Rocío San Miguel: “Um confronto militar entre EUA e Venezuela não duraria mais do que três dias”
Especialista no setor militar analisa o dilema enfrentado pelas Forças Armadas na Venezuela, que já sofreu com mais de 4.000 deserções
Rocío San Miguel (Caracas, 1966) estuda o setor militar da Venezuela há anos. É advogada, diretora executiva da ONG Control Ciudadano, e referência quando se trata de decifrar a hermética Força Armada Nacional Bolivariana (FANB). Segundo a especialista, no país sul-americano está se consolidando uma alternativa real de poder não vista na oposição desde a eleição presidencial de 2013, encarnada pelo ex-candidato presidencial Henrique Capriles, e com impacto nos quartéis. “É uma opção clara e transparente, capaz de aglutinar a liderança da oposição por trás dela. Isso não existia há seis anos, isso é muito importante para os militares. Temos manifestações e uma massa crítica nas ruas, muitas vezes descomunal e que, em muitos casos, a FANB demonstrou a vontade de não reprimir.”
San Miguel se refere ao presidente “interino” Juan Guaidó, que tenta uma aproximação com os soldados através de seu discurso e projeto político. Sua promessa é aplicar uma Lei de Anistia para desafiar a hegemonia de Nicolás Maduro, mas o alto comando rejeitou a oferta e ratificou seu apoio ao líder chavista. Por enquanto, a pressão aumenta sobre as tropas e a incerteza prevalece na luta política.
Pergunta. É possível uma insurreição militar contra Nicolás Maduro?
Resposta. A insurreição clássica é complicada. Acredito que existem três importantes grupos de poder na Força Armada Nacional. Basicamente, os altos comandantes militares estão comprometidos com os incentivos de lealdade que a revolução distribuiu. Ninguém chega a esses postos sem se comprometer. Esse é um grupo chave, o mais visível. O outro grupo de poder, que se identifica com 90% dos venezuelanos, rejeita a situação do país. Eles não fazem parte da cúpula. E uma terceira fração, que é interessante, é representada pelos oficiais aposentados. Podemos chamá-los de chavismo militar que, claramente, está abandonando Maduro.
É importante prestar atenção para o dilema desse chavismo militar contrário a Maduro, que não tem como resolver a tomada do poder porque os Estados Unidos fecharam o jogo para eles. Os Estados Unidos não admitem uma transição sem Juan Guaidó. Então, como fazer uma insurgência? Como assumir o poder sem apoio internacional? É muito complicado. Não estou falando do bem e do mal, mas em termos analíticos... Estamos, praticamente, com um visto internacional que apoia a insurgência na Venezuela, desde que seja a favor do líder da oposição.
P. Nicolás Maduro está condicionado pela cúpula militar ou por Cuba?
R. Isso é um enigma. Muitos dizem que são os militares, mas eu não acredito. É possível que essa rota do ponto de não retorno esteja condicionada por Cuba. Ou seja, Maduro não pode cair antes do referendo constitucional cubano [de 24 de fevereiro] porque é simbólico. Em Havana, o efeito do que acontece na Venezuela é muito poderoso, uma possível queda de Maduro antes do referendo pode causar uma agitação que mexeria com Cuba, não apenas em sua estrutura de poder, mas também em sua população.
P. Qual o efeito das últimas deserções militares sobre a FANB?
R. Tudo é um gotejamento que está erodindo a rocha. Temos 4.009 deserções reconhecidas pela Guarda Nacional em janeiro deste ano, em um documento vazado pela própria instituição com a intenção de alertar que estão saindo. De fato, acredito que o apelo feito por Maduro de incorporar milicianos e jovens em idade de prestar o serviço militar como recrutas, como soldados de tropa alistada no Exército e da Guarda Nacional se deu porque há um problema muito relevante de pé de força na estrutura da FAN.
P. Maduro denuncia planos de uma intervenção militar. Que capacidade de resposta tem o exército venezuelano?
R. O poder relativo de combate entre os Estados Unidos e a Venezuela é completamente desequilibrado. Um confronto militar convencional entre os dois países não duraria mais do que três dias.
P. Qual seria a pior reação da Força Armada à entrada iminente de ajuda humanitária à Venezuela?
R. Um cenário violento não pode ser descartado. É necessário advertir as Forças Armadas que a responsabilidade de mortos e feridos na entrada da ajuda humanitária será das tropas com comando na jurisdição. A ajuda humanitária é um meio protegido, um bem protegido mundialmente que, além disso, os combatentes da natureza que sejam regulares e irregulares têm a obrigação de respeitar. Isso é internacional.
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