Torcedores de Boca e River em Madri, a quatro dias da final: “Pedimos um jogo em paz”

Representantes das torcidas dos rivais argentinos que moram na capital espanhola compartilham a expectativa para a final, que acontece no próximo domingo

Fabio Vides e Leonardo Polzello, torcedores do River e Boca, posam com uma réplica da Taça Libertadores no Santiago Bernabéu.Carlos Rosillo
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"Fabio, você não precisa pentear o cabelo para a foto!”, diz Leonardo, no inconfundível sotaque argentino.

É difícil, certamente impossível, encontrar um grupo de amigos na Argentina alheio ao deboche. Como um item implícito no documento de identidade, cada pessoa tem seu apelido: o Fraco, o Narigudo, o Coelho, o Macaco ou a Pulga. E vão da brincadeira fraterna à chacota entre desconhecidos, para acabar irritando os rivais. Sem má intenção, mesmo quando o cenário é o Santiago Bernabéu e os protagonistas são dois dos representantes das maiores torcidas do River Plate e Boca Juniors em Madri. "Eu tenho a camisa do Ponzio, o que sempre volta", provoca Fabio Vides, porta-voz da filial do River em Madri, de 150 membros, referindo-se ao capitão do clube do time, que se beneficiou do jogo de volta adiado e assim pôde superar uma lesão muscular. "E eu a de Tévez, você se lembra da dança da galinha?", responde Leonardo Polzello, da Torcida Boca Juniors Madri (100 pessoas). Uma lembrança ácida para os torcedores do River: no superclássico das semifinais da Copa Libertadores de 2004, Tévez comemorou seu gol movendo os braços junto ao corpo no Monumental, imitando uma galinha.

As provocações, lançadas de modo zombeteiro, tornam a conversa engraçada. Vides e Polzello se conhecem, se respeitam, acima de tudo desejam um superclássico tranquilo. "A única coisa que pedimos é um jogo pacífico, as pessoas que vêm de fora têm de saber que Madri é a nossa cidade e temos de cuidar dela", diz o porta-voz do River. "Este é um sonho do qual não quero acordar, mas a final tem que ser uma festa do futebol. Uma festa para todos", acrescenta o torcedor do Boca.

A final frustrada no Monumental deixou um gosto amargo nas torcidas do River e do Boca em Madri. "O cenário aqui é muito bonito, o Santiago Bernabéu é espetacular, mas gostaríamos de jogar esta partida em nossa casa, no Monumental", diz Vides. E os fãs do Boca, em princípio, beneficiado por disputar o jogo de volta longe do estádio do seu eterno rival e com a presença de ambas as torcidas, também não se iludem com o superclássico na Espanha. "O Barcelona gostaria de ganhar uma final em Madri, no Bernabéu, não?", questionou o porta-voz do Boca. "Bem, a mesma coisa acontece com a gente. Queríamos ganhar no campo deles .”

Uma tarde triste de Buenos Aires a Madri. "Reservamos um local para 400 pessoas perto do Bernabéu. Nós tínhamos tudo organizado com as telas e o lugar para a dança. Eu estava na porta controlando a entrada das pessoas. Não entendíamos nada do que estava acontecendo no Monumental, não podíamos acreditar que não houvesse jogo", diz Vides. "Nós éramos 600, a decepção das pessoas foi incrível, não queriam deixar o lugar que havíamos reservado. Alguns desajustados nos roubaram a final", intervém Polzello. "Sim, é verdade. Alguns desajustados na rua e alguns incompetentes no controle. Não é possível que aquela área estivesse liberada, parece que queriam que o jogo fosse suspenso", conclui Vides.

Em Madri eles não querem problemas. Nesta quarta-feira, os representantes das torcidas do River e do Boca se reunirão com a organização de segurança. "Querem saber como vamos nos movimentar, o que planejamos para os dias anteriores e para o jogo. Por enquanto, a única coisa que sabemos é que teremos a parte norte do estádio e da cidade, e eles, a zona sul", explica o representante do River. "Também se fala de uma Fan Zone, mas ainda não confirmaram nada", observa Polzello. "Suponho que nos dirão tudo hoje, da mesma forma que o lugar para comemorar. Nós pedimos que possam reservar a Praça Colón ou a Cibeles, mas não sei que lugar o pessoal do River quer. Talvez eles queiram a Plaza Neptuno.”

Cidade nova, problema novo. Em Buenos Aires, não há dúvida, o vencedor festeja no Obelisco. Mas, pelo menos por um dia, acabaram as noites comemorando as vitórias de suas equipes. "Eu me mudei para a Espanha em 2004. No começo, muitas vezes não tinha nem como ver os jogos. Ligava para minha mãe para que contasse o que estava acontecendo. Para mim, foi muito difícil viver sem o River. Depois, por meio de grupos pela Internet, comecei a me conectar com as pessoas e criamos a filial. Hoje somos a mais importante, nos relacionamos muito com o clube, mas não com as Barras Bravas [comparadas às torcidas organizadas brasileiras]. Somos pessoas que dão tudo ao clube sem pedir nada em troca", diz Vides. Algo semelhante acontece com a torcida do Boca, em Madri. "Às vezes a gente tem que se relacionar com as Barras, mas somos um grupo de amigos, uma família. Não lucramos com nada. Tudo é por amor, até pagamos de nossos bolsos os tambores e os guarda-chuvas” completa o torcedor do Boca.

Hoje, passaram da organização amadora para a profissionalização. "O telefone não para de tocar. Dividimos as tarefas entre os principais representantes da filial. Um é encarregado dos líderes, outro do merchandising, eu, da imprensa. E assim estamos", enfatiza o torcedor do clube da faixa. "As pessoas estão muito nervosas, telefonam o tempo todo, querem saber como conseguir ingressos. Nós estamos sem dormir, mas vai valer a pena. Nós temos uma final aqui. É preciso festejar", diz Polzello.

"Desde que me mudei para Madri, comemorei muitos títulos", diz Vides. "E também um rebaixamento”, encerra, Polzello, fazendo graça. Não podia faltar a gozação, a cargada como dizem os argentinos.

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