_
_
_
_

A octogenária que ensina a chegar ao orgasmo

Aos 89 anos, a norte-americana Betty Dodson, ícone do feminismo, dá oficinas de sexo em sua casa em Nova York

Antonia Laborde
A artista e sexóloga Betty Dodson em seu apartamento, Nova York. 
A artista e sexóloga Betty Dodson em seu apartamento, Nova York. Jasper Haynes
Mais informações
Laerte com a alma nua na frente do espelho
‘Coordenadores de intimidade’: os vigilantes do novo sexo de Hollywood
Casamentos homossexuais como resistência a Bolsonaro

Se as paredes do apartamento de Betty Dodson falassem. Pela sua residência, localizada no coração de Manhattan, passaram tantas mulheres em busca de prazer que a artista e sexóloga não se atreve a calcular. Aos 89 anos de idade, essa velha roqueira do feminismo se orgulha de décadas ensinando técnicas de masturbação a suas clientes. A ideia não apareceu sozinha em sua cabeça. Nem a fama. Nos anos 60, ela organizou orgias na mesma sala onde atualmente realiza suas oficinas de sexo. Foi então que percebeu que muitas das participantes fingiam sentir prazer. Paralelamente, a artista expunha seus quadros rupturistas de vulvas e pessoas praticando sexo e, sem que essa fosse sua intenção, as moças recorriam a ela em busca de respostas.

São duas da tarde e Betty não atende à campainha no nono andar. E também não atende o celular. Na portaria, o zelador dá de ombros, supondo que a octogenário não tenha colocado os aparelhos auditivos. De volta ao nono andar. Uma empregada se oferece para abrir a porta. "Bata palmas para que ela não se assuste", recomenda. A sala que testemunhou tantas vezes um coro de gemidos se encontra em silêncio e quietude. Os aplausos não surtem efeito. Vários passos adiante, no limiar do quarto, aparece uma cesta com dezenas de vibradores. Finalmente, uma resposta: Betty Dodson, a mulher que subia nas mesas há seis décadas para explicar como os vibradores eram usados, aparece na cama vestindo apenas uma camiseta preta de mangas curtas.

Betty se masturba desde os cinco anos de idade. Se há alguém a quem agradece por ter vivido uma sexualidade livre é a sua mãe. “Uma mulher do Kansas" sem instrução, mas com bom senso", diz a sexóloga, e alerta para os danos que os pais causam cada vez que repreendem um filho por se tocar: "Se lhe dizem que isso é nojento, a primeira lição sobre sexo é negativa, quando é um dos aspectos mais importantes no crescimento de uma pessoa, e que obtenha prazer disso". A sala tem dois grandes quadros assinados pela artista. Um é de sua mãe aos 65 anos posando nua em uma posição horizontal. "Ela me pediu para desenhá-la assim, ‘como as modelos’, me disse."

A segunda de quatro irmãos, sendo os outros três homens, Betty chegou a Nova York nos anos 50 para se formar desenhista. Aos 35 anos, quando seu casamento acabou, a segunda onda feminista eclodia. "Eu queria me casar novamente, mas não era a hora para isso. Era hora de viver." Apareceram as pílulas anticoncepcionais, licença maternidade e a organização pró-direitos civis das mulheres. O livro The Mysticism of Feminism (1963), de Betty Friedan, abriu os olhos dela. Dodson comungava com a análise da autora, mas sentia que havia deixado de lado um aspecto que agarrou como sua bandeira de luta: a liberação sexual das mulheres. Como artista, desenvolveu a primeira exposição de arte erótica feminina na Wickersham Gallery e, alguns anos depois, projetou slides de vulvas na NOW Sexuality Conference. Ele se envolveu com tudo na revolução.

Em paralelo à exibição de suas obras, começou a participar de reuniões feministas e lhe sugeriram que criasse seu próprio grupo. Convidou suas amigas, namoradas e vizinhas para "festas sexuais", onde compartilharam suas experiências. "Eram só queixas, muito entediante: 'Acho que meu marido me engana', 'ele nunca pega o lixo', 'gasta muito dinheiro com isso'. Então havia essas mulheres que não sabiam nada sobre sexo e eu decidi ensiná-las. Eu transava muito, algo de que me orgulhava e que era raro para a época", relata com ares de que ainda lhe agrada. "Senti a necessidade de instruí-las, o orgasmo não é alcançado pela magia." Para ela, essa autonomia sexual representa uma dose de liberdade para as mulheres; um momento em que se reconciliam consigo mesmas e se afastam de suas inseguranças.

As imagens das conferências dadas por Betty estão expostas na Biblioteca da Universidade Harvard, na seção "A História das Mulheres na América". No final dos anos 60, ela foi pioneira ao explicar publicamente o uso correto de vibradores. "Os homens riam de mim. E me davam apelidos vulgares, até meus irmãos, mas nunca me senti intimidada por isso”, esclarece. Gloria Steinem, a grande referência da segunda onda, com Friedan, descreveu Dodson como uma das "primeiras feministas" depois de vê-la debater em um lugar sombrio. "Foi a primeira vez que ouvi mulheres sendo sexualmente honestas em público", disse ela na época.

A cama de casal semidesfeita é vigiada por uma fotografia de uma de suas oficinas de fim de semana (1.200 dólares, 4.650 reais): um grupo de mulheres nuas de diferentes idades, tamanhos e origens posa sorrindo. "Em geral vêm garotas entre 30 e 50 anos. Muitas nunca se tocaram em sua vida", diz ela. Nos cursos, as participantes falam sobre sua intimidade, encaram seus genitais diante de um espelho, tocam-se, fazem exercícios de respiração, e o que vem a seguir ... Betty não conta. Ela também faz sessões particulares por uma tarde (1.500 dólares, 5.800 reais) exigidas principalmente por senhoras mais velhas. O meio século de Dodson no negócio a levou a uma conclusão decepcionante: "Ainda continuamos reprimidas". Ela responsabiliza a religião, especialmente a católica. Quanto ao que melhorou, depois de uma longa pausa, responde: a Internet. "Já não podem nos controlar como antes", diz, com uma risada quase maquiavélica.

Não gosta do movimento #MeToo. "A ideia de ser uma vítima indefesa nunca passou pela minha cabeça. Minhas amigas pensam que é importante expressar a dor, mas acho que fazemos isso demais. Tenho vontade de lhes dizer ‘continuem com a sua vida, façam uma aula de defesa pessoal’. Toda vez que um homem tentou me foder e eu não queria, eu o derrubei. E não gritava socorro, socorro, socorro (exclama simulando a voz de uma menina)." Sobre o que fazer para mudar as coisas, ela responde que "essa é a pergunta de 64 milhões de dólares", mas que tudo ajuda, embora "ainda falte muito para que sejamos iguais. O principal é alcançar a equidade salarial".

A mulher que viu seus pais e os três irmãos partirem completou 89 anos em agosto. No meio da mesa onde se realiza a entrevista, há um cinzeiro no qual repousa um cachimbo de maconha e um cigarro deixado pela metade. Ela não tem uma resposta sobre como consegue se manter forte, mas reconhece que os remédios ajudam. Tem vários, mais de mil, talvez. Os frascos de medicamentos estão perfeitamente arrumados em uma prateleira ao lado da porta da cozinha, como se fosse uma de suas obras expostas. "Não tenho nada a esconder", confirma mais uma vez a mulher que está há 50 anos lutando para tirar o véu que cobre a sexualidade feminina.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_