Governo Bolsonaro começa com promessa de via rápida para facilitar posse de armas
Presidente eleito fala em editar decreto para "garantir a posse", mas pesquisa mostra que 61% são contra
Às vésperas de tomar posse como presidente, Jair Bolsonaro deu uma mostra do que o brasileiro pode esperar de suas primeiras semanas no Governo. Em um tuíte escrito no dia 29 o capitão anunciou: "Por decreto pretendemos garantir a POSSE de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registro definitivo". A posse é a possibilidade de ter uma pistola ou revólver em casa, e atualmente o registro é válido por cinco anos. Flexibilizar o acesso às armas de fogo é uma antiga promessa de campanha do militar e uma bandeira que ele defende desde quando era deputado - suas poses com as mãos simulando uma pistola já se tornaram uma marca. Mas a afirmação de que pretende editar um decreto para acelerar o processo pegou a todos, inclusive alguns aliados, de surpresa, especialmente após divulgação de pesquisa Datafolha neste segunda-feira apontar que a maioria da população (61%) é contra a posse de armas (em outubro esse número era de 55%).
Ao chamar para o Executivo a questão, Bolsonaro se antecipa à discussão que corre no Congresso sobre o tema. Atualmente ao menos um projeto de lei que busca ampliar o acesso às armas praticamente revogando o Estatuto do Desarmamento já está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara. Horas após a postagem inicial no Twitter, o capitão voltou à rede social para dar mais detalhes, sinalizando a abertura para o diálogo com o Legislativo: "A expansão temporal [do registro] será de intermediação do Executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados". De acordo com a Folha de S.Paulo, o decreto teria sido uma sugestão do ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, feita durante uma reunião com os futuros ocupantes da Esplanada dos Ministérios.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reagiu, e afirmou que a medida irá "transformar o país num Estado policial". "Querem instaurar o faroeste no Brasil. Ainda choraremos essa medida", disse. O partido deve se mobilizar no Congresso para tentar barrar a mudança proposta pelo capitão, explorando possíveis brechas de um decreto presidencial. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), respectivamente, deram a entender que só irão se pronunciar quando o "o ato for publicado". Já os presidentes da Câmara e do Senado preferiram não comentar. "Vamos aguardar o ato publicado", disse o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). O senador Eunício Oliveira (MDB-CE) ressaltou que só pode fazer uma avaliação após discutir com a área técnica se a iniciativa é viável por meio de um decreto presidencial.
Riscos para a segurança pública, segundo os especialistas
Não será a primeira vez que o Estatuto é alterado pelo chefe do Executivo: o presidente Michel Temer ampliou os prazos de validade do registro de arma de fogo de três para cinco anos, e também do atestado de aptidão técnica, que antes precisava ser apresentado a cada três anos e agora é solicitado a cada dez. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS afirmaram que a alteração do prazo do registro proposta por Bolsonaro seria um processo relativamente simples, uma vez que implicaria apenas revogar o decreto anterior e substitui-lo por um novo. O presidente está amparado pela Constituição para fazê-lo.
Mas, apesar de ser algo que o capitão poderá fazer com uma canetada, tornar o registro "definitivo" será uma medida que pode trazer sérios riscos para a segurança pública - e ir no sentido contrário do que prega Bolsonaro, que vê na posse de armas uma solução para a crise de violência que o país atravessa, avaliam os especialistas. "O registro permanente coloca em risco a capacidade já bem pequena do Estado brasileiro de controlar as armas de fogo no país", afirma o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques. De acordo com ele, essa mudança abre a porta para uma série de desvios de armamento, ao permitir que as pessoas "comprem uma arma e posteriormente a vendam, ou mesmo sejam furtadas, e nunca mais precisem prestar contar desta arma". Ele diz ainda que com isso a capacidade de investigação das polícias para elucidar crimes também ficaria comprometida: "Torna-se impossível rastrear quem foi o dono legal e original daquela pistola ou revolver, bem como saber como ela foi parar na mão de um criminoso".
Nesta série recente de tuítes Bolsonaro falou apenas sobre a posse de armas, que é o direito de ter uma pistola ou revólver em casa, deixando de lado a questão do porte (cuja ampliação ele já defendeu anteriormente), que seria a autorização para andar armado. Ambos são considerados por especialistas em segurança pública como sendo problemáticos, tendo em vista que o Estatuto do Desarmamento, que restringiu o acesso às armas, é apontado por estudos como sendo responsável por salvar 160.000 vidas. Atualmente, o porte é vedado à população em geral, sendo restrito a algumas profissões, e a posse é permitida contanto que o requerente tenha mais de 25 anos, não tenha antecedentes criminais, realize uma série de exames psicológicos e justificar a necessidade de ter uma arma. No final, cabe à Polícia Federal conceder ou não a posse ao analisar a justificativa, em um ato discricionário frequentemente criticado pelos movimentos armamentistas.
Segundo Marques, do Sou da Paz, o presidente tem autoridade para regulamentar todos os artigos do estatuto, "inclusive esvaziando alguns de sua importância original", mas não pode abolir o que já foi aprovado. "Ele pode tornar mais claro o que se entende por efetiva necessidade para a posse, mas não pode acabar com esse pré-requisito", explica.
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