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‘Tears in Heaven’: a tragédia que inspirou uma das canções mais comoventes da história

Março é uma época amarga para Eric Clapton. No final desse mês, em 1991, o músico perdeu seu filho de quatro anos num acidente no quarto de um hotel. Pouco tempo depois, dedicou-lhe uma dolorosa melodia. Esta é a história.

Lory del Santo e Eric Clapton em Londres, em meados dos anos oitenta, antes de terem o filho Conor.
Lory del Santo e Eric Clapton em Londres, em meados dos anos oitenta, antes de terem o filho Conor.Foto: Alamy
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Quase uma década após a tragédia, Lory del Santo ainda não havia escutado Tears in Heaven. É uma música dedicada a seu filho. Evitar uma das melodias mais populares da história do rock (a revista Rolling Stone a coloca no posto 362 das 500 melhores canções de rock) não é fácil. A composição deu a Eric Clapton, seu autor e intérprete, três prêmios Grammy em 1993 (melhor canção, melhor gravação e melhor interpretação vocal pop masculina), além de ser uma das mais tocadas nas rádios em todos os tempos. “Uma vez, quando estava em Amsterdã, colocaram a música no rádio. Ao soarem os primeiros acordes, saí correndo para não ouvi-la”, afirmou Del Santo numa entrevista à jornalista Lisa Sewards em 1999. A modelo italiana é mãe de Conor, o menino homenageado pela canção. Clapton é o pai. Ainda hoje, o músico se comove a cada noite em seus shows (não deixou de interpretá-la desde que foi editada, em 1992) com estes versos dedicados a Conor: “Você saberia meu nome se eu te visse no céu?/As coisas seriam iguais se eu te visse no céu?/ Devo ser forte e seguir em frente/Porque sei que não pertenço ao céu.”

A tragédia que teve como resultado Tears in Heaven aconteceu numa manhã de março de 1991. Lory del Santo (Itália, 1958) e Conor tinham ido visitar Eric Clapton (Reino Unido, 1945) em Nova York para passar um tempo em família, embora o casal estivesse separado. A modelo italiana e o músico começaram a ser ver quando ele ainda era casado com Pattie Boyd, por quem Clapton se apaixonou quando ela era casada com seu amigo, o beatle George Harrison. Pouco tempo depois, Lory engravidou – Clapton continuava oficialmente casado com Pattie – e, em 1989, três anos após o nascimento de Conor, eles se separaram.

Com aquele encontro em Nova York, Clapton, até então bastante ausente na vida de Conor, propunha fortalecer a relação com o filho. No dia anterior ao acidente fatal, Eric e Conor foram ao circo de Long Island. Lory recorda como sendo um dos dias mais felizes da vida do garoto. “Eles realmente curtiram muito. Quando Eric voltou, me olhou e disse que finalmente entendia o que significava ter um filho e ser pai. Estava muito feliz. Era a primeira vez que Eric passava algumas horas sozinho com nosso filho. Conor, por sua vez, estava muito emocionado pelo dia tão maravilhoso que havia passado com o pai”, confessou Del Santo à jornalista Sewards.

Lory del Santo e Eric Clapton no funeral de Conor, na igreja de Santa Maria Madalena, em Surrey (cidade de Clapton), em 1991.
Lory del Santo e Eric Clapton no funeral de Conor, na igreja de Santa Maria Madalena, em Surrey (cidade de Clapton), em 1991.Foto: Getty

Na manhã seguinte, 20 de março, Eric havia combinado de se encontrar com Lory e Conor no apartamento da rua 57 de Manhattan, onde se hospedavam, para levá-los ao zoológico de Nova York. “Conor brincava com a babá enquanto eu me preparava para ir ao zoo. Eram 11h da manhã. Gritei do banheiro para que Conor se apressasse, e ele me disse que estaria pronto em um minuto”, recorda Lory. O zelador do edifício estava limpando as janelas do apartamento, e Lory pediu à babá que não perdesse de vista o menino, que brincava de esconde-esconde e corria de um lado para outro. A babá, que brincava de perseguir o menino, parou de repente quando o zelador lhe advertiu que havia aberto a janela. Conor, sem saber que o empregado tinha retirado o vidro, aproveitou para sair correndo em direção à janela. “Escutei um grito de aflição que não era de Conor. Era da babá. Corri ao quarto gritando de forma histérica. ‘Onde está Conor? Onde está Conor?’ Vi então a janela aberta e entendi o que tinha acontecido. Senti que perdia as forças e desmaiei”, afirma Lory.

Conor Clapton, de apenas quatro anos, caiu da janela do 53o andar. “Às 11h57, Lory me ligou gritando e disse: ‘Está morto’. Não entendi o que dizia. Então ela disse: ‘Caiu da janela’”, explica Eric Clapton no documentário Eric Clapton: A Life in 12 Bars (2017), sobre sua vida. “Senti como se saísse de mim mesmo, não podia entender, não podia assumir. Fui com ele ao hospital mais próximo e me despedi dele. Perdi a fé”, diz Clapton.

Como relata Del Santo a Lisa Sewards, a grande tragédia é que Eric Clapton se deu conta de tudo o que Conor significava para ele justo um dia antes de sua morte. “Conor foi a primeira coisa que aconteceu na minha vida que realmente tocou meu coração e me fez pensar: ‘É hora de amadurecer’”, recorda o músico no documentário, que enfoca a agitada vida pessoal do artista britânico. Seu vício em álcool e drogas e uma situação familiar digna de roteiro de novela – quem ele acreditava que era sua mãe na verdade era sua avó, e aquela que ele achava que era sua irmã era sua mãe – o levaram a passar por perigosos períodos de autodestruição que minaram muitas de suas relações pessoais. A imagem do músico era vinculada a uma aura de tristeza que alcançou o ápice com a dolorosa Tears in Heaven.

"Comecei a abrir as cartas de condolências, que eram milhares, e entre elas havia uma de Conor. Ele a tinha enviado semanas antes. Dizia: ‘Te amo, quero te ver de novo. Um beijo’. Nesse momento, vi que eu podia passar por aquilo sem beber, poderia fazer qualquer coisa”, afirma Clapton no documentário

Na fatídica manhã de março em que o casal perdeu o filho de quatro anos, Lory confessa que quis matar o zelador. A mãe de Conor o acusa de falta de bom senso por ter retirado o vidro da janela num apartamento onde uma criança corria. “O zelador jamais nos pediu desculpa, e eu deixei de viver a partir daquele momento. Quando Conor caiu, o zelador chamou a ambulância, mas obviamente não havia nenhuma esperança. Eric foi vê-lo no IML, mas eu não pude”, afirma.

Os músicos Phil Collins e George Harrison, e inclusive a ex-mulher de Clapton, Patti Boyd, foram ao funeral de Conor, realizado na igreja de Santa Maria Madalena, em Surrey (cidade de Clapton). Lory recorda esses momentos como irreais. “As pessoas me apoiaram, mas não havia nada que pudessem fazer. Durante quatro anos chorei todos os dias, e hoje não passo um dia sem pensar, falar ou rezar por Conor”, afirma a mãe. Lory diz que nunca viu Clapton chorar. “Cada um leva a dor à sua maneira. Sei que Eric é uma pessoa muito introspectiva. Nunca falamos sobre o que aconteceu com Conor. Não precisamos porque não há palavras, e ambos sabemos disso”, explica a italiana.

Eric Clapton compôs Tears in Heaven nove meses depois da morte Conor. A canção o ajudou a lidar com o sofrimento e superar o que ocorreu. “Estávamos eu e meus pensamentos. Lembro que comecei a abrir as cartas de condolências, que eram milhares, e no meio delas havia uma de Conor. Ele a tinha enviado semanas antes, quando estava em Milão com a mãe. Dizia: ‘Te amo, quero te ver de novo. Um beijo’. Nesse momento, vi que eu podia passar por aquilo sem beber, poderia fazer qualquer coisa. Fui consciente de que podia fazer dessa tragédia algo positivo e dediquei minha vida a honrar meu filho. Peguei uma guitarra e a toquei sem parar durante meses para tentar enfrentar a situação. A música me salvou, levou a dor... Escrevi Tears in Heaven para mim porque me sentia terrivelmente mal”, reconhece Clapton no documentário. A canção extrapolou o âmbito musical e serviu para arrecadar fundos beneficentes. Em 2005, por exemplo, Clapton voltou a gravá-la num disco cuja renda foi revertida às vítimas do tsunami que assolou o Sudeste Asiático em 2004.

O canal norte-americano ABC faz uma reportagem sobre a famosa música, com uma imagem de Eric Clapton, Lory Del Santo e Conor.
O canal norte-americano ABC faz uma reportagem sobre a famosa música, com uma imagem de Eric Clapton, Lory Del Santo e Conor.

Lory encontrou sua própria fórmula para lidar com a morte de Conor. “Guardei todas as fotos dele. É muito doloroso. Não posso nem sequer ter uma foto dele em casa para recordá-lo porque isso parte meu coração. Mas, mesmo sem ver fotografias, tenho sua cara gravada em minha cabeça”, disse ela em 1999, na única entrevista em que se atreveu a falar do seu drama com profundidade.

Uma semana após a morte de Conor, Lory descobriu que estava grávida do segundo filho. O pai era o empresário italiano Silvio Sardi. O menino, batizado de Devin, nasceu dois dias depois da data em que Conor teria feito cinco anos. Em 1999, oito anos após a tragédia, nasceu Loren, o terceiro filho de Lory. A italiana, que nunca revelou quem era o pai biológico de Loren, teve que enfrentar de novo a perda de um filho no ano passado. Em agosto de 2018, Loren se suicidou por causa da anedonia que sofria. Lory explicou à imprensa italiana que essa doença impedia seu filho de ter prazer e qualquer sentimento em geral. “Ele tinha 19 anos. Nasceu prematuro aos 6 meses, com graves complicações. Os médicos me disseram que cada dia de vida seria um presente. Por isso, sempre estive feliz e vivi cada dia com Loren como se fosse o último”, ela declarou à revista italiana Chi.

Pessoas com anedonia têm dificuldade de perceber as coisas boas da vida. “Há uma deficiência de dopamina e serotonina no cérebro, o que pode ocasionar depressão grave”, explica a psicóloga clínica María Hurtado, do centro AGS Psicólogos Madrid.

Já Eric Clapton, como ele mesmo confessou após passar dois dias sóbrio nos anos sessenta, deixou o álcool definitivamente em 1987 e conseguiu não ter recaída quando precisou enfrentar a morte de Conor. “Durante os primeiros anos de sobriedade, passei meus melhores momentos na companhia de meu filho [Conor] e sua mãe [Lory]”, conta ele em seu livro de memórias, Clapton (2007). Em 2000, o músico começou a sair com Melia McEnery (EUA, 1976) e se casou com ela em 2002. O casal continua unido 19 anos depois. Eric e Melia tiveram três filhas: Julie Rose (17 anos), Ella May (16) e Sophie Belle (14). No livro, Clapton resume suas prioridades assim: “Se não fosse alcoólatra, diria que minha família é a grande prioridade da minha vida. Mas isso é impossível porque sei que perderia tudo se não colocasse a abstinência no topo da lista.”

Eric Clapton, durante um show na época em que compôs 'Tears in Heaven'.
Eric Clapton, durante um show na época em que compôs 'Tears in Heaven'.Foto: Getty

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