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Governo Bolsonaro começa com promessa de via rápida para facilitar posse de armas

Presidente eleito fala em editar decreto para "garantir a posse", mas pesquisa mostra que 61% são contra

Boneco segura arma de brinquedo em São Paulo.
Boneco segura arma de brinquedo em São Paulo.MIGUEL SCHINCARIOL (AFP)
G. A.

Às vésperas de tomar posse como presidente, Jair Bolsonaro deu uma mostra do que o brasileiro pode esperar de suas primeiras semanas no Governo. Em um tuíte escrito no dia 29 o capitão anunciou: "Por decreto pretendemos garantir a POSSE de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registro definitivo". A posse é a possibilidade de ter uma pistola ou revólver em casa, e atualmente o registro é válido por cinco anos. Flexibilizar o acesso às armas de fogo é uma antiga promessa de campanha do militar e uma bandeira que ele defende desde quando era deputado - suas poses com as mãos simulando uma pistola já se tornaram uma marca. Mas a afirmação de que pretende editar um decreto para acelerar o processo pegou a todos, inclusive alguns aliados, de surpresa, especialmente após divulgação de pesquisa Datafolha neste segunda-feira apontar que a maioria da população (61%) é contra a posse de armas (em outubro esse número era de 55%).

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Ao chamar para o Executivo a questão, Bolsonaro se antecipa à discussão que corre no Congresso sobre o tema. Atualmente ao menos um projeto de lei que busca ampliar o acesso às armas praticamente revogando o Estatuto do Desarmamento já está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara. Horas após a postagem inicial no Twitter, o capitão voltou à rede social para dar mais detalhes, sinalizando a abertura para o diálogo com o Legislativo: "A expansão temporal [do registro] será de intermediação do Executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados". De acordo com a Folha de S.Paulo, o decreto teria sido uma sugestão do ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, feita durante uma reunião com os futuros ocupantes da Esplanada dos Ministérios.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reagiu, e afirmou que a medida irá "transformar o país num Estado policial". "Querem instaurar o faroeste no Brasil. Ainda choraremos essa medida", disse. O partido deve se mobilizar no Congresso para tentar barrar a mudança proposta pelo capitão, explorando possíveis brechas de um decreto presidencial. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), respectivamente, deram a entender que só irão se pronunciar quando o "o ato for publicado". Já os presidentes da Câmara e do Senado preferiram não comentar. "Vamos aguardar o ato publicado", disse o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). O senador Eunício Oliveira (MDB-CE) ressaltou que só pode fazer uma avaliação após discutir com a área técnica se a iniciativa é viável por meio de um decreto presidencial.

Riscos para a segurança pública, segundo os especialistas

Não será a primeira vez que o Estatuto é alterado pelo chefe do Executivo: o presidente Michel Temer ampliou os prazos de validade do registro de arma de fogo de três para cinco anos, e também do atestado de aptidão técnica, que antes precisava ser apresentado a cada três anos e agora é solicitado a cada dez. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS afirmaram que a alteração do prazo do registro proposta por Bolsonaro seria um processo relativamente simples, uma vez que implicaria apenas revogar o decreto anterior e substitui-lo por um novo. O presidente está amparado pela Constituição para fazê-lo.

Mas, apesar de ser algo que o capitão poderá fazer com uma canetada, tornar o registro "definitivo" será uma medida que pode trazer sérios riscos para a segurança pública - e ir no sentido contrário do que prega Bolsonaro, que vê na posse de armas uma solução para a crise de violência que o país atravessa, avaliam os especialistas. "O registro permanente coloca em risco a capacidade já bem pequena do Estado brasileiro de controlar as armas de fogo no país", afirma o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques. De acordo com ele, essa mudança abre a porta para uma série de desvios de armamento, ao permitir que as pessoas "comprem uma arma e posteriormente a vendam, ou mesmo sejam furtadas, e nunca mais precisem prestar contar desta arma". Ele diz ainda que com isso a capacidade de investigação das polícias para elucidar crimes também ficaria comprometida: "Torna-se impossível rastrear quem foi o dono legal e original daquela pistola ou revolver, bem como saber como ela foi parar na mão de um criminoso".

Nesta série recente de tuítes Bolsonaro falou apenas sobre a posse de armas, que é o direito de ter uma pistola ou revólver em casa, deixando de lado a questão do porte (cuja ampliação ele já defendeu anteriormente), que seria a autorização para andar armado. Ambos são considerados por especialistas em segurança pública como sendo problemáticos, tendo em vista que o Estatuto do Desarmamento, que restringiu o acesso às armas, é apontado por estudos como sendo responsável por salvar 160.000 vidas. Atualmente, o porte é vedado à população em geral, sendo restrito a algumas profissões, e a posse é permitida contanto que o requerente tenha mais de 25 anos, não tenha antecedentes criminais, realize uma série de exames psicológicos e justificar a necessidade de ter uma arma. No final, cabe à Polícia Federal conceder ou não a posse ao analisar a justificativa, em um ato discricionário frequentemente criticado pelos movimentos armamentistas.

Segundo Marques, do Sou da Paz, o presidente tem autoridade para regulamentar todos os artigos do estatuto, "inclusive esvaziando alguns de sua importância original", mas não pode abolir o que já foi aprovado. "Ele pode tornar mais claro o que se entende por efetiva necessidade para a posse, mas não pode acabar com esse pré-requisito", explica.

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