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A brecha legal para que Londres interrompa o Brexit unilateralmente

Advogado geral de Luxemburgo diz que Reino Unido pode deter saída sem aprovação da União Eiropeia

A primeira-ministra britânica, Theresa May, no dia 1º de dezembro
A primeira-ministra britânica, Theresa May, no dia 1º de dezembroMarcos Brindicci (REUTERS)
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A possibilidade de que o Reino Unido continue como membro da União Europeia caso não ocorra o acordo do Brexit de Theresa May se torna mais factível a partir de terça-feira. O Tribunal de Justiça da UE, com sede em Luxemburgo, em um parecer preliminar do advogado geral — cujas opiniões são cumpridas em 80% dos casos — considera que Londres pode retirar unilateralmente o pedido de saída da UE antes de o Brexit se consumar. Ou seja, em 29 de março. A opinião do advogado geral Manuel Campos Sánchez-Bordona não é vinculadora, mas servirá de base à futura sentença (que está prevista para sair antes do final do ano) e rebate a tese de Bruxelas, que defende a necessidade do sinal verde dos 27 membros da União para deter a separação.

“A revogação unilateral seria também uma manifestação da soberania do Estado de saída, que opta por reverter sua decisão inicial”, diz o advogado. O caso pode dar força aos partidários de frear o processo de saída para convocar um segundo referendo. Mas também pode servir para convencer os parlamentares britânicos partidários do Brexit de que é conveniente apoiar o acordo de saída proposto pela primeira-ministra, Theresa May, para não se arriscar a uma continuidade sine die no clube europeu.

O Parlamento britânico iniciou nesta terça-feira os debates sobre o acordo feito por May com os outros membros da União. A votação decisiva do texto no Parlamento britânico é esperada para 11 de dezembro. May alertou de que a alternativa à sua oferta pode ser o cancelamento completo do Brexit, uma ameaça que parece mais real após a opinião de Sánchez-Bordona de terça-feira. “É o acordo, ou o Brexit não ocorrerá”, repetiu May durante as últimas semanas. “É o único acordo possível”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Sánchez-Bordona fundamenta sua decisão em vários motivos como que “a conclusão de um acordo não é um requisito para que a retirada se consume”. E que “o Estado membro que decide se retirar notificará o Conselho Europeu de sua intenção — e não sua decisão — de se retirar, podendo variar tal intenção”, entre outras razões.

“A conclusão de um acordo não é um requisito para que a retirada do Reino Unido da EU se consuma” Manuel Campos Sánchez-Bordona, advogado geral do Tribunal de Luxemburgo

“Como o Parlamento britânico deve dar sua aprovação final, conseguindo ou não um acordo de retirada, vários deputados entendem que a revogação abriria ao Reino Unido a possibilidade de permanecer na UE diante de um Brexit insatisfatório”, afirma o Tribunal em um comunicado de três páginas. Londres, por sua vez, alega que é inadmissível levar o caso aos tribunais da UE, por seu caráter “hipotético e meramente teórico”, pois não há nenhum indício de que o Governo e o Parlamento britânico irão retirar seu pedido de saída da União.

O advogado geral acha, além disso, que de qualquer forma os princípios de boa fé e cooperação leal deveriam ser respeitados, para evitar que Londres pudesse abusar do procedimento. Bruxelas resiste à retirada unilateral por medo de que o Reino Unido, e outro país no futuro, aproveite o artigo 50 para chantagear os outros membros com uma ameaça de saída que não tem a intenção de se completar.

A questão da Escócia

O Estado membro que decide se retirar notificará sua intenção ao Conselho Europeu — e não sua decisão— de se retirar, podendo variar tal intenção Manuel Campos Sánchez-Bordona, advogado geral do Tribunal de Luxemburgo

O caso visto na Corte de Luxemburgo vem da Escócia, uma região britânica que votou contra o Brexit e que luta para continuar na UE. Vários deputados do parlamento escocês, ao lado de outros do parlamento britânico e do europeu, pleitearam em um tribunal escocês a possibilidade de que Londres revogasse unilateralmente a notificação de saída, baseada no artigo 50 do Tratado da União. O artigo fixa um prazo máximo de dois anos para completar a saída. Mas não fala nada sobre a possível suspensão do processo.

O litígio chegou a Luxemburgo no formato de um processo sob responsabilidade dos tribunais da UE. E a resposta pode marcar a reta final do Brexit, um processo de negociação iniciado em março de 2017 e que enfrenta agora a ratificação no Parlamento britânico e no europeu.

O veredito definitivo da Corte de Luxemburgo é esperado para antes do final do ano, em um caso tramitado através de um procedimento de urgência para que sua resolução se torne pública de qualquer maneira antes de 29 de março, dia em que o Reino Unido estará oficialmente fora da UE (ainda que com um período transitório de 21 meses).

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