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Segunda posse de Nicolás Maduro marca falência institucional da Venezuela

Presidente começa segundo mandato com um país mergulhado em uma crise sem precedentes. Governo brasileiro critica reeleição e boicota posse, mas presidenta do PT vai à cerimônia

Nicolás Maduro, durante uma mensagem ao país.
Nicolás Maduro, durante uma mensagem ao país.YURI CORTEZ (AFP)
Francesco Manetto
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Nicolás Maduro inicia seu segundo mandato nesta quinta-feira, um período presidencial que o manterá à frente do Governo venezuelano até 2025. A posse, indicada há meses como ponto de não retorno na gravíssima crise econômica e institucional que atravessa o país, de fato não representa novidade alguma para os cidadãos. Mas culmina a deriva do regime, que controla todos os estamentos do poder político e judiciário, e consuma uma ruptura aparentemente irremediável com as principais instâncias da comunidade internacional: Washington, Bruxelas e a maioria dos Governos da região. Maduro exibe, não obstante, o apoio de Rússia, China e Turquia, e o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, lhe deu um balão de oxigênio há uma semana ao rejeitar as sanções do Grupo de Lima.

Em maio, o sucessor de Hugo Chávez venceu eleições questionadas pela falta de garantias democráticas e observadores independentes. As forças majoritárias da oposição se recusaram a participar, provocando uma abstenção histórica de mais de 54%. O presidente, que assumiu o cargo em abril de 2013, buscava se legitimar diante do aumento da pressão e da deterioração dos direitos. Em resumo, começar um novo ciclo. Agora se formaliza o início dessa etapa, que começa precisamente com uma anomalia, um reflexo do que a Venezuela é hoje.

Maduro prestará juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em vez de fazê-lo na Assembleia Nacional, conforme estabelece a Constituição. A razão é que o Parlamento, com maioria da oposição, eleito em 2015, foi declarado em desacato, não existe mais para o Governo. Esse mesmo tribunal o despojou de suas funções e em julho de 2017, depois de três meses de protestos, que deixaram cerca de 150 mortos, foi realizada a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte na qual não têm assento representantes críticos em relação ao partido no poder. Na prática, é um órgão legislativo — presidido pelo número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) — a serviço do Executivo.

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“A revolução bolivariana não é um homem, é um povo que escolheu ser livre e está decidido a defender sua liberdade, custe o que custar, nada nem ninguém o impedirá. Em 10 de janeiro prestarei juramento pelo povo”, proclamou o presidente, que para tentar fazer frente às advertências e sanções anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, brande o fantasma do inimigo externo. “O povo consciente e mobilizado está disposto a defender a soberania e a independência da pátria, pelo seu direito inalienável de ser livre. Só o povo salvar o povo!”, escreveu no Twitter.

A Venezuela está mergulhada em uma catástrofe econômica sem precedentes na qual aos problemas de escassez se juntam uma hiperinflação exorbitante — o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um aumento dos preços de 1.800.000% em dois anos — e uma dependência das classes populares das ajudas do Governo. Estas são algumas das causas de um êxodo que, de acordo com as Nações Unidas, se acelerou nos últimos meses e já soma três milhões de migrantes, dos quais mais de um milhão se estabeleceu na vizinha Colômbia.

Nesse contexto, Nicolás Maduro, que em agosto sofreu um ataque de drones durante um ato militar, se empenha em demonstrar que tem o apoio de potências estrangeiras. “A Venezuela conta com um amplo apoio internacional e um povo consciente para vencer a perseguição econômica e as agressões contra a pátria. Não deterão nossa marcha rumo à prosperidade”, afirmou nesta quarta-feira. A realidade é que os efeitos dos acordos comerciais firmados com Rússia, China e Turquia por enquanto não foram notados e milhões de venezuelanos sobrevivem com um salário mínimo que ronda os cinco dólares.

“Traição à pátria”

A partir desta quinta-feira, além disso, ficarão rompidas as relações diplomáticas com pelo menos 13 países latino-americanos, os integrantes do chamado Grupo de Lima. Na região, o chavismo continua tendo o apoio do presidente boliviano, Evo Morales, do cubano Miguel Díaz-Canel e do nicaraguense Daniel Ortega. O México, no entanto, continua moderado e Andrés Manuel López Obrador insiste em uma saída negociada à crise, embora a oposição esteja desmobilizada ou na ilegalidade.

Os países do Grupo Lima, entre eles Colômbia, Brasil, Argentina, Canadá, Chile e Peru, proibirão a partir de sexta-feira a entrada em seus territórios de altos funcionários, começando com o próprio Maduro.  “Estamos avançando na concretização dessas medidas”, disse o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo. Entre elas, figura a de “exortar outros membros da comunidade internacional a adotarem medidas semelhantes contra o regime de Maduro em favor da restauração da democracia”. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também se manifestou diversas vezes contrariamente a Maduro. Mas o PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que perdeu a eleição em outubro, enviará sua presidenta para a cerimônia. "Somos solidários à posição do governo mexicano e de outros Estados latino-americanos que recusaram claramente a posição do chamado Grupo de Lima, abertamente alinhada com a postura belicista da Casa Branca", afirmou Gleisi Hoffmann em uma nota.

O Governo venezuelano respondeu com uma ameaça dirigida aos líderes da oposição e legisladores da Assembleia Nacional. A Constituinte ordenou ao Tribunal Supremo de Justiça e ao Ministério Público a abertura de uma “investigação imediata por traição à pátria a todos aqueles que se dobraram à declaração do mal chamado Grupo de Lima”. As condenações para esse crime podem chegar a 30 anos de prisão.

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