_
_
_
_

Uma polêmica constrangedora para a Nike

Estrelas do esporte feminino nos EUA, como Allyson Felix, denunciam a redução nos contratos com a marca depois de se tornarem mães

Yolanda Monge
Allyson Felix, em 2017, em Birmingham
Allyson Felix, em 2017, em BirminghamCordon press

Poderoso, emotivo, inspirador. “Just do it.” Mas a glória pode ser efêmera quando a mensagem não é real e só busca aproveitar a crista da onda de um movimento imparável para vender algo tão simples – mas lucrativo – como calçados esportivos. O anúncio feminista da Nike foi definido como uma carta de amor visual a todas as mulheres que se atrevem a romper barreiras. É narrado por Serena Williams, e o fio condutor é um conceito em suas diversas acepções: “Louco, loucura”; “Sonhe o impossível”. “Se demonstramos emoção, nos chamam de dramáticas”, diz Williams. “Se queremos competir contra os homens, loucas. Se pretendermos igualdade de oportunidades, é que deliramos. Se brigarmos pelo que é justo, somos desequilibradas. Se nos irritamos, somos umas histéricas ou estamos malucas.”

A voz de Williams é enérgica, robusta, corajosa. E as imagens ainda mais. Mulheres que suam e deixam sangue e lágrimas no caminho para chegar aonde desejam em um mundo, como tantos outros, majoritariamente masculino. Mulheres que a Nike incentiva a não parar. Diz a própria Serena Williams: “Ganhar 23 slams, ter um bebê e voltar [às quadras de tênis] querendo mais”. Louco.

Mais informações
“Mostre o que as loucas podem fazer”: o anúncio da Nike sobre as mulheres no esporte
Nike arrecada 24 bilhões de reais com campanha antirracista apesar de boicote
Mary Karr: “Enquanto você é amável, os homens te protegem. O minuto em que deixa de ser, começa a batalha”

Louco, louco, louco. E aí radica o problema: na loucura de querer desenvolver-se em ambos os mundos, o profissional e o pessoal. Em querer ser mãe quando você está no topo, quando está batendo recordes e... quando a Nike a contrata para vender sua marca. E depois a pune se você tira uma licença-maternidade. Aí estava a linha vermelha do just do it (“simplesmente faça”). Essa era a linha invisível que a Nike havia traçado e que acaba de ser exposta por diversas atletas que estão na folha de pagamento da marca esportiva.

A primeira a denunciar o que considerava ser uma hipocrisia foi Alysia Montaño, atleta olímpica e tricampeã norte-americana em provas de média distância. Com oito meses de gestação, ficou conhecida como “a corredora grávida”. Mas descobriu que seu desejo de ser mãe causou-lhe uma considerável redução salarial por parte da empresa que a patrocinava, e sem direito a licença-maternidade. Sua reação foi explosiva e pública, através do jornal The New York Times. O título da reportagem não poderia ser mais explícito: “A Nike me disse para ter sonhos loucos, até que eu quis um bebê”.

Depois, somaram-se a Montaño a também corredora olímpica Kara Goucher e uma dúzia de outras atletas, agentes e pessoas familiarizadas com uma indústria multimilionária, que elogia as mulheres publicamente por quererem formar uma família, mas que nos contratos privados não lhes garante um salário durante sua maternidade e os meses posteriores ao parto. O NYT também foi o veículo escolhido por uma estrela do atletismo norte-americano, Allyson Felix, para fazer sua denúncia. Única mulher a ganhar seis ouros olímpicos no atletismo, publicou nesta quarta-feira, 22, um artigo no jornal nova-iorquino dizendo que a Nike lhe ofereceu um contrato de menor valor depois que ela decidiu ser mãe, em 2018.

“As atletas têm muito medo de dizerem publicamente que se tivermos filhos corremos o risco de nossos patrocinadores reduzirem nosso salário durante a gravidez e depois", escreveu Felix no Times. "É um claro exemplo de uma indústria esportiva em que as regras parecem majoritariamente feitas por homens", acrescenta ela no artigo. Felix diz que a Nike, ao saber da sua gravidez, lhe ofereceu um novo acordo 70% inferior ao anterior. "Se acham que é isso que eu valho agora, aceito", disse. Mas impôs uma condição: Felix fazia uma advertência à Nike e pedia garantias de que não seria penalizada se rendesse abaixo de seu nível nos meses imediatamente anteriores e posteriores ao parto. A resposta da empresa esportiva foi negativa, e Felix não tinha como não se perguntar: “Se eu, uma das atletas mais comercializadas da Nike, não podia conseguir essas proteções, quem poderia? A Nike recusou. Estamos parados desde então", finaliza.

A Nike respondeu às críticas na semana passada afirmando que estabelecerá salários-padrão para as atletas durante a gravidez, e reconheceu que a companhia podia “ir além". A empresa não respondeu aos contatos feitos por este jornal. O assunto chegou ao Congresso dos Estados Unidos, onde dois legisladores pediram ao diretor-executivo da Nike, Mark Parker, que esclareça a postura discriminatória da empresa. Recordem, Serena Williams – em cujo contrato a Nike não mexeu uma só palavra quando ela engravidou – deixa muito claro no vídeo publicitário ao avisar: “Querem loucura? Então, vamos mostrar a vocês o que as mulheres com sonhos loucos somos capazes de fazer”.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_