A derrubada de Pablo Escobar
Prefeitura de Medellín implode o edifício Mônaco, construído pelo chefão da droga, como parte de uma iniciativa contra o narcoturismo
Marta Zuloaga queria recuperar as bolas de futebol de seus netos. Os gêmeos, de sete anos, chutavam com mais força do que pontaria, e várias tinham caído do outro lado do muro, no meio do mato do edifício Mônaco, em Medellín, construído pelo chefão do narcotráfico Pablo Escobar, morto em 1993. Os netos ignoravam o que esse nome significava para sua avó e outros vizinhos do Mônaco, mas sabiam que o edifício de “uns caras maus” desapareceria na sexta-feira, 22 de fevereiro.
O Mônaco tinha sido construído em 1986 nos 8.000 metros quadrados que ocupavam duas mansões adjacentes, que Escobar tinha comprado em um setor residencial exclusivo da cidade, a poucos metros do Clube Campestre, onde lhe tinham negado a entrada. Em cinco meses, já havia demolido as casas e erguido sua torre quadrada de oito andares de cor marfim, com caixa-forte, quarto de pânico, várias piscinas e banheiras de hidromassagem. A luxuosa cobertura de 1.600 metros quadrados, decorada com pinturas de Botero, Grau e Obregón, onde Escobar vivia com sua mulher e seus dois filhos, prejudicou a vista dos sócios do clube.
Os turistas que chegavam nos últimos anos até o número 15 sul-31 da avenida 44 só podiam imaginar como tinha vivido o chefão da droga, porque o edifício já estava praticamente em ruínas. Em alguns narcotours, os guias falavam do fantasma de Pablo Escobar que rondava a propriedade, mas as únicas coisas que se moviam ali eram os loureiros, as palmeiras e as acácias que lhe faziam sombra, os mosquitos que tinham encontrado o lugar perfeito para suas larvas nas piscinas (que depois foram enchidas de areia para evitar pragas), e os ratos que viviam em sua estrutura labiríntica.
Na véspera da implosão, nem Marta nem ninguém que não fosse da empresa Átila, que se encarregaria de fazer o edifício sumir do mapa, podia entrar no prédio nem em seu enorme quintal para resgatar bolas ou tirar uma última foto. Fitas de cor laranja indicavam que a dinamite já tinha sido colocada em pontos estratégicos. Os vizinhos especulavam quanta carga teria de ser usada para destruir aquele bunker com paredes duplas e colunas reforçadas que tinha sobrevivido incólume a outras explosões.
A primeira ocorreu às 5h15 de 13 de janeiro de 1988. Um carro Toyota verde, carregado com 80 quilos de dinamite, explodiu no lado oeste do Mônaco. A explosão foi ouvida em toda a cidade e deixou uma cratera de mais de dois metros de profundidade por seis de diâmetro, que se encheu de água porque rompeu uma tubulação. “Medellín amanheceu como Beirute”, disse William Jaramillo, o prefeito da época, sem saber que essa bomba seria só a primeira de muitas na guerra entre os cartéis de Cali e Medellín.
A segunda ocorreria em 19 de fevereiro de 2000, quando o edifício já não era dos Escobar. A Divisão Nacional de Entorpecentes tinha assumido o controle do prédio e o havia alugado para empresas de bananas, de publicidade e de assistência médica, escritórios de advogados, uma companhia naval, um centro de reabilitação de viciados − que teve de fechar por falta de dinheiro −, até que finalmente o entregara à Procuradoria. Os vizinhos protestaram. Não queriam ser vítimas colaterais de outro ataque. Tinham razão, porque dois meses depois que a Procuradoria se instalou no Mônaco, homens armados entraram atirando e depois detonaram 40 quilos de dinamite.
Não houve tantos feridos dessa vez no edifício vizinho Bahia Branca, onde vive Marta, mas no apartamento de Delcy Blair Vélez, no sétimo andar, todos os vidros e um de seus abajures antigos se quebraram. Diante do anúncio da Prefeitura de que o Mônaco seria implodido, Marta, Delcy, Amparito e as outras idosas do imóvel vizinho tomaram suas precauções. Cobriram seus móveis com lençóis, retiraram os quadros das paredes, forraram suas porcelanas e abajures art déco, levaram suas mascotes para outro lugar e tiraram as plantas das varandas, para evitar que o impacto da detonação as afetasse.
A violência destruiu a imagem de Medellín ao redor do mundo e seus últimos prefeitos construíram escolas, parques, edifícios inteligentes, bibliotecas e centros de convenções para alojar eventos empresariais, científicos, esportivos e culturais. O prefeito atual, Federico Gutiérrez, decidiu fazer algo para rebater as histórias de ficção nas séries de televisão, nos filmes e nos livros sobre Escobar, nos quais os criminosos são os protagonistas. Medellín devia oferecer uma narrativa alternativa à dos narcotours que proliferaram na cidade nos últimos anos. Medellín precisava dar espaço e reconhecimento às vítimas − entre 1983 e 1994, 46.000 medellinenses foram mortos − e aos heróis daquela guerra, como o coronel Valdemar Franklin Quintero, o incorruptível comandante da Polícia de Antioquia que, no dia em que renunciou à sua escolta, disse: “Não podem existir mais viúvas e mais órfãos por minha causa. Se vierem atrás de mim, aqui os estarei esperando”.
O candidato à presidência e inimigo declarado de Escobar Luis Carlos Galán soube do assassinato do coronel pelo rádio, enquanto viajava em seu carro, na manhã de 18 de agosto de 1989. Ele lamentou muito, porque Quintero lhe salvara a vida dias antes, ao descobrir um plano para matá-lo em uma viagem de campanha a Medellín. Horas depois, Galán seria assassinado a tiros por sicários de Escobar.
Os filhos de Galán e Quintero perderam seus pais no mesmo dia, mas nunca tinham se encontrado. Tampouco conheciam pessoalmente outros sobreviventes: viúvas, filhos, irmãos e pais de tantas outras vítimas do narcoterrorismo que agora serão homenageadas no parque que ocupará o lugar do Mônaco. Todos eles se reuniram na sexta-feira no Clube Campestre, de onde viram o edifício e o escutaram rugir pela última vez, antes de virar pó.
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