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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Quais políticas penais estão por trás da expansão do PCC pelo Brasil?

Quanto mais a facção se expande, mais são realizados investimentos na ampliação de um sistema que o nutre

Autoridades recolhem corpos na Penitenciária de Alcaçuz após a rebelião.
Autoridades recolhem corpos na Penitenciária de Alcaçuz após a rebelião.ANDRESSA ANHOLETE (AFP)
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Na semana passada repercutiram na imprensa diversos atentados cometidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado de Minas Gerais. Esses eventos deixaram visível um processo iniciado há alguns anos e reforçado nos últimos tempos: a expansão do grupo para fora dos limites territoriais de São Paulo.

Tal movimento do PCC já tinha ecoado em momentos anteriores, sobretudo, quando estouraram rebeliões em unidades prisionais do norte e nordeste do Brasil, ao final de 2016, início de 2017. Esses fatos resultaram da rivalidade entre o PCC e outra organização criminosa também disseminada pelo país, o Comando Vermelho (CV), gerando a morte de mais de uma centena de presos apenas em janeiro de 2017.

Não há consensos no poder público, na sociedade civil, tampouco, nas produções acadêmicas sobre o que ocasionou a expansão do PCC para fora de São Paulo. Enumeram-se diversos aspectos, muitos dos quais dissonantes. Entretanto, há algumas vozes menos divergentes entre si que apontam para a relação entre o tipo de política penal implantado no Brasil e a consolidação do PCC. Isto é, para além do encarceramento massivo, seriam fatores importantes para a disseminação do PCC por todo o país o endurecimento das penas a partir da imposição do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e do fomento às prisões federais.

Para ilustrar o efeito dessas medidas, vale indicar o quase senso comum de que as prisões seriam “universidades do crime”, transformando um mero “ladrão de galinha” em um criminoso “periculoso”. A prisão não apenas produziria a delinquência, como também a estruturaria, ensinando às pessoas presas códigos e atividades típicas da criminalidade mais organizada. Dentro dessa perspectiva, talvez não seja exagero afirmar que a própria detenção realizada pela polícia pode impulsionar o processo de filiação de uma pessoa a um grupo criminoso.

Nessa linha, algumas fontes jornalísticas indicam que o processo de expansão do PCC foi iniciado ainda em 1998, momento no qual especialistas em segurança pública indicam ser o início da fase de dispersão do grupo às prisões paulistas. Ou seja, na época a organização começava a se consolidar dentro dos cárceres estaduais e, em momento posterior, se estenderia para fora dos muros das prisões, se consolidando como grupo hegemônico no estado de São Paulo.

Para evitar tal quadro, o poder público resolveu dissolver lideranças de presos do PCC, transferindo-as ao Paraná. Essa medida foi realizada com muita discrição. Até mesmo porque, a privação de liberdade foi designada para ser cumprida em um estado e, portanto, sob o controle de um sistema de justiça criminal diferente de onde um grupo de presos recebeu sua condenação. Na época ainda não havia estabelecimentos penais federais, já que o primeiro apenas foi inaugurado em 2006.

De fato, esse episódio de transferência de presos foi apenas o início de um movimento aprofundado ao longo dos últimos anos. Não à toa uma das respostas do Estado aos atentados cometidos pelo grupo em 2006 em São Paulo foi a transferência de lideranças do PCC ao RDD. Por sua vez, após atentados isolados no estado em 2012, o governo paulista transferiu lideranças do PCC a estabelecimentos penitenciários federais. Inclusive, em momentos quando a ação da organização não era tão visibilizada na imprensa, tampouco era sentida por determinados grupos sociais, o Estado continuava a enviar sistematicamente presos a cárceres federais para ficarem em “isolamento”.

Consequentemente, ocorreu a propagação da estrutura e do código de conduta do PCC a outros territórios. O preso de São Paulo teria começado a se comunicar com pessoas privadas de liberdade do Acre, do Rio Grande do Norte, do Mato Grosso do Sul, entre tantos outros locais. Para além da transferência a prisões situadas em estados diferentes de São Paulo, a organização teria começado a enviar seus membros a outros territórios. Com isso, seriam abertas espécies de “franquias”, a partir do “batismo” de novos integrantes os quais, por sua vez, ajudariam a disseminar os valores do grupo a outros futuros membros.

Portanto, se em 2006 o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Armas, coordenada pela Câmera dos Deputados, em seu panorama sobre a situação da criminalidade no Brasil, indicou, entre outros aspectos, a presença do PCC em cerca de oito estados do país, atualmente há relatos de que o grupo exerça algum tipo de domínio em todas as unidades da federação. Uma das conclusões desenvolvidas pelo relatório foi o indiciamento de dezesseis pessoas, dentre as quais, a liderança nacionalmente conhecida do PCC, já presa à época, o Marcola. Isto é, propôs-se a imposição de mais privação de liberdade para restringir a disseminação do grupo pelo país.

Ao se expandir para outros territórios, o PCC estabeleceria novas áreas para escoamento e venda de drogas, aumentando a sua capacidade lucrativa. Um fato que o ajudou a potencializar suas atividades econômicas foi a morte de Rafaat Toumani, ocorrida em junho 2016, havendo suspeitas de o fato ser de autoria do próprio PCC. Rafaat dominava o tráfico de drogas no município de Pedro Juan Caballero, estratégico por compor uma rota entre Paraguai e Brasil. Em vida, o traficante mantinha um frágil equilíbrio na área, distribuindo drogas a diferentes organizações criminosas no Brasil, como o PCC e o CV.

Rafaat tinha repelido várias tentativas de outros traficantes de dominar a região. Após a sua morte, um brasileiro com relações estreitas com o PCC começou a controlar a área, abastecendo o país com cocaína boliviana e colombiana. A aliança estratégica com o PCC o tornou um dos principais traficantes da fronteira Brasil/Paraguai, ocasionando uma disputa entre o grupo paulista e o CV. Logo, gerou-se um forte tensionamento com repercussão em todo o Brasil, como as já citadas rebeliões de 2016/2017.

Em síntese, o que se percebe nos dias atuais é o PCC estendendo seus domínios por praticamente todas as partes do país, com a ampliação de sua rede de negócios. Nesse contexto, se antes a criminalidade em Minas Gerais era dominada por gangues, sem grandes articulações entre si, o estado se tornou atualmente um dos alvos da expansão do PCC. Muito provavelmente isso ocorre por o território mineiro apresentar uma posição estratégica, estabelecendo divisa com São Paulo, em interligação com unidades da federação situadas no centro-oeste e nordeste.

Reforçando esse dado, de acordo com uma pesquisa ainda em andamento do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), dois pavilhões da Penitenciária Nelson Hungria na Região Metropolitana de Belo Horizonte alocam aproximadamente 200 presos identificados pela Justiça como pertencentes ao PCC. Estas pessoas, oriundas geralmente do sul de Minas Gerais e do Triângulo Mineiro, criam regras de comportamento e uma divisão de tarefas totalmente distintas das estabelecidas no restante do universo prisional mineiro. O modus operandi da organização paulista se dissipa por Minas Gerais, transformando o cenário carcerário e, por sua vez, a criminalidade estadual.

E qual é a resposta que os poderes públicos estadual e federal costumam fornecer a todo esse processo? A mesma dada desde o momento de consolidação do PCC em São Paulo; a mesma oferecida por sistemas de justiças criminais fortemente pautados por ações voltadas à lei e ordem: a aplicação de penas longas, cumpridas em estabelecimentos segregados e com práticas altamente discrepantes do disposto por legislações em vigor. Em suma, quanto mais o PCC se expande, mais são realizados investimentos na ampliação de um sistema que o nutre. Portanto, situações como as recentemente ocorridas em Minas Gerais, infelizmente, continuarão a se perpetuar.

*Thais Lemos Duarte: socióloga/ pós-doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O objeto de sua pesquisa é a expansão do PCC para além dos limites territoriais de São Paulo. 

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