengo, zona oeste do Rio. Oito anos depois, o país assistiria atônito a mais um ataque gratuito, na escola Estadual Raul Brasil que matou oito pessoas na cidade de Suzano, na grande São Paulo. Massacres como esses são casos extremos. Mas há um problema crônico que assola as escolas brasileiras: a violência cotidiana. No país em que 69% dos estudantes afirmam ter presenciado alguma situação de violência no chão da escola —segundo dados do Diagnóstico Participativo da Violência nas Escolas—, as políticas desenvolvidas pela maioria dos Estados focam principalmente em ações de segurança ostensivas e ainda patinam em soluções com o intuito de melhorar a convivência escolar, apontadas por especialistas como mais eficazes para enfrentar o problema a longo prazo. Um ano depois que a lei federal 13.663/2018 obrigou expressamente o poder público a desenvolver ações para combater todos os tipos de violência nas escolas —da agressão ao bullying—, as ações desenvolvidas pelos Estados envolvem medidas difusas que vão da criação de aplicativos para controlar a presença do aluno na escola e instalação de sistemas de vigilância 24 horas até ações de educação socioemocional e mediação escolar.
Há três anos, o Distrito Federal implementou um formulário online preenchido em parceria com a Polícia Militar para identificar os principais tipos de violência que acontecem nas escolas e pensar soluções para reduzir as estatísticas. Os dados são mantidos em sigilo, mas sinalizam que as turmas de Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) são as mais violentas, conta a secretária executiva de Educação do DF, Janaína Almeida, sem citar cifras específicas. Uma pesquisa do Sindicato dos Professores do DF lança luzes sobre o tamanho do problema: segundo o levantamento, 97% dos profissionais que atuam em escolas públicas já presenciaram situação de violência dentro das instituições.
Para reverter o cenário, o Distrito Federal tem apostado em medidas polêmicas, como um regimento escolar rígido, que permite por exemplo a revista aos pertences dos estudantes por funcionários das escolas. "Em relação à parte pedagógica, reformulamos o regimento escolar com um rigor maior para a disciplina. Também teremos uma nota para o comportamento. O estudante que se sai bem e que tem uma conduta elogiosa, recebe pontos. Nós acreditamos que assim acabaremos com a cultura da impunidade. Correndo o risco de perder pontos e influenciar na nota final, acreditamos que o estudante mudará sua conduta", explica Janaína. As novas regras começam a valer no segundo semestre deste ano. A secretária também conta que será implementado um aplicativo para que os pais possam monitorar o tempo que os filhos permanecem na escola através dos registros de entrada e saída nas instituições por meio de um cartão personalizado com um código de barras.
Ações de patrulhamento, implantação de sistema de vigilância 24 horas e parcerias com agentes de segurança para dar palestras e cursos são as políticas mais comuns adotadas para combater e prevenir a violência escolar no Brasil, segundo levantamento feito pelo EL PAÍS — que procurou as secretarias de educação dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal para entender como os Governos vêm preparando as escolas brasileiras para lidar com o problema. Ao todo, 15 gestões responderam às solicitações da reportagem. Em Sergipe, por exemplo, a gestão estadual implementou um sistema de monitoramento em tempo real em 48 escolas para reduzir as estatísticas de arrombamentos e furtos. Já Goiás estuda um protocolo de segurança para ser seguido pela comunidade escolar, com um contato direto por Whatsapp entre os profissionais das escolas e os agentes de segurança.
"Esses mecanismos atuam para conter a violência nas escolas, mas agem nas consequências e não nas causas", afirma a doutora em Educação pela Unicamp, Telma Vinha. Ela pondera que ações para coibir a violência dura nas escolas são necessárias, mas defende que o poder público precisa ir além deste modelo "reativo" de atuação para lidar com o problema de forma mais ampla, com ações de planejamento para a melhoria da convivência e do clima escolar. "O objetivo principal [dessa forma de atuação reativa] é impedir que as condutas negativas ocorram estabelecendo um controle. Desobriga a escola de rever-se como também produtora da violência institucional, como por meio de regras abusivas e sem sentido, currículo destituído de significado para os alunos, sanções injustas, manutenção do preconceito entre outros", explica.
Telma Vinha afirma que estudos nacionais e internacionais apontam que o que mais tem crescido na escola não são os chamados casos de violência dura, mas a indisciplina. Ela defende a importância de um levantamento regular para que cada Estado possa desenvolver políticas mais efetivas aos seus problemas. "A Lei Antibullying aprovada no ano passado coloca a importância desse monitoramento, mas infelizmente isso ainda não é cumprido por muitos estados", acrescenta.
Nesta perspectiva de tentar mensurar o que de fato se passa no ambiente escolar, Santa Catarina é um dos estados que apresentam um sistema mais detalhado, coordenado por um núcleo de prevenção à violência. Esse sistema aponta que, no Estado, a violência verbal, agressões físicas e bullying dominam as ocorrências no chão da escola. Os principais motivos dos conflitos são incivilidade, vandalismo e preconceito. Os dados também indicam que a sala de aula é o local onde há mais incidência de casos, envolvendo principalmente estudantes dos últimos anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. O levantamento feito com as gestões estaduais pelo EL PAÍS, no entanto, mostra que grande parte dos estados não consegue armazenar dados e fazer esse tipo de diagnóstico.
"A gente não tem muito acesso ao que de fato acontece nas escolas porque os registros, quando feitos, ainda são considerados burocráticos. Muitas vezes são registros de encaminhamentos de ações que indicam uma terceirização do problema para as diretorias de ensino, conselho tutelar ou órgãos de segurança", alerta a pesquisadora Luciene Tognetta. Para ela, as escolas precisam se preparar para resolver internamente seus conflitos. Para isso, aponta, o poder público precisa garantir os recursos humanos necessários e desenvolver ações que ensinem os jovens a agir de forma assertiva. "Precisamos formar professores que saibam como ajudar os jovens nisso. Isso não quer dizer que vou esquecer dos órgãos de segurança ou do atendimento psicológico, mas temos que criar redes de apoio porque quem está na base dessas ações é a escola. Temos que parar de terceirizar os problemas", defende. "Que atividades a gente faz com os alunos pra colocar na pratica ações socioemocionais? Como organizar o cotidiano para que possam se sentir respeitados e pertencentes a esses espaços", questiona a pesquisadora.
Uma ação que tem apresentado resultados nas escolas, informa Tognetta, são os projetos que colocam o próprio aluno como protagonista na mediação de conflitos nas escolas. Estados como Ceará, Bahia, Mato Grosso e Minas Gerais afirmam desenvolver ações nesta perspectiva. A pesquisadora pondera, no entanto, que a implantação da mediação escolar também requer formação dos profissionais para que eles saibam como solucionar os conflitos por meio de um trabalho que seja organizado e sistemático. "A formação é fundamental para a implantação de políticas contínuas, que durem mais de um semestre ou o dia da paz", afirma.
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