Em luto, Suzano tenta superar as sequelas do massacre
Muro da escola onde dois atiradores mataram estudantes e funcionários transforma-se em mural com pedidos de paz. Pais planejam grupos para se apoiar e buscam ajuda psicológica para auxiliar os filhos
Há três dias, a filha de Fabiana Victor, operadora de telemarketing de 34 anos, não quer sair de casa e tem crises de pânico quando a mãe se afasta. Ingrid Maria Victor da Paixão, de 15 anos, é aluna do 2º ano da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, e uma das sobreviventes do massacre que tirou a vida de oito membros da comunidade escolar na última quarta-feira. "Para eu poder vir aqui, tive que deixá-la com uma tia, na casa da bisavó", conta Fabiana, emocionada, enquanto deposita flores, acende uma vela e faz uma oração aos pés do muro do colégio, onde acumulam-se dezenas de buquês de flores brancas, cartazes e pinturas que pedem uma única coisa: paz.
Durante a tarde de sexta-feira, dezenas de pessoas reuniam-se no local para homenagear as vítimas. Muitos outros vizinhos da cidade aproximavam-se para fazer uma oração e se afastavam depois de alguns minutos. Estudantes, dessa e de outras escolas de Suzano, revezavam-se pintando os muros do colégio. Em meio ao luto coletivo, escutam-se comentários como: "Aqueles dois nunca foram coisa que prestasse" —em referência aos rapazes que realizaram o ataque— ou "são dois monstros". Mas as preces pelas famílias das vítimas fatais e os agradecimentos pela vida dos sobreviventes marcam o tom das discretas manifestações que ocorrem no lugar.
A filha de Fabiana, por exemplo, conseguiu escapar pulando o muro que separa a escola do centro de idiomas que fica no mesmo terreno. Depois, arrombou o portão dos fundos que dá para a rua, junto a um grupo de colegas. De acordo com o pai, Vanderson da Paixão, de 39 anos, a garota estava no corredor, com o prato de merenda na mão, quando o ataque começou. "Ela disse que chegou a ver dois colegas serem alvejados na sua frente". Por conta disso, Vanderson tem evitado que a filha acesse as redes sociais, onde circulam vídeos do massacre e imagens das vítimas. "Faremos o possível para tentar amenizar a dor dela, mas só podemos esperar que o tempo ajude a apagar esse trauma", lamenta ele.
Fabiana conta que, para isso, a ajuda psicológica que a família tem recebido se tornou fundamental. "Eu estava bastante desestruturada até conversar com os psicólogos", diz ela, ainda com lágrimas nos olhos. O casal conta que profissionais de outras cidades da região também se voluntariaram para atender os afetados no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Suzano. "Além disso, estamos em contato com os pais de outros estudantes para formar um grupo de apoio para nos ajudar e ajudar nossos filhos, que ficarão marcados por essa tragédia para sempre", acrescenta a mãe.
Entre os vizinhos, estudantes e familiares da comunidade da escola, além da dor, há outro consenso: o de que o massacre "poderia ter sido muito pior", considerando que os agressores portavam não só uma arma de fogo, mas também machados, machadinhas e uma besta (artefato que lança flechas). Para a pastora evangélica Érica Moulin, de 38 anos, "foi a mão de Deus" que evitou mais vítimas. Ela e o marido, o também pastor Marcos César da Silva, de 50 anos, vivem próximo ao colégio, mas não ouviram os disparos. "Só percebemos que tinha alguma coisa errada quando escutamos os helicópteros da polícia sobrevoando a rua", lembra Marcos. "A notícia foi um choque e só agora estamos conseguindo digerir o que aconteceu. Pelo menos quatro das vítimas que morreram frequentavam nossa igreja, eram crianças que pegamos no colo e vimos crescer", lamenta Érica.
Apesar dos avanços nas investigações do caso, os moradores de Suzano continuam sem entender por que e como algo assim pôde acontecer ali. "Essa escola é uma referência há 60 anos. Meu pai, de 74 anos, estudou lá. Suzano nunca teve violência desse tipo", afirma Marcos.
Essa mesma perplexidade atingiu, a 561 quilômetros dali, em Ubá (Minas Gerais) a família de Marilena Ferreira Umezu, de 59 anos, coordenadora da escola. Na sexta-feira, antes de voltar para casa, os irmãos e a mãe de Marilena deram-se as mãos em frente ao local das homenagens para rezar por ela, que vivia em Suzano, com o marido e os filhos, há 45 anos. "Ela começou aqui como professora, há 10 anos, e depois virou coordenadora. Ela amava esta escola", diz, muito emocionado, Mário Ferreira Quintana, de 40 anos, irmão de Marilena.
A coordenadora, que nas redes sociais dizia ser "a favor do porte de livros", é lembrada com muito carinho também pelos estudantes e seus familiares. "Minha filha amava a Marilena. Ela era uma pessoa muito boa, amiga, que aconselhava as crianças. Sua morte é uma tristeza muito grande", comenta Fabiana Victor. O irmão da coordenadora conta que sua dedicação era tamanha que, mesmo durante o recesso de Carnaval, Marilena ocupava-se de preparar o planejamento do ano letivo. "Sempre vínhamos visitá-la. Agora, voltamos para casa com o coração partido", chora.
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