Transferência de líderes do PCC cria alta tensão no sistema prisional paulista
Unidades prisionais estão sem energia e sem comunicação por celulares, além da suspensão do banho de sol e ‘blitz’ nas celas; mensagens pedindo atenção redobrada circulam em grupos de agentes da segurança
Era noite da última terça-feira, dia 12, e na Penitenciária de Lavínia, na região de Presidente Epitácio, distante mais de 180 km da P2 de Presidente Venceslau, no oeste de São Paulo, já corria a informação de que a cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital) seria transferida dali algumas horas para presídios federais localizados em outros Estados, como Rondônia e Rio Grande do Norte. Na realidade, a informação de que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado pelo MP (Ministério Público) como líder supremo da facção, e outros 21 integrantes do grupo iriam ser transferidos já tinha se espalhado pelo sistema todo. De fato, a ação aconteceu, sendo concretizada na manhã seguinte, quarta-feira.
Desde aquele momento até ao menos quinta-feira, segundo apuração da Ponte, os presos permaneceram na tranca, jargão usado para dizer que não estão tendo direito ao banho de sol e muito menos visita —nem mesmo a de seus advogados. No final da madrugada de quarta-feira um verdadeiro mutirão de blitz nas celas de todas as unidades prisionais do Estado começou a acontecer, uma ação prática da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) que o governador João Doria definiria, mais tarde em coletiva de imprensa, como “o Governo está fazendo tudo para garantir a segurança de todos e para que não haja qualquer reação”. Há informação de que, com exceção da Penitenciária de Presidente Bernardes, todas as outras no oeste paulista estariam também “fora do ar”, ou seja, com sinal de celular e internet bloqueado.
A promessa de uma possível retaliação caso Marcola fosse transferido para outro Estado é tema conhecido entre autoridades, especialistas e detentos. A ameaça veio também em forma de bilhetes interceptados no ano passado pela polícia após dia de visita na P2, conforme mostrou reportagem da Ponte. Na ocasião, a cúpula do PCC tinha dois alvos específicos: o promotor Lincoln Gakya, responsável por denúncias antigas e atuais envolvendo o PCC, e o diretor da unidade prisional, Roberto Medina, que deveriam ser mortos caso houvesse a transferência.
O MP conseguiu decifrar o conteúdo das cartas, escritas em códigos alfanuméricos: “Essa missão é de extrema [importância], pois se o amigo aqui for para a federal, essa situação tem que ser colocada no chão de qualquer forma”, indica trecho da carta, sobre a qual até hoje há suspeita de ter sido escrita pelo próprio Marcola.
Em maio de 2006, dias depois da transferência de centenas de presos, entre eles o líder do Partido do Crime, outra forma como a facção criminosa é conhecida, justamente para a P2, o sistema virou —algumas cadeias entraram em rebelião simultaneamente, conforme termo usado pelos presos— e a facção ordenou ataques nas ruas contra as forças de segurança. Bases da polícia, das GCMs (Guardas Civis Municipais) e os próprios agentes viraram alvos. A resposta do Estado foi sangrenta: mais de 500 pessoas morreram em todo o Estado, principalmente nas periferias, a maioria sem nenhum tipo de ligação com as ações praticadas pelo grupo criminoso.
Até o momento, não há nenhuma sinalização confirmada de uma reação às transferências. Mas existe uma tensão em todo o sistema, como explicou à Ponte nesta quarta-feira, Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autora de livros sobre o PCC. Para ela, a desestabilização causada pela transferência é evidente, no entanto, a facção em seus 26 anos de existência certamente fará o cálculo político de uma reação.
“Acho que há uma autorreflexão do PCC de que eles não vão ganhar nada com isso. Ainda mais com esse cenário de governos autoritários que ascenderam com autorização para matar, como já disse o governador de São Paulo, do Rio, o próprio governo federal. Fazer aqueles ataques vai redundar numa reação da polícia que será prejudicial a todos eles e à população periférica e pobre que vai ficar muito vulnerável”, conclui.
Neste final de semana, em entrevista a veículos de imprensa, o promotor Gakya afirmou que a facção está sendo monitorada e não há qualquer indício de que haverá retaliação. “Na rua, o que falam é que estão todos no pente [prontos para agir], mas não sabem o que fazer. Não tem ninguém que fale: ‘Vamos para cima, vamos arrebentar a polícia’. Ninguém vai tomar essa atitude, até porque pode prejudicar o Marcola. Porque ele foi para lá com uma decisão provisória de RDD de 60 dias“, disse o promotor à Folha de S.Paulo.
Parentes de presos também temem ações nos presídios, principalmente durante as visitas no fim de semana. Segundo elas, existe um receio de que os detentos aguardem o término do tempo que têm contato com os parentes para pôr em prática algum plano de resposta às transferências. Desde o envio das lideranças para presídios federais, áudios circulam em grupos de familiares de presos no WhatsApp com denúncias, muitas delas resgatadas de anos anteriores, o que gera animosidade, segundo representantes da Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos/as). “Tem surgido muitos boatos, um bando de informação desencontrada que faz com que as famílias fiquem ainda mais amedrontadas. Isso gera temor”, explica uma integrante do grupo.
A Ponte apurou também que algumas unidades prisionais do oeste paulista transferiram detentos para a P1 de Presidente Venceslau. Pelo menos dois bondes (como são chamados os veículos que fazem as transferências) saíram na tarde desta quarta-feira, 13, de Presidente Epitácio para a P1, porém não houve informação prévia aos familiares. “As transferências aconteceram em várias unidades 018 [referência ao DDD de telefone usado na região do cinturão prisional do oeste paulista], mas todas de forma pacífica”, disse uma fonte à Ponte. A reportagem questionou a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) sobre essas supostas transferências sigilosas, mas até o momento não houve retorno.
O clima de tensão e alerta no último grau também domina os profissionais da segurança pública. A Ponte teve acesso a dois áudios que circularam em grupos de Whatsapp de policiais e agentes carcerários com instruções para auto cuidado e segurança nos próximos dias, especialmente em trajetos rotineiros. “A atenção deve ser 360 graus, acompanhando os que estão pelo local ou aqueles que se aproximam. Quando se trata da sua própria segurança, todos os detalhes são importantes e merecem atenção e prevenção. Ninguém melhor do que você mesmo para zelar pela sua própria integridade e por sua vida. Sua família te aguarda ao final do turno de serviço, a cautela é sua melhor aliada”, alerta um dos áudios, enviado para que policiais militares “não descuidem da sua segurança pessoal em todos os momentos”. Segundo o jornal Agora, o áudio é feito em leitura de documento assinado pelo comandante-geral da PM, o coronel Marcelo Vieira Salles.
A SAP afirmou à Ponte que “todas as unidades prisionais do Estado estão funcionando normalmente, dentro dos padrões de segurança e disciplina”. “Observamos ainda que os presos não se encontram trancados, assim como as visitas de final de semana deverão ocorrer normalmente”, garante a SAP, comandada pelo coronel Nivaldo Restivo, ex-comandante-geral da PM paulista.
“Ressalvamos também que transferências de presos são um procedimento padrão que podem ocorrer mediante necessidade, como quando há condenação ou progressão de regime. Destacamos que todos defensores e familiares são devidamente informados do trânsito dos reeducandos”, finaliza a nota.
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