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Como a vitória dos socialistas nas urnas muda o cenário político espanhol

Pedro Sánchez, o atual premiê, é o único em condições de formar Governo. Direitista PP sofre derrota histórica e Ciudadanos se apresentam como oposição

Carlos E. Cué
Pedro Sánchez acena para simpatizantes na sede do PSOE, em Madri
Pedro Sánchez acena para simpatizantes na sede do PSOE, em MadriJaime Villanueva

Apenas dois anos depois de ser destituído da liderança do seu partido e de retornar como vencedor das suas segundas primárias, Pedro Sánchez venceu as eleições gerais deste domingo na Espanha com uma contundência maior do que se esperava. Chegou inclusive a roçar o resultado sonhado: somar uma maioria sem necessidade de contar com os independentistas catalães – faltará um deputado para isso. O presidente tem agora uma posição política muito cômoda, com a oposição bastante enfraquecida pelo afundamento clamoroso do direitista PP, com quase o dobro da sua bancada. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, de Sánchez) ficou a um assento de somar a maioria absoluta com o esquerdista Unidas Podemos, o partido regional basco PNV e algum outro grupo pequeno. Em todo caso, bastaria uma abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha para que Sánchez fosse investido presidente em segunda votação. O PSOE terá maioria absoluta no Senado, outro trunfo.

Após a vitória, o PSOE já pensa no próximo Executivo. A vice-presidenta do Governo, Carmen Calvo, disse que o partido “vai tentar um Governo solo", o que está em linha com o que foi dito por Pedro Sánchez, durante a campanha. O presidente reiterou nas últimas semanas que sua opção preferida era continuar como chefe de um Executivo "solo", no qual haveria espaço para "independentes de reconhecido prestígio". No entanto, em entrevista ao EL PAÍS, ele disse que formar um Governo de coalizão com o Unidas Podemos não significaria "nenhum problema". O candidato derrotado desta coligação, Pablo Iglesias, após saber o resultado das eleições, disse que seu partido é "essencial para que haja um governo de esquerda”. Por sua vez, o Cidadãos, fechou a porta para qualquer negociação para investir Sanchez como presidente.

Com 99,99% dos votos apurados, o PSOE soma 123 deputados (28,70% do total de 350), e o Unidas Podemos tem 42. O PP ficava com apenas 66 assentos (16,68%), um desabamento sem paliativos em relação aos 135 que elegeu em 2016; o centro-direitista Cidadãos subiu para 57 (15,84%), e o ultradireitista Vox entra no Congresso com 24 (10,26%). A ERC elegeu 15 deputados, uma ascensão importante, o que pela primeira vez coloca o partido como vencedor das eleições gerais na Catalunha, quase empatado com os socialistas. O nacionalista e centrista Juntos pela Catalunha caiu para 7 deputados, e os moderados bascos do PNV subiram para seis. Outro partido basco, o Bildu, dobrou sua representação anterior e ficou com quatro assentos.

Com este resultado, demolidor para uma direita fracionada em três, o PSOE é o único que tem condições de construir uma maioria e formar o Governo. O sucesso do Cidadãos, que esteve bem perto de arrebatar do PP a liderança da direita, lhe permitiria teoricamente compor essa maioria absoluta com os socialistas, mas seu dirigente Albert Rivera já descartou essa possibilidade, o que lhe condena a permanecer na oposição. Se havia alguma chance dessa aliança ocorrer, os próprios militantes do PSOE se encarregaram de complicá-la. “Com Rivera não! Com Rivera não!”, gritavam, eufóricos, os militantes socialistas para Sánchez na sede do partido, na rua Ferraz, em Madri. “Acho que ficou bastante claro, não?”, respondeu ele, sorridente. “Os espanhóis querem claramente que o PSOE governe e lidere o país”, clamou. “Não é não”, responderam seus seguidores, recordando seu lema quando se negou a apoiar a investidura de Mariano Rajoy e acabou destituído da liderança do PSOE.

Na batalha dos dois blocos que marcou estas eleições, a esquerda ganhou com contundência: PSOE e Unidas Podemos somaram 18 assentos a mais que PP, Cidadãos e Vox. Os partidos regionais serão o fiel da balança, como já ocorreu em eleições anteriores no fragmentado quadro político espanhol.

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A noite desastrosa para o bloco da direita forçará a uma recomposição interna e abalou a posição de Pablo Casado, que disputava pela primeira vez a chefia de Governo e levou o PP ao pior resultado da sua história, bem abaixo até mesmo das suas previsões mais catastróficas. Nove meses depois de alcançar a liderança do tradicional partido direitista, Casado é o maior derrotado destas eleições e sofrerá muito para resistir à maré interna contra si. A estratégia de direitização dos populares foi desastrosa, porque o partido perdeu votos ao centro para o Cidadãos, mas também de forma maciça à direita por causa do Vox. Sem admitir perguntas, algo inédito nas suas aparições públicas, Casado disse que era "um péssimo resultado", mas culpou a "fragmentação do voto" e se mostrou disposto a continuar à frente do partido. O PP tratará agora de frear o afundamento nas eleições municipais e regionais de 26 de maio, mas Alberto Núñez Feijóo, a eterna alternativa que aposta numa linha menos direitista, encarregou-se de recordar na noite de domingo na Galícia que o Vox e o Cidadãos foram freados nessa disputa interna.

A extrema direita de Santiago Abascal, grande protagonista da campanha, entra de forma contundente no Congresso, com 24 parlamentares, mas seu partido, o Vox, não será decisivo na formação do novo Gabinete e ficou bem aquém dos prognósticos mais ousados das pesquisas. Terá a quinta maior bancada e pouca capacidade de influência. Mesmo assim, a Espanha deixa de ser o único grande país importante da Europa sem a presença de um partido forte de extrema direita no Parlamento, embora mantenha essa opção fora do poder, ao contrário do que acontece na Itália.

O PSOE obteve um resultado mais baixo do que previam as pesquisa há algumas semanas, mas o afundamento do PP fez esquecer rapidamente essa amargura, e a noite se transformou em uma festa para os socialistas e em um velório para os populares, com a rua Génova, onde fica a sede do PP, completamente vazia.

O PSOE recupera uma clara hegemonia na esquerda, que tinha perdido em 2015. Em 2016, o partido esteve perto de ser ultrapassado pelo Podemos, ao passo que agora sua bancada será mais do que o dobro da de Pablo Iglesias. Há um ano, quando Sánchez ainda era o líder da oposição, caía pelas tabelas nas pesquisas. Agora está no palácio de La Moncloa, e o PSOE volta a ser, pela primeira vez desde 2008, o indiscutível primeiro partido da Espanha, com uma enorme diferença de quase 60 deputados sobre o segundo colocado.

O Unidas Podemos conseguiu dissipar os piores presságios sobre seu afundamento e reduziu a sangria fazendo uma bancada de 42 deputados, o que lhe fortalecerá em sua aspiração de entrar num Governo de coalizão. Apesar de perder quase 30 parlamentares, o resultado dá oxigênio ao seu líder, Pablo Iglesias, que conseguiu mais uma vez melhorar as expectativas numa campanha centrada absolutamente nele, depois de três meses desaparecido por sua licença-paternidade. Ele se destacou nos dois debates televisivos da semana passada, e inclusive venceu o segundo com clareza. Pela primeira vez desde a recuperação da democracia, em 1977, poderá haver ministros de um partido à esquerda do PSOE. Em sua primeira fala, Iglesias declarou que já havia conversado com Sánchez, a quem disse que considerava o resultado de domingo “suficiente para construir um Governo de coalizão de esquerda”.

O Cidadãos é outro dos grandes vencedores da noite, embora seu sucesso possa ser inútil. Apesar da irrupção do Vox, a formação de Albert Rivera conseguiu ampliar sua bancada em 25 deputados, ficando apenas 9 atrás do PP. Rivera também eliminou a expectativa de que poderia se desinflar depois de tomar a arriscadíssima decisão de descartar taxativamente um acordo com o PSOE.

O partido de Rivera se torna agora uma referência ainda mais clara no espectro da centro-direita. Mas não conseguiu somar maioria no bloco da direita, que era o seu grande objetivo, e não tem margem para formar Governo com o PSOE, porque Rivera prometeu taxativamente que não o faria. O dirigente parece destinado assim a lutar pela liderança da oposição com um PP em decomposição, que sem dúvida sofrerá grandes tensões internas.

O PSOE voltará portanto a dominar a política espanhola pela primeira vez desde 2011, algo que ninguém teria sonhado nesse partido há apenas um ano, quando Mariano Rajoy governava e os socialistas estavam em baixa nas pesquisas. A situação mudou totalmente quando da moção de censura a Rajoy, em junho de 2018, que afundou o PP e abriu uma guerra sem quartel na direita, ao mesmo tempo em que resultava numa maior sintonia entre as duas formações da esquerda, PSOE e Podemos, desconhecida na história recente da Espanha. O roteirista louco da política espanhola voltou a impor uma virada inesperada.

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