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Marc Brackett: “Se as emoções não saem, vão para seu sistema imunológico, seu estômago”

Marc Brackett.
Marc Brackett.Erik Tanner
Pablo Guimón

O homem que provavelmente melhor conhece os sentimentos sofreu bullying quando era criança. Essa foi a semente de seu interesse nessa área da psicologia. O diretor e fundador do Centro de Inteligência Emocional da Universidade de Yale assessora colégios e empresas de todo o mundo para introduzir esse conceito em suas rotinas

Uma pergunta banal para quebrar o gelo pode dar lugar nesse escritório a uma troca mais longa do que o pudor aconselha. Melhor recorrer a prodigiosa gama de adjetivos distribuídos pelas paredes, em torno a originais altares dos sentimentos que amenizam a espera do voyeur e lhe oferecem uma inesperada janela ao estado de ânimo das pessoas que de vez em quando, entre afetuosos sorrisos, sobem e descem as escadas de madeira.

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Estamos na Universidade de Yale. Aqui nasceu, em um artigo científico de 1990, o conceito de inteligência emocional. Essa virtude de cuja carência tão frequentemente são acusados casais, pais, chefes e professores. Treze anos depois surgia o Centro para a Inteligência Emocional de Yale, fundado e dirigido por Marc Brackett, doutor em Psicologia de 49 anos.

A missão do centro, diz Brackett, é “usar o poder das emoções para criar um mundo mais saudável, mais equitativo, mais inovador e mais compassivo”. Por um lado, se pesquisa sobre as emoções e, por outro, são criadas “maneiras inovadoras de ensinar inteligência emocional a pessoas de todas as idades, de estudantes de pré-escola a presidentes de empresas”. “Colocaram a inteligência emocional no DNA” de 2.500 colégios em todo o território dos Estados unidos, até agora, e também da Itália, Reino Unido, China, Austrália, México e Espanha, onde trabalharam em 25 locais. O mediador emocional, uma das ferramentas do método, foi integrado no curso de inteligência emocional Feitos de Emoções dentro do projeto BBVA Aprendemos Juntos.

De acordo com o medidor de estados de ânimo (Mood Meter), um grande quadrado dividido em outros quatro com diferentes cores, em que os empregados colocam fichas com suas fotos e etiquetas com seus sentimentos, Brackett se encontra “motivado”. Seu nome está no quadrado amarelo, que indica níveis altos tanto de energia (+4) como de afabilidade (+3). A pergunta, portanto, é de praxe.

Como você está? Agora tenho 20 sentimentos diferentes. Minha mulher está no hospital e me sinto um pouco nervoso por isso. Mas parece que está tudo correndo bem. Eu me sinto contente por dar essa entrevista. Também um pouco ansioso porque estou terminando meu livro. Poderia dar a você todas as peças e dizer-lhe detalhadamente como me sinto, estou treinado. Mas muita gente não teve esse treinamento. Se você perguntar a elas, dirão: “Bem”. Mais nada. Mas existem milhares de palavras para descrever nossos sentimentos. Não necessariamente precisamos expressá-los, às vezes é suficiente nós mesmos sabermos. Mas muita gente não tem as ferramentas para isso. Não é muito frequente a educação em linguagem emocional. E isso é o que nós fazemos: nos assegurar que as pessoas tenham as habilidades e as palavras para conhecer suas emoções.

Quando se pergunta a alguém como ele está, nem sempre se espera uma resposta longa. É preciso existir um equilíbrio. É algo que debatemos muito aqui. Quando tempo você deve passar falando de sentimentos? Se você se sente triste, deprimido, é uma depressão clínica? É preciso ir a um psicólogo ou a psiquiatra? Ou você se sente frustrado por um projeto e precisa de ajuda para realizá-lo? É preciso criar regras para as conversas sobre emoção. A pergunta é: você está ajudando a pessoa e a organização, ou está interferindo negativamente no desenvolvimento do trabalho?

O que é a inteligência emocional? Nós a definimos como uma série de habilidades que nos ajudam a raciocinar com nossos sentimentos e sobre nossos sentimentos. Utilizamos o acrônimo RULER, em inglês, para descrever essas habilidades. Significa reconhecer emoções em outras pessoas e em si mesmo (recognizing); compreender as causas (understanding) e etiquetar essas emoções (labeling); ter uma linguagem para expressar e descrever emoções (expressing), e, por último, regular esses sentimentos (regulating).

Mostrar emoções era visto, tradicionalmente e em determinados âmbitos, como um sinal de fraqueza. Ter sentimentos não era visto como algo bom. Nosso centro tem uma perspectiva muito diferente: acreditamos que as emoções te fazem mais inteligente. São informação, são dados, condicionam a maneira como você pensa. Sabemos por nossas pesquisas que as pessoas que suprimem seus sentimentos não são tão saudáveis como as pessoas que os expressam. As emoções devem ir para algum lado. De modo que, se não saem, vão para seu coração, seu sistema imunológico, seu estômago... Sabemos que quando você controla e suprime seus sentimentos, isso interfere na cognição. Nosso sistema emocional e o cognitivo estão tão conectados que, se tento não sentir, suprimir meus sentimentos, será difícil para mim, por exemplo, ser um bom estudante.

Existem estudos neurológicos que revelam que partes do cérebro responsáveis por funções fisiológicas intervêm nas emoções. Que as emoções são, literalmente, viscerais. Da perspectiva de nosso centro, as emoções são produzidas por mudanças no ambiente. Pode ser um pensamento que tive, pensar em minha mãe, em alguém que entrou gritando em meu escritório. Então meu cérebro começa a extrair significado dessa experiência. É uma ameaça? Como as batidas de meu coração reagem? Tendo a me irritar ou a abraçá-lo? Minha memória também intervém, com outras experiências parecidas com essa. Há muitos fatores em jogo. Mas a um nível mais simples, uma emoção é uma resposta curta, automática na maioria das vezes, a um estímulo que causa mudanças em nosso pensamento, fisiologia e comportamento.

O emocional é identificado como o oposto do racional, o selvagem frente ao civilizado. A pesquisa demonstra que a maneira como você se sente afeta a maneira como avalia as coisas. Acontece fora da consciência. Se você é um professor e precisa corrigir um trabalho, seu estado de ânimo guiará a forma como irá avaliá-lo. Em nossas experiências manipulamos os estados de ânimo dos professores e damos a eles os mesmos trabalhos para corrigir. Por exemplo, falamos para que fiquem cinco minutos escrevendo e lembrando um dia realmente horrível, ou um muito bom, e então recebem uma redação e a avaliam. O que vemos é que há 2 pontos em 10 de diferença na avaliação. Depois perguntamos a eles se acham que a maneira como se sentiam pode ter influenciado, e quase 90% diz que não. Quando mostramos as diferenças, não conseguem acreditar. Ou seja, como nos sentimos influencia nossa maneira de pensar e condiciona nossos julgamentos, mas não somos conscientes disso. Ser emocionalmente inteligente é compreender que antes de começar a avaliar esse trabalho é preciso uma pausa, refletir sobre onde você está. Somente a identificação do sentimento te ajuda a colocá-lo em perspectiva.

Uma vez identificada a emoção, como reagir a ela? A primeira coisa é reconhecê-la, compreendê-la e identificá-la. Depois, expressá-la e regulá-la. É preciso saber como se comunicam os sentimentos em uma organização para se obter o resultado desejado. Se me sinto bravo e mando meu chefe à merda, não funcionará muito bem. Talvez em Hollywood, mas aqui em Yale provavelmente não. Você precisa saber como sua resposta irá fazer outra pessoa se sentir. Se irá fazer com que queira te ajudar ou se livrar de você.

As redes sociais, as mensagens instantâneas..., há até uma nova linguagem, a dos emoticon, para expressar estados de ânimo. A nova comunicação não expõe muito justamente as emoções? Existem pesquisas que dizem que as mães de recém-nascidos só compartilham fotos de seus bebês quando estão sorrindo, e quando outras mães as veem pensam que o seu chora o dia todo, e isso as faz sentirem-se pior. Somente publicamos nosso melhor ser e quando o receptor não se sente assim, isso o faz sentir-se mal. Depois estão os grupos privados de adolescentes, por exemplo, nos quais compartilham suas piores experiências. Não sentem que podem fazê-lo no mundo real. Se só as compartilham com outros adolescentes que estão na mesma situação, não obterão o apoio que precisam. Minha pergunta é: por que criamos uma sociedade em que os adolescentes precisam criar subgrupos para expressar sua ansiedade, sua tristeza?

Os estudos feitos por vocês com estudantes norte-americanos não são muito animadores em termos de saúde emocional. Em 2016 estudamos 22.000 alunos de ensino médio e vimos que as três principais palavras utilizadas quando pedíamos para que expressassem seus sentimentos em classe eram “cansado”, “estressado” e “entediado”. 77% das palavras que diziam poderiam ser categorizadas nessas três. Para mim, como cientista emocional, a pergunta é: como esses sentimentos afetam a atenção na aula? Não posso imaginar que você seja a pessoa mais disposta a aprender quando está cansado, estressado e entediado. Que tipo de decisões estará tomando e como isso afetará suas escolhas, por exemplo, em drogas e álcool? Que tipo de relações construirá quando está cansado, estressado e entediado? E como afeta a criatividade? É difícil ser inovador quando você está cansado, estressado e entediado o tempo todo. A depressão é a segunda causa de morte de adolescentes. 20% dos estudantes de ensino médio poderiam ser diagnosticados com depressão, isso é muito significativo. O que sabemos é que os adolescentes com as habilidades emocionais menos desenvolvidas, os que não são bons lendo as pessoas e não entendem suas próprias emoções, tendem a ter mais depressão, ansiedade e comportamentos agressivos.

Como a inteligência emocional contribui no desempenho profissional? As emoções no local de trabalho funcionam como no colégio. As pessoas têm habilidades cognitivas para fazer o trabalho, mas não possuem habilidades emocionais. Saber, por exemplo, como dirigir uma reunião de trabalho, como inspirar uma equipe, como fazer uma boa apresentação, como lidar com um conflito. De nossa perspectiva, as habilidades de inteligência emocional são de fundamental importância para o sucesso no local de trabalho, e também para a procura de emprego. As relações humanas são cruciais no trabalho.

Como seria um local de trabalho emocionalmente efetivo? A primeira coisa é saber como as pessoas se sentem. Se não sei que aqui as pessoas se sentem pouco respeitadas, pouco valorizadas e desconectadas, perco muita informação. De modo que a primeira coisa é perguntar às pessoas como se sentem. Deve deixá-las expressar seus sentimentos e não levar para o pessoal. Certamente eu fiz coisas no passado que fizeram as pessoas sentirem-se incômodas. Preciso saber, porque a última coisa que quero é que alguém que trabalha em minha equipe tenha sentimentos negativos sobre mim. Isso irá sabotar a organização. Ao sabermos como as pessoas se sentem, é importante perguntar como elas querem se sentir. O que uma pessoa faz todos os dias para se sentir mais conectada? Quando foi a última vez que você disse a alguém que o apreciava, a última vez que ofereceu ajuda? É importante ajudar as pessoas a desenvolver as habilidades de inteligência emocional, a lidar com suas emoções de forma mais efetiva. Existem muitas maneiras de melhorar emocionalmente um local de trabalho, mas todas têm a ver com se interessar por como o indivíduo se sente, averiguar como o grupo quer se sentir e apoiar cada pessoa para desenvolver as habilidades que precisa para lidar com seus sentimentos. Demonstramos em nossas pesquisas que as habilidades emocionais do supervisor têm correlação com como as pessoas se sentem no trabalho. Ficam mais inspiradas quando trabalham em uma organização em que há um líder com inteligência emocional. Pense: se você trabalha para um supervisor com pouca Inteligência emocional, irá falar com ele quando tiver um problema?

Como deve ser a relação do professor com o aluno? Deve ser seu amigo? É preciso tratar as crianças como pessoas. Isso é importante para nós. As crianças têm direitos, devemos falar com elas com respeito. Devem ser tratadas com dignidade. São pequenas pessoas, e as palavras e as formas de comunicação afetam seu desenvolvimento.

E a de um chefe com seu subordinado? É a mesma coisa. Se as pessoas não me veem como alguém acessível, não sentirão que estamos na mesma equipe. Aqui, por exemplo, todo mundo sabe que sou o chefe. É preciso clareza. As pessoas precisam saber que eu tomarei certas decisões porque sou o chefe. É importante a transparência na liderança. Há quem acredite que as pessoas saberem como você se sente te torna mais fraco. Para mim, ajuda a construir relações e, se acredito que é bom estarmos conectados, inspirados e apoiados, é minha responsabilidade como chefe ser parte disso. Isso determinará como falo com as pessoas, como me envolvo quando há conflitos. Tem a ver com como designamos as tarefas. Se as pessoas pedem maior equilíbrio, você deve respeitar suas vidas pessoais e não enviar mensagens de noite no final de semana. Se você trabalha em Wall Street, aceita o fato de que irá trabalhar de final de semana. Na academia, por exemplo, é diferente. Mas deve existir clareza.

Seu próprio interesse pela inteligência emocional surgiu por uma experiência de bullying. É verdade. Fui uma criança muito ansiosa e tive problemas com bullying. Ainda hoje fico impressionado pelo fato de ninguém conseguir ler minha expressão facial, minha linguagem corporal, meu tom de voz. Ninguém disse: “Esse menino precisa de ajuda”. As pessoas ignoravam ou se afastavam. Ou pensavam que eu deveria superar sozinho, que deveria ser uma pessoa dura. Mas continuo sem ser uma pessoa dura. Eu não era bom aluno, mas de alguma forma sabia que era inteligente. De modo que estava preso nessa estranha dinâmica pela qual eu não podia ter bons resultados acadêmicos, mas sabia que tinha algo de poder na parte de cima. Somente depois percebi que era tudo por meus sentimentos. A ansiedade, o estresse, a preocupação interferiam em minha concentração. Fui beneficiado pelo fato de ter um tio que foi meu herói. Tivemos conversas muito especiais. Meu próximo livro será dedicado a ele porque foi o adulto que me deu permissão para sentir.

Como eram seus pais? Meu pai e minha mãe eram carinhosos... a maior parte do tempo. Mas tinham seus problemas. Não eram habilidosos na gestão de sentimentos. Minha mãe era tão ansiosa que eu decidia não dizer nada a ela porque ficava nervosa. Meu pai só me dizia que eu precisava ser duro. E eu sabia que não iria ser duro, de modo que também não podia falar com meu pai. Aí estava eu, preso em minhas emoções. Uma criança pequena aterrorizada pelo bullying, fracassando academicamente. E adivinhe? A vida era uma merda. Era difícil fazer amigos. Era difícil se concentrar. Então você começa a não saber como se regular afetivamente e de repente entra em uma espiral.

Quais são os sinais que os pais deveriam prestar atenção? É sobre construir relações. Conhecer a si mesmo, ter conversas. Passar tempo de qualidade. Perguntar como está. E quando a criança responder que bem, dizer a ela: “Certo, o que aconteceu hoje, me conte”. E quando ela contar, perguntar como se sente por isso. Por que está ansioso, por que tem medo? Meu pai, que era uma pessoa dura, não teria medo do bullying porque teria enfrentado o problema. Por isso, me dizer que superasse não me ajudava porque eu não era como ele. É essencial compreender que não se trata do adulto e sim da criança. Significa estar conectado e eliminar todo o julgamento que cerca a emoção.

Como se elimina esse julgamento sobre os sentimentos? É preciso dar ao mundo permissão para sentir. A boa paternidade é tão importante porque, se a enfrenta através de suas lentes e suas experiências, então te falta empatia. Porque não se trata de você. Nada nunca se trata de você quando se é pai, se trata de seu filho, de suas experiências. Se constantemente quer que seus filhos sejam como você, o que acontece é que não permite que sejam eles mesmos. Se meu filho me diz que tem medo, quer dizer que tem medo. Não tenho direito a dizer-lhe que não deve ter medo, que deve superá-lo, que é preciso ser forte. Estou eliminando o direito de meu filho a ser um ser humano. Não acho que os pais o façam conscientemente. Queremos estar cercados de pessoas como nós, de modo que tratamos as pessoas como se fossem, e quando os filhos não são como nós, é difícil. Esse era parte do problema com meu pai, que não podia lidar com o fato de que eu não era uma pessoa dura como ele. E como não tinha habilidades, só castigava e gritava.

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