Filho e neto de desembargadores, juiz do caso Flávio Bolsonaro já foi alvo da esquerda
O juiz Flávio Itabaiana sofreu críticas por condenar ativistas envolvidos em protestos de 2013 e 2014
Representante da quinta geração de uma família de magistrados considerados linha-dura, o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau ganhou notoriedade ao condenar 23 ativistas por “associação criminosa” em protestos de 2013 e 2014 contra a Copa do Mundo no Brasil, os Jogos Olímpicos do Rio, a presidência de Dilma Rousseff (PT) e o governo de Sérgio Cabral (PMDB). Coube ao tribunal de Itabaiana a tarefa de julgar grupos identificados pela polícia de Cabral como responsáveis por atos violentos em manifestações que buscavam alterar os rumos do país, embora nunca tenha sido especificado qual liderança praticou ou organizou qual ato violento.
Cinco anos depois dos protestos, a sentença dos 23 ativistas acabou anulada depois de sofrer críticas, mas Itabaiana voltou aos holofotes. Virou o juiz responsável por analisar as movimentações atípicas de dinheiro do senador Flávio Bolsonaro (PSL), o primogênito do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que se elegeu com o pai e os irmãos com um discurso linha-dura contra a corrupção. Ironicamente, as suspeitas contra o filho do presidente surgiram das investigações dos esquemas de propinas do ex-governador Sérgio Cabral, em um desdobramento regional da Operação Lava Jato. No meio de outras transações atípicas de parlamentares, foram pescadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) as entradas e saídas de 1,2 milhão de reais das contas bancárias do ex-policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo da família Bolsonaro, enquanto o senador teve 48 depósitos suspeitos, totalizando 96.000 reais, em suas contas bancárias. Queiroz já admitiu que recebia de volta parte dos salários dos funcionários lotados no gabinete de Flávio e os promotores buscam mais provas para esclarecer se o senador foi beneficiado pelo desvio de dinheiro público.
Depois do caso ficar quase nove meses parado no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de promotores tomou a primeira medida judicial para avançar no caso e pediu a quebra dos sigilos fiscais e bancários do senador e de outras 85 pessoas e nove empresas supostamente ligadas a ele. O objetivo é rastrear quanto foi desviado e apropriado por Queiroz e, eventualmente, por Flávio. Itabaiana ordenou as quebras de sigilo, mas o caso ainda está longe de virar uma ação penal.
Trineto do desembargador José Joaquim Itabaiana de Oliveira, bisneto do desembargador Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira, neto do desembargador Aires Itabaiana de Oliveira e filho do desembargador Clarindo de Brito Nicolau, Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau trabalhou como engenheiro elétrico antes de entrar na magistratura em 1995. Desde então, ganhou fama de conservador, rigoroso e workaholic entre colegas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Isso se deve não só a sua postura em audiências, mas também a penas aplicadas em casos como as condenações de quadrilhas de traficantes da Ladeira dos Tabajaras, favela da Zona Sul do Rio, e de operadores na Operação Lava Jato, como o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada e o lobista João Augusto Henriques.
"Ele é um juiz bastante duro, mas é honesto com as próprias convicções”, avalia o advogado Alexandre Lopes de Oliveira, que defendeu réus da Operação Lava Jato em processos julgados por Itabaiana, Sérgio Moro e Marcelo Bretas.
Alvo da esquerda
Itabaiana já reclamou a colegas de tribunal do fato de terem sido rejeitadas as queixas em juizados especiais cíveis que o magistrado fez contra os ex-parlamentares Chico Alencar (PSOL) e Jean Wyllys (PSOL), e os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB) e Ivan Valente (PSOL). Eles tinham denunciado o magistrado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela sua atuação no processo dos 23 ativistas envolvidos nos protestos de junho de 2013 — entre eles, Elisa Quadros Pinto Sanzi, a Sininho. Itabaiana alegou que as queixas e declarações dos parlamentares lhe provocaram danos morais, mas o argumento foi rejeitado pelo juiz responsável.
“Itabaiana é rigoroso e preparado, mas não é justiceiro”, diz o advogado Sérgio Cavalieri Filho, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio.
Em sua dissertação de mestrado, Itabaiana abordou a necessidade de uma duração razoável nos processos penais. Argumentou que, para a Justiça ser efetiva, prisões não podem durar indefinidamente sem sentença condenatória. “O trabalho vem a preencher importante vazio que existia na doutrina brasileira, com a nota de apresentar um enfoque prático na abordagem do tema”, afirmou o desembargador federal Guilherme Calmon, seu orientador, ao EL PAÍS.
Embora a investigação contra o primogênito de Bolsonaro pareça avançar em tempo hábil, isso não significa que Itabaiana tenha se transformado de alvo a queridinho da esquerda carioca. O caso do senador não é tratado como uma iniciativa voluntarista de promotores ou do juiz. “No caso do Bolsonaro, acho que o senador deu uma bola fora, porque ele investiu pesado contra o Ministério Público. Comprou uma guerra achando que ia intimidar e o que aconteceu foi exatamente o contrário”, afirma o deputado estadual Carlos Minc (PSB). Sobre a atuação do juiz, Minc adota parcimônia: “Hoje em dia, essas questões sempre acabam indo para um colegiado de juízes”, acrescentou.
A rigor, o caso de Flávio não atinge somente o futuro político do senador, mas também pode alcançar o futuro do presidente da República. Isso porque Queiroz fez pagamentos de 24.000 reais para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. O presidente justificou que esse dinheiro era, na verdade, um empréstimo de Queiroz para ele, não para sua esposa. A versão do presidente pode complicá-lo no futuro. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça já tornou majoritário o entendimento de que qualquer quantia desviada pode motivar uma condenação por crimes contra a administração pública e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro já argumentou à Justiça que era “evidente” o desvio de recursos no caso de Queiroz e de Flávio. Jair Bolsonaro não pode, no entanto, ser processado enquanto for presidente da República por atos anteriores ao exercício do mandato. Mas, o caso a ser julgado por Itabaiana será rememorado pelos adversários políticos do presidente por todo o mandato.
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